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Brasil e mundo

‘Devemos continuar em isolamento’. Por Pedro Hallal

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Pedro Hallal, epidemiologista e reitor da UFPel |

No dia 26 de março, fiz publicação apresentando algumas análises sobre as mortes por COVID-19 em diversos países. Achei relevante atualizar a tabela hoje, para podermos analisar, rapidamente, o que mudou nesses três dias.

Na segunda coluna, é apresentado o dia em que cada país está desde a décima morte pelo COVID-19. Esse é um indicador do estágio da pandemia no local.

A terceira coluna apresenta a mortalidade atual (dia 28/03) ajustada pelo tamanho da população (mortes/1 milhão de pessoas). A terceira coluna mostra qual era essa mesma mortalidade quando cada país estava no dia 5 desde a décima morte.

E a última coluna mostra qual era essa mesma mortalidade quando cada país estava no dia 8 desde a décima morte (caso do Brasil ontem).

INTERPRETAÇÕES

1. Os dados do mundo devem ser interpretados com muita cautela, tendo em vista que, por um bom tempo, a infecção esteve concentrada em apenas um país (China).

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2. Talvez a comparação mais interessante seja entre Itália, Irã e Coréia, pois os três países registraram a décima morte com apenas 24 horas de diferença. Na Itália, a mortalidade atual é de 151,1 por 1 milhão, ou seja, 0,015%. Na Coréia, a mortalidade atual é apenas 3,5 por 1 milhão, ou seja, 0,00035%. Já no Irã, a mortalidade atual é de 28,3 por 1 milhão, ou seja, 0,0028%. Compreender essas diferenças abismais é um desafio, mas também uma obrigação, da saúde pública global.

3. Ainda comparando os mesmos três países, é importante avaliar como a mortalidade por 1 milhão vem evoluindo ao longo do tempo. No quinto dia após a décima morte, a Itália tinha 0,5 mortes por 1 milhão. No oitavo dia, tinha 1,3 mortes por 1 milhão. E hoje, no 32º dia após a décima morte, esse número é de 151,1 por 1 milhão de habitantes. No Irã, esse número era 0,4 por 1 milhão no quinto dia após a décima morte, 0,8 no oitavo dia após a décima morte e hoje é 28,3, no 33º dia após a décima morte. Já na Coréia do Sul, a mortalidade era de 0,3 por milhão no quinto dia após a décima morte, aumentou para 0,6 por 1 milhão no oitavo dia e hoje é 3,5 por milhão, no 32º dia após a décima morte.

4. É evidente que os primeiros dias de uma pandemia são absolutamente incontroláveis, especialmente no caso do COVID-19, que se alastra rapidamente. No entanto, as ações adotadas pela Coréia do Sul a partir daí, explicam a razão para sua colossal diferença em comparação ao Irã e Itália. O que a Coréia fez? isolamento social rigoroso e testagem em massa.

5. No oitavo dia após a décima morte, a situação disparadamente mais dramática era a observada na Espanha, com o triplo do valor observado em qualquer outro país (6,6 mortes por um milhão de habitantes). A própria Itália, que tem o pior quadro atual (151,1 mortes por um milhão de habitantes) estava em situação bem melhor do que a espanhola no oitavo dia após a décima morte (1,3 mortes por 1 milhão).

6. O Brasil encontra-se em estágio da pandemia bastante anterior a maioria desses países, o que torna as comparações desafiadoras. No entanto, vale a pena interpretar alguns números brasileiros. Mesmo tendo a segunda maior população entre esses países (atrás apenas dos Estados Unidos), no oitavo dia após a décima morte pelo COVID-19, somente os próprios Estados Unidos e o Japão tinham taxa de mortalidade tão baixa quanto a brasileira. A tendência é que esse número cresça, mas exemplos como o do próprio Japão mostram que é possível evitar que esse número aumente de forma exponencial.

7. Para isso, devemos fazer o mesmo que esses países, ou seja, manter rígidas as medidas de isolamento social, por pelo menos mais algumas semanas, e investir na testagem em larga escala, não apenas dos pacientes sintomáticos ou hospitalizados, mas de toda a população.

