Para o governador Eduardo Leite, as privatizações da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), da Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e da Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás) “se conectam num sentido de modernização da máquina pública gaúcha”. Ele rememorou que, no ado, o poder público precisou assumir o processo de investir na matriz energética do Estado.
No entanto, os tempos mudaram. “O Estado tem uma lógica muito engessada, burocratizada, que dificulta a modernização dessas empresas na agilidade dos tempos atuais”, avalia. Leite projeta que a modernização e a qualificação dos serviços prestados por essas empresas atrairão mais investimentos para os gaúchos.
Outro ponto destacado pelo governador na entrevista realizada no Palácio Piratini se refere ao quadro de recuperação fiscal do Estado. “Não é segredo que o Rio Grande Sul tem uma grande dificuldade nas contas públicas”, lembrou. “Isso precisa ser ajustado para voltarmos a pagar em dia os salários dos servidores e os compromissos com os nossos fornecedores.”
Leite garantiu que “as privatizações têm condições de gerar investimentos”. Também destacou que desestatizar uma empresa de distribuição de energia, como a CEEE, ou de distribuição de gás, como a Sulgás, não significa entregar ao privado para ele fazer o que quiser. “Os serviços se mantêm públicos, só que serão operados pela iniciativa privada”, resumiu, ressaltando que o investimento em infraestrutura gera empregos e ICMS para o Estado.
Ao resumir o processo em curso, o governador garantiu que as empresas não serão vendidas para aumentar gastos do presente: “O que queremos é poder resolver o ado”. As privatizações permitirão que o Rio Grande do Sul viabilize a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. “Assim, o Estado dará um curso seguro para a istração das suas contas, superando o quadro da dívida nos próximos anos.”
Governador, em entrevista realizada no Palácio Piratini, explica a importância das privatizações da CEEE, da CRM e da Sulgás – Foto: Secom
Confira a entrevista.
Por que privatizar a CEEE, a CRM e a Sulgás?
Eduardo Leite – Nós temos razões diferentes, mas que se conectam num sentido de modernização da máquina pública gaúcha. Em um determinado momento, foi importante o Estado tomar a iniciativa de liderar o processo de investimentos nessas áreas vinculadas à matriz energética. Porém, os tempos mudaram. O Estado tem uma lógica muito engessada, burocratizada, que dificulta a modernização dessas empresas na agilidade dos tempos atuais.
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Esses setores não podem ser lentos porque nós estamos falando de fornecimento de energia elétrica e de gás e também de uma empresa de mineração que não faz sentido estar nas mãos do Estado. Entendemos que esses setores, nas mãos da iniciativa privada, terão mais condições de agilidade e de modernização na prestação de serviços qualificados à população.
Isso vai atrair investimentos. Energia é fator determinante para uma empresa tomar a decisão de se instalar ou não no Estado. Não trazemos empresas e nem geramos empregos por decreto. Precisamos convencer o empresário a estar aqui. Além disso, tem um ponto importante que é o quadro de recuperação fiscal do Estado. Não é segredo que o Rio Grande Sul tem uma grande dificuldade nas contas públicas. Isso precisa ser ajustado para voltarmos a pagar em dia os salários dos servidores e os compromissos com os nossos fornecedores.
Esses atrasos geram custos maiores ao Estado. Portanto, as privatizações serão importantes para que o Estado possa aderir ao Regime de Recuperação Fiscal do governo federal. Com isso, teremos a condição de postergar o pagamento da dívida com a União por três anos, prorrogável por mais três, e ainda ar novos créditos para viabilizar investimentos no Rio Grande do Sul.
O caminho começa com a votação dos projetos na Assembleia Legislativa, que deve ser em breve. Depois dessa etapa, quanto tempo levará até a concretização das privatizações?
