Connect with us

Opinião 4d6u6w

Sobre o Aldyr Schlee 1ph1v

Publicado

on

Quando o amigo Marcos Macedo me avisou da morte do Aldyr Garcia Schlee, na noite desta quinta-feira (15), aos 83 anos, fiquei triste e um pouco espantado, pois, para mim, nada nele lembrava morte. Suas expansões eram plenas de libido, energia vital.

Não o conhecia na intimidade, mas tinha muita simpatia por ele. De cara, gostava da sua cabeleira, que me parecia sinal de uma personalidade juvenil.

O nome “Schlee” sempre me chegou como uma referência intelectual, de um homem sensível, em conexão com a cultura de sua terra, uma âncora ao vento.

Ele me parecia uma pessoa feliz, o que não é pouca coisa. Como se cultivasse um canteiro pessoal ricamente plantado, a projetar no ambiente flores de vivazes matizes.

Havia uma elegância nele que vinha de dentro e tinha a ver, creio, com a sobriedade bem humorada com que embalava suas impressões da vida. Como se ele fosse capaz de identificar beleza em todos os gestos humanos, contentando-se em lamentar os maus com civilizada indignação, sem nunca cortar os laços.

Em duas ocasiões, eu o vi emocionar-se.

Publicidade

Numa palestra no Instituto Simões Lopes Neto, relembrando maus bocados que, sendo homem de pensamento democrático, ou na ditadura, engasgou por um segundo.

Na segunda vez, há uns dois anos, numa cerimônia, sentado junto à estátua de Lopes Neto num banco da Praça Cel. Pedro Osório, as lágrimas lhe correram em público diante de uma pequena plateia ao ar livre, um desnudamento que a mim soou como um sinal de despedida.

Tinha a mão pousada no ombro de bronze de Neto.

Uma vez fomos juntos de carro falar aos estudantes da UFPel. Calmamente ele falou com sua categoria de professor. Eu, que sempre fico nervoso ao falar em público, disse umas bobagens heroicas sobre jornalismo.

Quando terminei de falar, imediatamente comecei a me recriminar pelo que acabara de dizer, porque senti que fui sincero demais, dizendo coisas que não se diz em público.

Depois que falei, Schlee tomou a palavra para elogiar meu depoimento. Minha sensação, porém, foi de que captou meu desconforto e, camarada, procurou aplicar um Selo de Qualidade Schlee sobre a nudez das minhas palavras.

Pra mim, ele era um gentleman, no sentido sábio da coisa – de uma pessoa que sabe desfrutar a vida sem perder o frescor e o otimismo com o ser humano.

Publicidade

Por causa do cabelo dele, algo comprido, algo rebelde, típico dos maestros de orquestra, eu achava que, no fundo, habitava nele um guri esperto, do bem.

Jornalista e escritor. Editor do Amigos de Pelotas. Ex Senado, MEC e Correio Braziliense. Foi editor-executivo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Atuou como consultor da Unesco e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Uma vez ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo, é autor dos livros Onde tudo isso vai parar e O fator animal, publicados pela Editora Lumina, de Porto Alegre. Em São Paulo, foi editor free-lancer na Editora Abril.

Publicidade
2 Comments

2 Comments 1p2p20

  1. Luiz Fernando lopes Moreira

    21/11/18 at 12:51

    Rubens, belíssima homenagem a quem realmente merece.

  2. Geraldo Hasse

    17/11/18 at 00:48

    Beleza de crônica, Rubens, mas precisaremos de muito mais tempo para exprimir o tanto que Schlee significou para nós jornalistas e eternos estudantes e sempre torcedores de bons times. Ele se foi em alta, melhorando sempre. Que exemplo celestial de garra! Que apego colorado à vida. Quantas lições de dialética na compreensão da dualidade das coisas expressa na fronteira do Brasil-Uruguai.

Deixe uma resposta para Luiz Fernando lopes MoreiraCancelar resposta n3z4

Brasil e mundo 3m3y11

A liberdade sagrada das redes 3f2n1p

Publicado

on

Noutro dia escrevi um texto sobre a cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem, responsabilizando parcialmente as novas tecnologias de comunicação. Disse: “Se por um lado as tecnologias deram voz à sociedade, por outro, nos têm distraído da concretude do mundo, de interação mais hostil, levando-nos a viver em mundos paralelos”. E: “No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades, mas sim no mundo virtual, um refúgio, retroalimentado pelo algoritmo, onde não há frustrações, mas sim gratificações instantâneas”. Bem, esse é um lado da questão. E não é novo.

Desde Freud se sabe que, diante do trauma, a criança dissocia-se para á-lo, refugiando-se na neurose, uma estratégia de defesa. Pois, assim como a criança abalada pelo trauma, as pessoas, diante das escalabrosidades do mundo concreto, fazem igual: elas podem se retirar para o mundo virtual, guardando, daquele, uma distância.

O outro lado da questão, o reverso da moeda, é que, sem as novas tecnologias de comunicação, a voz traumatizada da sociedade permaneceria atravessada na garganta, sem chance de extravasar-se.

A possibilidade de expressão liberou uma carga de justos ressentimentos contra os limites da política, as injustiças, o teatro social. De súbito, tivemos uma ideia do tamanho da insatisfação com os sistemas de vida, ando publicamente a protestar, em alguns casos chegando à revolução, como ocorreu na Primavera Árabe, onde as redes sociais cumpriram um papel fundamental.

Pois não é por outra razão que os donos do antigo mundo estão incomodados e querem controlar a liberdade de expressão, especialmente a velha imprensa, os monopólios empresariais, os sistemas políticos totalitários. Enfim, todos aqueles para quem a internet e as redes sociais ameaçam seu poder, ao por de pernas pro ar as certezas convenientes sobre as quais se assentaram.