8. Essas são as recomendações de saúde pública baseadas na evidência científica disponível. Não há dúvidas de que tais medidas terão impactos econômicos catastróficos. No entanto, os próprios impactos econômicos serão ainda piores se o número de mortes evitáveis for gigantesco.

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9. A testagem em larga escala, que identifique pessoas já expostas ao vírus e, portanto, com anticorpos, é a maneira mais efetiva de recompor gradativamente a força de trabalho no Brasil. Para isso, precisamos desenvolver estruturas locais para testagem em ampla escala.

10. Os Governos precisam basear suas decisões nas melhores evidências disponíveis na literatura científica. Qualquer atitude diferente dessa pode trazer consequências catastróficas para a saúde global.

© Pedro Hallal, epidemiologista e reitor da UFPel

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A liberdade sagrada das redes

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Noutro dia escrevi um texto sobre a cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem, responsabilizando parcialmente as novas tecnologias de comunicação. Disse: “Se por um lado as tecnologias deram voz à sociedade, por outro, nos têm distraído da concretude do mundo, de interação mais hostil, levando-nos a viver em mundos paralelos”. E: “No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades, mas sim no mundo virtual, um refúgio, retroalimentado pelo algoritmo, onde não há frustrações, mas sim gratificações instantâneas”. Bem, esse é um lado da questão. E não é novo.

Desde Freud se sabe que, diante do trauma, a criança dissocia-se para á-lo, refugiando-se na neurose, uma estratégia de defesa. Pois, assim como a criança abalada pelo trauma, as pessoas, diante das escalabrosidades do mundo concreto, fazem igual: elas podem se retirar para o mundo virtual, guardando, daquele, uma distância.

O outro lado da questão, o reverso da moeda, é que, sem as novas tecnologias de comunicação, a voz traumatizada da sociedade permaneceria atravessada na garganta, sem chance de extravasar-se.

A possibilidade de expressão liberou uma carga de justos ressentimentos contra os limites da política, as injustiças, o teatro social. De súbito, tivemos uma ideia do tamanho da insatisfação com os sistemas de vida, ando publicamente a protestar, em alguns casos chegando à revolução, como ocorreu na Primavera Árabe, onde as redes sociais cumpriram um papel fundamental.

Pois não é por outra razão que os donos do antigo mundo estão incomodados e querem controlar a liberdade de expressão, especialmente a velha imprensa, os monopólios empresariais, os sistemas políticos totalitários. Enfim, todos aqueles para quem a internet e as redes sociais ameaçam seu poder, ao por de pernas pro ar as certezas convenientes sobre as quais se assentaram.

Fato. As inovações desarranjam os mercados e os modos de vida. Toda inovação faz isso. É o preço do progresso. Mas, assim como é impossível voltar ao tempo do telégrafo (imagine o desespero nas Bolsas de Valores), é impensável retroagir ao mundo exclusivo da prensa de Gutenberg. Porque as descobertas, afinal, permitem avançar nos arranjos produtivos: propiciam economia de tempo, dinheiro e, no caso da comunicação, ampliam a liberdade, seu bem mais precioso. Pode-se dizer que não estávamos preparados para tanta liberdade súbita, e que venhamos, neste momento, usando-a “mal”. Contudo, parece razoável dizer que, à medida que o tempo e, estaremos mais e mais preparados para lidar com a liberdade e seus efeitos.

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Com todos os defeitos que a vida tem, é preferível mil vezes, ao controle da palavra, a liberdade de dizê-la. Quem pode afirmar (ou julgar) o que é verdadeiro e o que é falso, senão as pessoas mesmas, em última análise, de acordo com suas percepções e as pedras em seus sapatos? Pois hoje, depois de provarmos a liberdade trazida pelas novas tecnologias, mais do que nunca sabemos que a imprensa, em sua mediação da realidade, é falha, e como o é!

