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Brasil e mundo

O veneno nosso de cada dia

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No ano ado o setor agropecuário brasileiro gastou R$ 101,7 bilhões com produtos químicos, um crescimento de 8,77% sobre 2019, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, instituição criada em 2017 para ajudar empresas a reduzir custos e tributos.

Muitos países já não se dispõem a pagar por produtos agrícolas contaminados

Essa cifra recorde, equivalente a 23% do Valor Bruto da Produção das Lavouras (R$ 437,8 bilhões em 2020) e a 14% do Valor Bruto da Produção Agropecuária (R$ 706,8 bilhões), nos é apresentada como uma vitória, uma vantagem competitiva da agricultura brasileira — campeã mundial no uso de agrotóxicos. Pelo amor dos nossos filhotes!

Falando francamente, o agro brasileiro está mais viciado do que nunca. Os dados acima demonstram que a doença tomou conta do corpo e se apossou da mente do pessoal do agronegócio, que se revela conformado com o modelo de produção vigente. Pior ainda, difunde a ideia de que a agricultura orgânica é incapaz de abastecer o país. É o “pensamento único” ditando as regras no campo.

No entanto, há saídas alternativas, como nos provam as práticas da Emater e algumas iniciativas da Embrapa, da Epagri-SC e outros organismos de pesquisa, assistência técnica e extensão rural.

Comprometida com o enfoque empresarial dominante, a mídia convencional não se preocupa em registrar os esforços vitoriosos de associações de agricultores familiares, cooperativas de produtores e escolas agrícolas. São práticas minoritárias (“subversivas”) tentando provar que não há uma única forma de produzir alimentos.   

Já a da hora de os técnicos agrícolas, agrônomos, zootecnistas, veterinários, engenheiros florestais e demais membros da inteligência rural, que prestam serviços aos agricultores e a outros elos da cadeia de produção rural, colocarem a mão na consciência e imprimir velocidade ao processo de reversão desse quadro em que a distorção virou norma.

Ao gastar com “remédios” um quarto do que fatura, a lavoura brasileira se compara a um doente que, para se mover, precisa andar entubado. Tem futuro? Não. É possível reverter? Sim, sem dúvida.  

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Está fazendo apenas vinte anos que a indústria química se apossou do segmento de sementes, impondo a cobrança de royalties para fornecer “matrizes” que, além de ser estéreis, “precisam” da cobertura de biocidas para produzir em terreno limpo. Sem venenos, os transgênicos não são viáveis. Entretanto, todo mundo se submeteu, com exceção de alguns produtores de sementes crioulas que fazem um irável trabalho de resistência à erosão genética exercida de cima para baixo com a conivência de governantes submissos às regras do “jogo”. E que jogo!   

O uso abusivo de venenos e similares é o maior sinal de que o Brasil agrícola não tem sanidade e logo/logo terá de encarar a necessidade de rever sua política agroambiental para deixar de lesar a saúde da sua população e comprometer gravemente a biodiversidade com a morte de insetos e aves, correndo ainda o risco de perder encomendas dos importadores de alimentos.

Muitos países já não se dispõem a pagar por produtos agrícolas contaminados. A mídia não fala para “não prejudicar os negócios”, mas desde 2019 tem havido devolução de mel brasileiro por conter traços de agrotóxicos. Não é culpa dos apicultores, mas dos produtores agrícolas que pulverizam suas plantações – principalmente de soja – com volumes insensatos de herbicidas, inseticidas e fungicidas.   

A exploração consciente da lavoura, da pecuária e das florestas não tem como andar desconectada do abastecimento interno respeitoso e de exportações agrícolas criteriosas. Já não se pode continuar ignorando que o uso intensivo de agrotóxicos compromete a saúde dos consumidores e dos trabalhadores rurais.

Para voltar à racionalidade agrícola, é preciso adotar uma política ambiental amorosa – de respeito à Natureza. Cabe aqui lembrar o que escreveu o agrônomo José Lutzenberger no ato de fundação da Agapan, em 1971: “Nossa engenharia costuma procurar adaptar o ambiente à tecnologia, em vez de acomodar a tecnologia ao ambiente.”

É costume pensar que a tecnologia se caracteriza basicamente pelo uso intensivo de máquinas cada vez mais potentes e sofisticadas. Na realidade, a agricultura precisa essencialmente do manejo, conceito amplo que se caracteriza pelo uso não só das mãos, mas dos sentidos da visão, do olfato, do tato, do paladar e até – por que não? – do sexto sentido.    