Fato. As inovações desarranjam os mercados e os modos de vida. Toda inovação faz isso. É o preço do progresso. Mas, assim como é impossível voltar ao tempo do telégrafo (imagine o desespero nas Bolsas de Valores), é impensável retroagir ao mundo exclusivo da prensa de Gutenberg. Porque as descobertas, afinal, permitem avançar nos arranjos produtivos: propiciam economia de tempo, dinheiro e, no caso da comunicação, ampliam a liberdade, seu bem mais precioso. Pode-se dizer que não estávamos preparados para tanta liberdade súbita, e que venhamos, neste momento, usando-a “mal”. Contudo, parece razoável dizer que, à medida que o tempo e, estaremos mais e mais preparados para lidar com a liberdade e seus efeitos.

Publicidade

Com todos os defeitos que a vida tem, é preferível mil vezes, ao controle da palavra, a liberdade de dizê-la. Quem pode afirmar (ou julgar) o que é verdadeiro e o que é falso, senão as pessoas mesmas, em última análise, de acordo com suas percepções e as pedras em seus sapatos? Pois hoje, depois de provarmos a liberdade trazida pelas novas tecnologias, mais do que nunca sabemos que a imprensa, em sua mediação da realidade, é falha, e como o é!

É interessante (e triste) ver como, após a criação da internet e das redes, grande parte da imprensa, ao perder o monopólio da verdade, se vêm tornando excessivamente opinativa e crítica das novas tecnologias. Deveria, sim, era aprimorar-se no trabalho para prestá-lo melhor. Acontece que — eis o ponto — como a velha imprensa não é livre de fato, como depende do financiador, muitas vezes de governos, ela vê nas novas tecnologias de ampla liberdade uma ameaça à velha cadeia de produção acostumada a filtrar o que valia ser dito, e o que não valia, em seu óbvio interesse, hoje nu, como o rei da história.

Além de tudo, há essa coisa interessante: a percepção. Para alguns pensadores do novo mundo, o que chamamos de realidade é uma simulação, no que concordo. Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros, paladares etc. não existem no mundo concreto (são imateriais), sendo portanto simulações percebidas pelos sentidos (pessoas veem cores em diferentes matizes, quando não divergentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado exclusivo dos nossos sentidos. Assim, a única coisa real seria a razão. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. “Penso, logo existo”.

Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos com que amos o mundo concreto, estando entrelaçados, não haveria diferença entre eles. Logo, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor. Eu acredito que é assim.

Uma vez provadas as inovações, não é possível retroagir. Podemos, isso sim, é refinar, em decorrência delas, o nosso comportamento.

Publicidade
Continue Reading

Brasil e mundo 3m3y11

Vivendo em mundos paralelos 5z181m

Publicado

on

Algo mudou na relação entre o jornalismo e os pelotenses. Até por volta de 2015, havia um marcado interesse nos assuntos da cidade. Um mero buraco, e nem precisava ser o negro, despertava vívida atenção. Agora já ninguém dá a mínima. Nem mesmo se o buraco for um rombo fruto de corrupção numa área de vida e morte, como a de saúde. O valor da notícia sofreu uma erosão nas percepções. Não é uma situação local, mas, arrisco dizer, do mundo.

Vem ocorrendo uma cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem. Um corte entre elas e a vida social. O espaço, que no ado era público, já hoje parece ser de ninguém.

A responsabilidade parcial disso parece, curiosamente, ser das novas tecnologias de comunicação. Se por um lado elas deram voz à sociedade como um todo, por outro, ao igualmente darem amplo o ao mundo virtual, elas nos têm distraído da concretude do mundo, de interação sempre mais hostil — distraído, enfim, da realidade mesma, propiciando que vivamos em mundos paralelos.

Outra razão é que, no essencial, nada muda em nossa realidade. Isso ficou mais evidente porque as redes sociais deram vazão, sem os filtros editoriais da imprensa, a um volume de problemas reais maior do que o que era noticiado. Se antes já havia demora nas soluções, essa percepção foi multiplicada pelo crescente número de denúncias feitas nas redes pelos próprios cidadãos. Os problemas que dizem respeito à coletividade se avolumam sem solução a contento, desconsolando e fatigando a vida.

Como a dinâmica da cidade (e da realidade) não responde como deveria, eis o ponto, estamos buscando reparações no ambiente virtual, sensitivamente mais recompensador, além de disponível na palma da mão.

No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades. Estamos habitando no mundo virtual, onde não há frustrações, mas sim gratificação instantânea. Andamos absortos demais em nossa vida. Abduzidos por temas de exclusivo interesse pessoal, retroalimentados minuto a minuto pelo algoritmo.

Publicidade

Antes vivíamos num mundo de trocas diretas entre as pessoas. Hoje habitamos numa nuvem, no cyber-espaço. Andamos parecendo cada dia mais com Thomas Anderson, protagonista do filme Matrix. Conectado por cabos a um imenso sistema de computadores do futuro, ele vive literalmente em uma realidade paralela. Isso dá

Para complicar tudo, há pensadores para quem a realidade é uma simulação.

Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros etc. não existem no mundo concreto, mas são simulações percebidas pelo nosso corpo (pessoas veem as cores em diferentes tons, quando não em diferentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado dos nossos sentidos.

Assim, a única coisa real seria a razão, quer dizer, o modo como processamos aquelas percepções dos sentidos. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos que amos o concreto, não haveria diferença entre eles.

Segundo aqueles pensadores, como o mundo virtual está entrelaçado com o mundo concreto, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor.

Publicidade
Continue Reading

Em alta 43506z

Copyright © 2008 Amigos de Pelotas.

Descubra mais sobre Amigos de Pelotas 164y3d

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter o ao arquivo completo.

Continue reading