É interessante (e triste) ver como, após a criação da internet e das redes, grande parte da imprensa, ao perder o monopólio da verdade, se vêm tornando excessivamente opinativa e crítica das novas tecnologias. Deveria, sim, era aprimorar-se no trabalho para prestá-lo melhor. Acontece que — eis o ponto — como a velha imprensa não é livre de fato, como depende do financiador, muitas vezes de governos, ela vê nas novas tecnologias de ampla liberdade uma ameaça à velha cadeia de produção acostumada a filtrar o que valia ser dito, e o que não valia, em seu óbvio interesse, hoje nu, como o rei da história.

Além de tudo, há essa coisa interessante: a percepção. Para alguns pensadores do novo mundo, o que chamamos de realidade é uma simulação, no que concordo. Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros, paladares etc. não existem no mundo concreto (são imateriais), sendo portanto simulações percebidas pelos sentidos (pessoas veem cores em diferentes matizes, quando não divergentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado exclusivo dos nossos sentidos. Assim, a única coisa real seria a razão. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. “Penso, logo existo”.

Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos com que amos o mundo concreto, estando entrelaçados, não haveria diferença entre eles. Logo, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor. Eu acredito que é assim.

Uma vez provadas as inovações, não é possível retroagir. Podemos, isso sim, é refinar, em decorrência delas, o nosso comportamento.

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Vivendo em mundos paralelos

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Algo mudou na relação entre o jornalismo e os pelotenses. Até por volta de 2015, havia um marcado interesse nos assuntos da cidade. Um mero buraco, e nem precisava ser o negro, despertava vívida atenção. Agora já ninguém dá a mínima. Nem mesmo se o buraco for um rombo fruto de corrupção numa área de vida e morte, como a de saúde. O valor da notícia sofreu uma erosão nas percepções. Não é uma situação local, mas, arrisco dizer, do mundo.

Vem ocorrendo uma cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem. Um corte entre elas e a vida social. O espaço, que no ado era público, já hoje parece ser de ninguém.

A responsabilidade parcial disso parece, curiosamente, ser das novas tecnologias de comunicação. Se por um lado elas deram voz à sociedade como um todo, por outro, ao igualmente darem amplo o ao mundo virtual, elas nos têm distraído da concretude do mundo, de interação sempre mais hostil — distraído, enfim, da realidade mesma, propiciando que vivamos em mundos paralelos.

Outra razão é que, no essencial, nada muda em nossa realidade. Isso ficou mais evidente porque as redes sociais deram vazão, sem os filtros editoriais da imprensa, a um volume de problemas reais maior do que o que era noticiado. Se antes já havia demora nas soluções, essa percepção foi multiplicada pelo crescente número de denúncias feitas nas redes pelos próprios cidadãos. Os problemas que dizem respeito à coletividade se avolumam sem solução a contento, desconsolando e fatigando a vida.

Como a dinâmica da cidade (e da realidade) não responde como deveria, eis o ponto, estamos buscando reparações no ambiente virtual, sensitivamente mais recompensador, além de disponível na palma da mão.

No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades. Estamos habitando no mundo virtual, onde não há frustrações, mas sim gratificação instantânea. Andamos absortos demais em nossa vida. Abduzidos por temas de exclusivo interesse pessoal, retroalimentados minuto a minuto pelo algoritmo.

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Antes vivíamos num mundo de trocas diretas entre as pessoas. Hoje habitamos numa nuvem, no cyber-espaço. Andamos parecendo cada dia mais com Thomas Anderson, protagonista do filme Matrix. Conectado por cabos a um imenso sistema de computadores do futuro, ele vive literalmente em uma realidade paralela. Isso dá

Para complicar tudo, há pensadores para quem a realidade é uma simulação.

Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros etc. não existem no mundo concreto, mas são simulações percebidas pelo nosso corpo (pessoas veem as cores em diferentes tons, quando não em diferentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado dos nossos sentidos.

Assim, a única coisa real seria a razão, quer dizer, o modo como processamos aquelas percepções dos sentidos. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos que amos o concreto, não haveria diferença entre eles.

Segundo aqueles pensadores, como o mundo virtual está entrelaçado com o mundo concreto, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor.

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