Leite – A Assembleia Legislativa tem sido muito parceira. Com responsabilidade, os nossos deputados estaduais têm travado uma boa discussão sobre o assunto. Eles foram importantes quando debatemos abrir mão da exigência de um plebiscito para a venda de estatais, algo que nós entendíamos não ser razoável. A população se manifestou nas urnas, e a Assembleia tem uma autoridade, uma legitimidade para tomar essa decisão. Uma vez que seja tomada uma decisão autorizando a venda dessas estatais, nós aremos à etapa de realização do valuation, como é conhecido o processo de atribuição de valor a uma empresa. O BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] está cooperando conosco a partir de um acordo estabelecido, em que haverá um levantamento dos ivos trabalhistas das empresas para poder estruturar a modelagem da venda. É um processo complexo que deve levar pelos menos um ano.
Existe uma estimativa de valor da CEEE, da CRM e da Sulgás?
Leite – Temos uma expectativa, mas não vamos antecipar essa atribuição de valor. Porque, se estabelecermos um valor muito baixo, isso pode acabar fazendo com que o Estado venda por menos do que vale. E, se estabelecer um valor muito alto, podemos afugentar interessados e perder o processo todo. O valor será atribuído dentro de um processo complexo, responsável, feito com o apoio técnico do BNDES.
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Qual será o destino do valor arrecadado com a possível venda das três estatais?
Leite – As privatizações têm condições de gerar investimentos. Quando você estabelece a privatização de uma empresa de distribuição de energia, como a CEEE, ou de distribuição de gás, como a Sulgás, não estamos entregando ao privado para ele fazer o que quiser. Os serviços se mantêm públicos, só que serão operados pela iniciativa privada. Então o poder público tem o poder de regulação, de estabelecer as metas de operação dos serviços, exigindo investimentos. Por exemplo, a construção de novas tubulações na distribuição de gás e de novas estações de energia.
Todo esse investimento em infraestrutura gera empregos. A CEEE vai voltar a pagar o ICMS com regularidade. Porque, infelizmente, a companhia não consegue pagar quase R$ 1 bilhão que deveriam entrar nos cofres públicos. O Estado tem um ivo, um ado que precisa ser resolvido, então é muito importante dizer que existe uma confusão entre custeio e quitar ivos.
Nós não venderemos empresas para cobrir gastos do presente, o simples custeio da máquina pública. Isso foi feito no ado, quando o Estado sacou dinheiro dos depósitos judiciais e aumentou despesas permanentes em diversas frentes. Nesses casos, o governo usou um recurso finito para sustentar despesas permanentes, e isso nós não faremos. O que queremos é poder resolver o ado. Seria uma irresponsabilidade abrirmos novas frentes de trabalho do Estado sem resolver um ado que ficou pendurado. Estamos buscando regularizar isso, por exemplo, fazendo rees aos hospitais e municípios.
Uma das principais dúvidas da população é quanto ao futuro dos trabalhadores. Existe alguma previsão de auxílio ou e aos funcionários das empresas?
Leite – Milhares de pessoas estão vinculadas às empresas e, naturalmente, qualquer mudança gera apreensão e expectativa. Por isso já tomamos algumas providências. Em primeiro lugar, é importante dizer que privatização não é extinção das empresas. Elas continuam existindo. O que muda é o dono, que a a ser da iniciativa privada. Não há dúvida que aumentará o número de empregos. Aumentará o volume de vagas em função dos investimentos que serão necessários para a modernização dos serviços.
Em segundo lugar, a maior parte dos funcionários naturalmente será aproveitada devido aos próprios méritos, ou seja, não precisam de leis defendendo estabilidade porque os próprios méritos farão com que sejam fundamentais. É evidente que um novo operador privado optará por colaboradores que conhecem os assuntos. E, nesse caos, quem mais conhece as empresas é justamente quem está lá há mais tempo.
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Em terceiro lugar, para que possamos reduzir essa apreensão, nós já estabelecemos negociações com sindicatos, para viabilizar estabilidade no emprego durante os seis primeiros meses dessas empresas sob o comando da iniciativa privada. Isso significa que, uma vez transferido o controle da empresa, ainda será assegurado mais seis meses para que os funcionários possam ter segurança. Antes disso, teremos pelo menos um ano ainda na estruturação das privatizações.
Qual é a expectativa para a apreciação dos projetos na Assembleia Legislativa?
