Ícone do site Amigos de Pelotas

Aparece, Gagaaa 5f2i6k

2m452i

Lady Gaga vem provocando delírios. Um fã travestido de mulher, decaído na calçada, implorava aos berros para uma janela vazia do Copacabana Palace: “Aparece, Gagaaa”. Esgarçando-se na reiteração, seu movimento corporal era o de quem expelia golfos.

Projetava-se para a frente ao gritar, recuava para adquirir fôlego e projetava-se de novo. Há algo de mitológico em ver um ídolo surgir à janela para a multidão, verificável em outras aparições.

Caudilhos como Perón, políticos como Bolsonaro, imperadores como César, ditadores como Hitler, artistas como Chaplin provocavam aquela comoção, tal qual, a seu tempo, gente como Kennedy, Madonna, Gandhi, Freddie Mercury e, agora, Gaga. O Papa, quando surge à janela, detona uma ovação que cresce, explode e ecoa por Roma. A multidão adora testemunhar a aparição do encastelado.

Vivemos à espera de um representante em quem ver um reflexo elevado da nossa identidade, um neutralizador dos sofrimentos, uma projeção de quem gostaríamos de ser, se não fossemos o que somos. Com frequência é um político ou um artista, que vivem da representação. Mas é comum buscar consolos ainda em religiosos e em outros herois, inclusive no âmbito esportivo.

Quando olhamos para o ado, verificamos que a descoberta da eletricidade era. Tudo na natureza a contém, dos relâmpagos à fotossintese, das cadeas elimentares às células do corpo humano. Como nosso corpo está repleto de cargas, as devoções, como os fios de cobre, eletrizam a vida, fornecendo-nos referências que nos orientam emocionalmente e dão sabor à experiência humana. Como se sabe, há inclusive quem ganhe dinheiro com a devoção.

Não à toa, outros ídolos, os Beatles, “festejaram” a separação do grupo tocando e cantando num terraço de Londres. Lá no alto, distantes, num lugar de deuses, como no Olimpo, fazendo supor um caso pensado para amplificar a mitologia. Aliás uma cena de um documentário, Foi o olhar satisfeito de Brien Epstein, produtor dos Beatles. Ao ver e sentir a vibração da multidão num estádio em que os ingleses cantavam, ele sorri de si para si. Tem o olhar de quem “está de fora”, porém, o olhar de quem dirige o show. Certamente em algum momento Epstein teve nas mãos MacBeth, onde se lê: “A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e de fúria, significando nada”.

Publicidade

Não que os Beatles fossem idiotas, muito menos Epstein, embora Lennon tivesse uns ares aluados, além de ter declarado em tom provocador que “somos mais populares do que Jesus Cristo”. Ao sorrir com um toque de sarcasmo, Epstein apenas não pode segurar a iração com a quantidade de público disposto a pagar ingresso para assistir a um show tão barulhento pelo volume de gente que não se podia ouvir a banda. Houve vezes em que, playback, os rapazes só movimentavam a boca, fingindo cantar.

Em uma biografia, Chaplin reflete sobre o delírio que causava.

“Meu Deus, Tommy, que tipo de mundo horrendo é este que faz as pessoas viverem vidas tão miseráveis que, se alguém as faz rir, elas querem se ajoelhar e tocar seu casaco, como se ele fosse Jesus Cristo trazendo-os de volta do mundo dos mortos? Dizem uma coisa da vida: que há um belo mundo para se viver. Mas, quando essas multidões se reúnem à minha volta, mesmo sendo para mim como é, fico mal espiritualmente, pois sei o que está por trás disso. Tanta sordidez, tanta feiura, tamanha miséria, que, simplesmente, porque alguém os ‘fez rir e esquecer’, eles pedem que Deus os abençoe.”

Assim falou e revelou-se o bufão triste, que na vida real, conheceu a miséria antes de ser apresentado à riqueza, e, contrariando conselhos para não misturar humor com dor, fez questão de incluir em sua arte uma cota de lágrimas. No fim, o público já não sabia mais se ria ou se chorava.

É o que sinto ao ver o rapaz berrando por Gaga.

Fã da Lady Gaga grita e pede para que a cantora desça do hotel e atenda quem espera por ela.

Sair da versão mobile