Em certo sentido, é preferível praticar uma agricultura com o uso intensivo de mão-de-obra e métodos naturais e/ou biológicos a depender de um sistema produtivo totalmente controlado por grandes indústrias multinacionais que, desde as sementes até os insumos químicos, prescrevem do começo ao fim um conjunto de procedimentos danosos para o meio ambiente. Um conjunto que tem como eixo o petróleo, matriz da poluição que vem alterando o clima da Terra. Até quando?

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“Ficamos sem saídas. Somos reféns deles”, me disse há meses um agricultor do norte do Rio Grande do Sul. Não publico seu nome para não prejudicá-lo. Se o fizer, ele certamente sofrerá boicotes dos seus “parceiros tecnológicos” — os mesmos que se vangloriam de faturar R$ 101,7 bilhões por ano com a venda de ”defensivos agrícolas”. Felizmente, é animador saber que esse agricultor, de médio porte, trabalha duro para se libertar do jugo perverso dos PhD – Profissionais habilitados em Defensivos.

Geraldo Hasse é jornalista.

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Brasil e mundo

A liberdade sagrada das redes

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Noutro dia escrevi um texto sobre a cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem, responsabilizando parcialmente as novas tecnologias de comunicação. Disse: “Se por um lado as tecnologias deram voz à sociedade, por outro, nos têm distraído da concretude do mundo, de interação mais hostil, levando-nos a viver em mundos paralelos”. E: “No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades, mas sim no mundo virtual, um refúgio, retroalimentado pelo algoritmo, onde não há frustrações, mas sim gratificações instantâneas”. Bem, esse é um lado da questão. E não é novo.

Desde Freud se sabe que, diante do trauma, a criança dissocia-se para á-lo, refugiando-se na neurose, uma estratégia de defesa contra o trauma. Pois, assim como a criança traumatizada, as pessoas, diante das escalabrosidades do mundo concreto, fazem igual: elas se refugiam no mundo virtual, guardando, do mundo concreto, uma distância.

O outro lado da questão, o reverso da moeda, é que, sem as novas tecnologias de comunicação, a voz traumatizada da sociedade permaneceria atravessada na garganta, sem chance de extravasar-se.

A possibilidade de expressão liberou uma carga de justos ressentimentos contra os limites da política, as injustiças, o teatro social. De súbito, tivemos uma ideia do tamanho da insatisfação com os sistemas de vida, ando publicamente a protestar, em alguns casos chegando à revolução, como ocorreu na Primavera Árabe, onde as redes sociais cumpriram um papel fundamental.

Pois não é por outra razão que os donos do antigo mundo estão incomodados e querem controlar a liberdade de expressão, especialmente a velha imprensa, os monopólios empresariais, os sistemas políticos totalitários. Enfim, todos aqueles para quem a internet e as redes sociais ameaçam seu poder, ao por de pernas pro ar as certezas convenientes sobre as quais se assentaram.

Fato. As inovações desarranjam os mercados e os modos de vida. Toda inovação faz isso. É o preço do progresso. Mas, assim como é impossível voltar ao tempo do telégrafo (imagine o desespero nas Bolsas de Valores), é impensável retroagir ao mundo exclusivo da prensa de Gutenberg. Porque as descobertas, afinal, permitem avançar nos arranjos produtivos: propiciam economia de tempo, dinheiro e, no caso da comunicação, ampliam a liberdade, seu bem mais precioso.

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Com todos os defeitos que a vida tem, é preferível mil vezes, ao controle da palavra, a liberdade de dizê-la. Quem pode afirmar (ou julgar) o que é verdadeiro e o que é falso, senão as pessoas mesmas, em última análise, de acordo com suas percepções e as pedras em seus sapatos? Pois hoje, depois de provarmos a liberdade trazida pelas novas tecnologias, mais do que nunca sabemos que a imprensa, em sua mediação da realidade, é falha, e como o é!

É interessante (e triste) ver como, após a criação da internet e das redes, grande parte da imprensa, ao perder o monopólio da verdade, se vêm tornando excessivamente opinativa e crítica das novas tecnologias. Deveria, sim, era aprimorar-se no trabalho para prestá-lo melhor. Acontece que, eis o ponto, como a velha imprensa não é livre de fato, como depende do financiador, muitas vezes de governos, ela vê nas novas tecnologias de ampla liberdade uma ameaça à velha cadeia de produção acostumada a filtrar o que valia ser dito, e o que não valia, em seu óbvio interesse, hoje nu, como o rei da história.

Além disso, há essa coisa interessante: a percepção. Para alguns pensadores do novo mundo, o que chamamos de realidade é uma simulação, no que concordo. Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros, paladares etc. não existem no mundo concreto (são imateriais), sendo portanto simulações percebidas pelos sentidos (pessoas veem cores em diferentes matizes, quando não divergentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado exclusivo dos nossos sentidos. Assim, a única coisa real seria a razão. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. “Penso, logo existo”.

Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos com que amos o mundo concreto, estando entrelaçados, não haveria diferença entre eles. Logo, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor. Eu acredito que é assim.

Uma vez provadas as inovações, não é possível retroagir. Podemos, isso sim, é refinar, em decorrência delas, o nosso comportamento.

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Brasil e mundo

Vivendo em mundos paralelos

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Algo mudou na relação entre o jornalismo e os pelotenses. Até por volta de 2015, havia um marcado interesse nos assuntos da cidade. Um mero buraco, e nem precisava ser o negro, despertava vívida atenção. Agora já ninguém dá a mínima. Nem mesmo se o buraco for um rombo fruto de corrupção numa área de vida e morte, como a de saúde. O valor da notícia sofreu uma erosão nas percepções.

Não é uma situação local, mas, arrisco dizer, do mundo. Nós apenas sentimos seus efeitos de forma drástica, por razões de ordem econômica e social. E também dimensionais.

Como a cidade não é grande, os problemas são ainda mais visíveis. Topamos com eles no cotidiano. Acontece que os buracos reais e metafóricos, ainda que denunciados, inclusive pelo cidadão que vai às redes sociais reclamar, avolumam-se sem solução que satisfaça, levando a outro problema, este de ordem comportamental.

Vem ocorrendo uma cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem. Um corte entre elas e a vida social. O espaço, que no ado era público, já hoje parece ser de ninguém.

A responsabilidade parcial disso parece, curiosamente, ser das novas tecnologias de comunicação. Se por um lado elas deram voz à sociedade como um todo, por outro, ao igualmente darem amplo o ao mundo virtual, elas nos têm distraído da concretude do mundo, de interação sempre mais hostil — distraído, enfim, da realidade mesma, propiciando que vivamos em mundos paralelos.

Outra razão é que, no essencial, nada muda em nossa realidade. Isso ficou mais evidente porque as redes sociais deram vazão, sem os filtros editoriais da imprensa, a um volume de problemas reais maior do que o que era noticiado. Se antes já havia demora nas soluções, essa percepção foi multiplicada pelo crescente número de denúncias feitas nas redes pelos próprios cidadãos. Os problemas que dizem respeito à coletividade se avolumam sem solução a contento, desconsolando e fatigando a vida.

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Como a dinâmica da cidade (e da realidade) não responde como deveria, eis o ponto, estamos buscando reparações no ambiente virtual, sensitivamente mais recompensador, além de disponível na palma da mão.

No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades. Estamos habitando no mundo virtual, onde não há frustrações, mas sim gratificação instantânea. Andamos absortos demais em nossa vida. Abduzidos por temas de exclusivo interesse pessoal, retroalimentados minuto a minuto pelo algoritmo.

Antes vivíamos num mundo de trocas diretas entre as pessoas. Hoje habitamos numa nuvem, no cyber-espaço. Andamos parecendo cada dia mais com Thomas Anderson, protagonista do filme Matrix. Conectado por cabos a um imenso sistema de computadores do futuro, ele vive literalmente em uma realidade paralela. Isso dá

Para complicar tudo, há pensadores para quem a realidade é uma simulação.

Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros etc. não existem no mundo concreto, mas são simulações percebidas pelo nosso corpo (pessoas veem as cores em diferentes tons, quando não em diferentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado dos nossos sentidos.

Assim, a única coisa real seria a razão, quer dizer, o modo como processamos aquelas percepções dos sentidos. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos que amos o concreto, não haveria diferença entre eles.

Segundo aqueles pensadores, como o mundo virtual está entrelaçado com o mundo concreto, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor.

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