Leite – Estou muito otimista. Os deputados têm exercido as suas atribuições com muita responsabilidade. Naturalmente fazem perguntas, querem saber mais detalhes dos projetos. Nós os ouvimos e estamos nos esforçando para apresentar a proposta da forma mais clara possível. Inclusive, lançamos uma cartilha na qual apresentamos as razões para as privatizações, esclarecendo algumas perguntas feitas por deputados.
Com as privatizações, vamos fazer o Rio Grande do Sul viabilizar a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. Assim, o Estado dará um curso seguro para a istração das suas contas, superando o quadro da dívida nos próximos anos. Além disso, nós vamos viabilizar investimentos com a parceria do setor privado. O Estado foi forjado com mão de obra privada. Por todo o lado, há empreendedorismo, pioneirismo e vocação para o trabalho. O povo gaúcho gosta de trabalhar e não de depender do Estado. Com garantia de energia e fornecimento de gás de qualidade, o Rio Grande do Sul só tem a ganhar.
Noutro dia escrevi um texto sobre a cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem, responsabilizando parcialmente as novas tecnologias de comunicação. Disse: “Se por um lado as tecnologias deram voz à sociedade, por outro, nos têm distraído da concretude do mundo, de interação mais hostil, levando-nos a viver em mundos paralelos”. E: “No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades, mas sim no mundo virtual, um refúgio, retroalimentado pelo algoritmo, onde não há frustrações, mas sim gratificações instantâneas”. Bem, esse é um lado da questão. E não é novo.
Desde Freud se sabe que, diante do trauma, a criança dissocia-se para á-lo, refugiando-se na neurose, uma estratégia de defesa contra o trauma. Pois, assim como a criança traumatizada, as pessoas, diante das escalabrosidades do mundo concreto, fazem igual: elas se refugiam no mundo virtual, guardando, do mundo concreto, uma distância.
O outro lado da questão, o reverso da moeda, é que, sem as novas tecnologias de comunicação, a voz traumatizada da sociedade permaneceria atravessada na garganta, sem chance de extravasar-se.
A possibilidade de expressão liberou uma carga de justos ressentimentos contra os limites da política, as injustiças, o teatro social. De súbito, tivemos uma ideia do tamanho da insatisfação com os sistemas de vida, ando publicamente a protestar, em alguns casos chegando à revolução, como ocorreu na Primavera Árabe, onde as redes sociais cumpriram um papel fundamental.
Pois não é por outra razão que os donos do antigo mundo estão incomodados e querem controlar a liberdade de expressão, especialmente a velha imprensa, os monopólios empresariais, os sistemas políticos totalitários. Enfim, todos aqueles para quem a internet e as redes sociais ameaçam seu poder, ao por de pernas pro ar as certezas convenientes sobre as quais se assentaram.
Fato. As inovações desarranjam os mercados e os modos de vida. Toda inovação faz isso. É o preço do progresso. Mas, assim como é impossível voltar ao tempo do telégrafo (imagine o desespero nas Bolsas de Valores), é impensável retroagir ao mundo exclusivo da prensa de Gutenberg. Porque as descobertas, afinal, permitem avançar nos arranjos produtivos: propiciam economia de tempo, dinheiro e, no caso da comunicação, ampliam a liberdade, seu bem mais precioso.
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Com todos os defeitos que a vida tem, é preferível mil vezes, ao controle da palavra, a liberdade de dizê-la. Quem pode afirmar (ou julgar) o que é verdadeiro e o que é falso, senão as pessoas mesmas, em última análise, de acordo com suas percepções e as pedras em seus sapatos? Pois hoje, depois de provarmos a liberdade trazida pelas novas tecnologias, mais do que nunca sabemos que a imprensa, em sua mediação da realidade, é falha, e como o é!
É interessante (e triste) ver como, após a criação da internet e das redes, grande parte da imprensa, ao perder o monopólio da verdade, se vêm tornando excessivamente opinativa e crítica das novas tecnologias. Deveria, sim, era aprimorar-se no trabalho para prestá-lo melhor. Acontece que, eis o ponto, como a velha imprensa não é livre de fato, como depende do financiador, muitas vezes de governos, ela vê nas novas tecnologias de ampla liberdade uma ameaça à velha cadeia de produção acostumada a filtrar o que valia ser dito, e o que não valia, em seu óbvio interesse, hoje nu, como o rei da história.
