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Cultura e entretenimento 1f3218

O perigo das Gagas da vida 1n4w28

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Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

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A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

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Jornalista e escritor. Editor do Amigos de Pelotas. Ex Senado, MEC e Correio Braziliense. Foi editor-executivo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Atuou como consultor da Unesco e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Uma vez ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo, é autor dos livros Onde tudo isso vai parar e O fator animal, publicados pela Editora Lumina, de Porto Alegre. Em São Paulo, foi editor free-lancer na Editora Abril.

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Brasil e mundo 3m3y11

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio b4o68

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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Brasil e mundo 3m3y11

Aparece, Gagaaa 5f2i6k

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Lady Gaga vem provocando delírios. Um fã travestido de mulher, decaído na calçada, implorava aos berros para uma janela vazia do Copacabana Palace: “Aparece, Gagaaa”. Esgarçando-se na reiteração, seu movimento corporal era o de quem expelia golfos.

Projetava-se para a frente ao gritar, recuava para adquirir fôlego e projetava-se de novo. Há algo de mitológico em ver um ídolo surgir à janela para a multidão, verificável em outras aparições.

Caudilhos como Perón, políticos como Bolsonaro, imperadores como César, ditadores como Hitler, artistas como Chaplin provocavam aquela comoção, tal qual, a seu tempo, gente como Kennedy, Madonna, Gandhi, Freddie Mercury e, agora, Gaga. O Papa, quando surge à janela, detona uma ovação que cresce, explode e ecoa por Roma. A multidão adora testemunhar a aparição do encastelado.

Vivemos à espera de um representante em quem ver um reflexo elevado da nossa identidade, um neutralizador dos sofrimentos, uma projeção de quem gostaríamos de ser, se não fossemos o que somos. Com frequência é um político ou um artista, que vivem da representação. Mas é comum buscar consolos ainda em religiosos e em outros herois, inclusive no âmbito esportivo.

Quando olhamos para o ado, verificamos que a descoberta da eletricidade era. Tudo na natureza a contém, dos relâmpagos à fotossintese, das cadeas elimentares às células do corpo humano. Como nosso corpo está repleto de cargas, as devoções, como os fios de cobre, eletrizam a vida, fornecendo-nos referências que nos orientam emocionalmente e dão sabor à experiência humana. Como se sabe, há inclusive quem ganhe dinheiro com a devoção.

Não à toa, outros ídolos, os Beatles, “festejaram” a separação do grupo tocando e cantando num terraço de Londres. Lá no alto, distantes, num lugar de deuses, como no Olimpo, fazendo supor um caso pensado para amplificar a mitologia. Aliás uma cena de um documentário, Foi o olhar satisfeito de Brien Epstein, produtor dos Beatles. Ao ver e sentir a vibração da multidão num estádio em que os ingleses cantavam, ele sorri de si para si. Tem o olhar de quem “está de fora”, porém, o olhar de quem dirige o show. Certamente em algum momento Epstein teve nas mãos MacBeth, onde se lê: “A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e de fúria, significando nada”.

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Não que os Beatles fossem idiotas, muito menos Epstein, embora Lennon tivesse uns ares aluados, além de ter declarado em tom provocador que “somos mais populares do que Jesus Cristo”. Ao sorrir com um toque de sarcasmo, Epstein apenas não pode segurar a iração com a quantidade de público disposto a pagar ingresso para assistir a um show tão barulhento pelo volume de gente que não se podia ouvir a banda. Houve vezes em que, playback, os rapazes só movimentavam a boca, fingindo cantar.

Em uma biografia, Chaplin reflete sobre o delírio que causava.

“Meu Deus, Tommy, que tipo de mundo horrendo é este que faz as pessoas viverem vidas tão miseráveis que, se alguém as faz rir, elas querem se ajoelhar e tocar seu casaco, como se ele fosse Jesus Cristo trazendo-os de volta do mundo dos mortos? Dizem uma coisa da vida: que há um belo mundo para se viver. Mas, quando essas multidões se reúnem à minha volta, mesmo sendo para mim como é, fico mal espiritualmente, pois sei o que está por trás disso. Tanta sordidez, tanta feiura, tamanha miséria, que, simplesmente, porque alguém os ‘fez rir e esquecer’, eles pedem que Deus os abençoe.”

Assim falou e revelou-se o bufão triste, que na vida real, conheceu a miséria antes de ser apresentado à riqueza, e, contrariando conselhos para não misturar humor com dor, fez questão de incluir em sua arte uma cota de lágrimas. No fim, o público já não sabia mais se ria ou se chorava.

É o que sinto ao ver o rapaz berrando por Gaga.

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