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Cultura e entretenimento

Dafiti, nunca mais

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Um dos mais graves efeitos colaterais da pandemia foi nos obrigar, mesmo os mais renitentes, a fazer compras pela internet. Lembram aquela época em que a gente encomendava, de um fornecedor de confiança que vinha de Miami ou do Paraguai, um videocassete de 3 cabeças, e chegava uma caixa com um tijolo? Aquilo traumatizou uma geração e olha nós aqui, de novo, lutando contra esses fantasmas do ado.

Escapei do golpe do tijolo Panasonic de 3 cabeças made in Ciudad del Este, mas caí no golpe da Dafiti. Dafiti, pra quem tem bloqueador de anúncios, é uma empresa que vende tudo que as lojas dos shoppings, fechadas, vendiam. Só que com duas diferenças, uma boa e uma ruim. A boa é que é mais barato. A ruim é que você compra e eles não entregam.

Foi assim: Para não repetir a saga daquele japonês que ficou 40 anos escondido numa ilha esperando a II Guerra acabar, resolvi que oito meses de penitência e castidade estavam de bom tamanho e era hora de retornar ao mundo dos vivos.

Chamei de volta a adeira, que fez um lifting nas dezenas de camisas amarfanhadas e amontoadas no armário (o ferro elétrico nem acreditou quando foi resgatado do exílio forçado na caixa de ferramentas). Joguei fora as meias furadas e as comfort cuecas – aquelas lasseadas, desbeiçadas, frouxas nas coxas e com ondinhas no elástico do cós, tão boas de se usar em casa ou para dormir. O resultado é que a gaveta de meias ficou pela metade (e nem sempre com pares emparelhados) e a das cuecas ficou parecendo Curitiba no carnaval: um desalento.

Foi quando me dei conta de que não tinha mais nenhuma cueca em situação de segundas intenções. Ou seja, não tinha uma cueca sequer para usar em situações em que não precisasse usar cueca. Cuecas e langerris podem vir em várias cores, modelos e tamanhos, mas se dividem basicamente em “de usar” e “de tirar”. As de usar podem ser bege, laranja, confortáveis, um ou dois números acima, novas, velhas, não tem problema. Já as de tirar requerem todo um protocolo.

Elas podem definir o sucesso de um novo empreendimento amoroso, ou condená-lo ao fracasso total e irreversível. Uma calcinha com jeitão de coador de café (daqueles de pano) ou uma cueca que praticamente exija suspensórios são antídotos naturais aos feromônios, à testosterona, às palpitações e à libido. Como voltar à pista com zorbas do tempo dos improvisos da Dilma? Aí entra a Dafiti, com sua enxurrada de anúncios (só perde para o Wish e para aquela erva que seca barriga e chocou Cascavel). Sem querer me arriscar no shopping, a Dafiti oferecia uma infinidade de opções de cuecas de boas marcas, em pacotes que dariam para segurar a onda até a próxima pandemia ou a décima oitava intenção, o que viesse primeiro.

Resisti o quanto pude, mas era isso ou continuar nesta vida de Capitão Caverna. Capitulei diante de uma dúzia de boxers pretas que saíam pelo preço de três ou quatro no Barrashopping (ou da primeira parcela de uma, no Village Mall). E comecei a treinar o olhar 43 (o riso com a boca meio torta continua de estandibai por causa da máscara). E cadê que as cuecas chegam? Fui ver o andamento no saite. Continuam onde sempre estiveram, na loja. Liguei para a Dafiti. Ninguém atende. Mandei mensagem: as respostas são automáticas e não levam a lugar nenhum. Por fim, consegui falar com um ser humano. Um moço até educado que me afirmou que as cuecas serão entregues em 25 de setembro. Expliquei a ele que, a menos que vivêssemos no mundo de Dark, isso era bastante impossível, porque já estávamos em 7 de outubro. O moço não se fez de rogado. O prazo era esse mesmo: as cuecas seriam entregues 12 dias atrás, era só eu esperar. Ou pedir o valor de volta (adivinha se a compra já não tinha entrado na fatura do cartão e sido paga?). Não. Dinheiro até ajuda nas segundas intenções, mas nada substitui uma cueca decente.

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Fiz uma reclamação – que a Dafiti tem 7 dias para responder! – e só depois do feriado é que vou saber se fica mantido o prazo de 25 de setembro ou se haverá prorrogação e pênaltis. Na próxima pandemia, em vez de água mineral, álcool em gel e papel higiênico, estocarei cuecas. E instalarei um bloqueador de anúncios para não ser tentado a, num momento de fraqueza, adquirir um macacão erótico de borracha preta, da Wish. Ou – pior – cuecas mal intencionadas da Dafiti.

Enquanto 25 de setembro ado não chega, o jeito vai ser – se rolar alguma coisa – apelar para o bom o velho “ih, a lâmpada queimou” ou, se não der tempo de desatarraxar a lâmpada, para um “topa uma fantasia erótica envolvendo roupa íntima com elástico frouxo?”

Eduardo Affonso é colunista de O Globo e, a pedido nosso, autorizou o compartilhamento, aqui, de seus posts no facebook.

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Brasil e mundo

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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Cultura e entretenimento

O perigo das Gagas da vida

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Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

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A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

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