Além disso, há essa coisa interessante: a percepção. Para alguns pensadores do novo mundo, o que chamamos de realidade é uma simulação, no que concordo. Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros, paladares etc. não existem no mundo concreto (são imateriais), sendo portanto simulações percebidas pelos sentidos (pessoas veem cores em diferentes matizes, quando não divergentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado exclusivo dos nossos sentidos. Assim, a única coisa real seria a razão. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. “Penso, logo existo”.
Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos com que amos o mundo concreto, estando entrelaçados, não haveria diferença entre eles. Logo, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor. Eu acredito que é assim.
Uma vez provadas as inovações, não é possível retroagir. Podemos, isso sim, é refinar, em decorrência delas, o nosso comportamento.
Algo mudou na relação entre o jornalismo e os pelotenses. Até por volta de 2015, havia um marcado interesse nos assuntos da cidade. Um mero buraco, e nem precisava ser o negro, despertava vívida atenção. Agora já ninguém dá a mínima. Nem mesmo se o buraco for um rombo fruto de corrupção numa área de vida e morte, como a de saúde. O valor da notícia sofreu uma erosão nas percepções.
Não é uma situação local, mas, arrisco dizer, do mundo. Nós apenas sentimos seus efeitos de forma drástica, por razões de ordem econômica e social. E também dimensionais.
Como a cidade não é grande, os problemas são ainda mais visíveis. Topamos com eles no cotidiano. Acontece que os buracos reais e metafóricos, ainda que denunciados, inclusive pelo cidadão que vai às redes sociais reclamar, avolumam-se sem solução que satisfaça, levando a outro problema, este de ordem comportamental.
Vem ocorrendo uma cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem. Um corte entre elas e a vida social. O espaço, que no ado era público, já hoje parece ser de ninguém.
A responsabilidade parcial disso parece, curiosamente, ser das novas tecnologias de comunicação. Se por um lado elas deram voz à sociedade como um todo, por outro, ao igualmente darem amplo o ao mundo virtual, elas nos têm distraído da concretude do mundo, de interação sempre mais hostil — distraído, enfim, da realidade mesma, propiciando que vivamos em mundos paralelos.
Outra razão é que, no essencial, nada muda em nossa realidade. Isso ficou mais evidente porque as redes sociais deram vazão, sem os filtros editoriais da imprensa, a um volume de problemas reais maior do que o que era noticiado. Se antes já havia demora nas soluções, essa percepção foi multiplicada pelo crescente número de denúncias feitas nas redes pelos próprios cidadãos. Os problemas que dizem respeito à coletividade se avolumam sem solução a contento, desconsolando e fatigando a vida.
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Como a dinâmica da cidade (e da realidade) não responde como deveria, eis o ponto, estamos buscando reparações no ambiente virtual, sensitivamente mais recompensador, além de disponível na palma da mão.
No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades. Estamos habitando no mundo virtual, onde não há frustrações, mas sim gratificação instantânea. Andamos absortos demais em nossa vida. Abduzidos por temas de exclusivo interesse pessoal, retroalimentados minuto a minuto pelo algoritmo.
Antes vivíamos num mundo de trocas diretas entre as pessoas. Hoje habitamos numa nuvem, no cyber-espaço. Andamos parecendo cada dia mais com Thomas Anderson, protagonista do filme Matrix. Conectado por cabos a um imenso sistema de computadores do futuro, ele vive literalmente em uma realidade paralela. Isso dá
Para complicar tudo, há pensadores para quem a realidade é uma simulação.
Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros etc. não existem no mundo concreto, mas são simulações percebidas pelo nosso corpo (pessoas veem as cores em diferentes tons, quando não em diferentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado dos nossos sentidos.
Assim, a única coisa real seria a razão, quer dizer, o modo como processamos aquelas percepções dos sentidos. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos que amos o concreto, não haveria diferença entre eles.
Segundo aqueles pensadores, como o mundo virtual está entrelaçado com o mundo concreto, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor.