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O melhor amigo do homem. Mais do que isso, na verdade 3s3g4n

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É verdade quando dizem que o cachorro é o melhor amigo do homem. No entanto, é mais do que isso. Onde o homem vacila, o cão não titubeia. Faz qualquer coisa por seus donos. E o faz, impressionante, mesmo que o beneficiado não o trate bem. Tivesse religião, seria o cão com dono o maior dos cristãos?

Já nós, humanos, tidos como o Centro da Criação, somos desconfiados dos próprios semelhantes, até de amigos que nunca nos fizeram mal. Basta que um deles nos peça, por exemplo, dinheiro emprestado. No mesmo instante entramos em um estado de exceção. Sobrevém uma vacuidade. Um avião que, por correntes de vento e alterações de pressão, despenca no vazio 500 metros de uma vez. Vemos no outro a ânsia pelo nosso sim, e nosso sexto sentido antecipa um fim.

Do Além, Tacitus sussurra: “Mais vale pagar um prejuízo do que um benefício. Porque a gratidão é um peso, e a vingança, um prazer”. O romano falou isso lá pelo ano 100 DC. Para ele, a gratidão era (é) um sentimento ambíguo, como Freud o confirmaria 1.800 anos depois.

A literatura sobre Freud confirma. O Pai da Psicanálise sentia pessoalmente como um fardo o fato de seu mentor, médico Joseph Breuer, ter-lhe emprestado dinheiro nos primeiros anos de sua vida profissional. O fardo cresceu de tamanho depois que Breuer se negou a aceitar que Freud o restituísse. Acabaram por se afastar um do outro.

Há muitos anos um amigo mais velho recomendou: “Cuidado com as pessoas. Elas sempre decepcionam”. Não segui o conselho, ao menos em parte. Pois, como nos acidentes, quando dei por mim, já havia acontecido. Tinha contraído amigos próximos de primeira linha. Contudo, mesmo nas melhores relações, há de fato uma linha invisível que não se deve transpor, sem que se pague um preço moral. Mesmo na intimidade, a desconfiança e o receio permanecem.

Meu pai sempre gostou muito da história de um cachorro chamado Veludo. Uma história de livro que o comovia. O livro, de capa mostarda, tinha o título de Crestomatia, o mesmo que coletânea ou antologia.

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O dono de Veludo decide se livrar dele. Abandona-o em pontos diversos da cidade. Mas ele sempre volta para casa, de olhos baixos. Um dia o homem entra num barco com o cão. À certa altura, segura-o para atirá-lo no rio, no gesto desequilibra-se, cai junto na água e se aflige: não sabe nadar. Veludo o segura pelas roupas com os dentes e o puxa até a margem. O homem é salvo. Já Veludo, exausto pelo esforço, morre. E o homem, vendo-o, primeiro arfante, depois inerte, chora.

A maioria de nós tem uma cota de amigos que de fato não supera em número os dedos de uma das mãos. Mesmo quem perdeu um dedo, se for sensato, ainda caberá na estatística. Requer-se desses amigos que sejam assim: raros. Contudo, nenhum seria capaz de repetir Veludo.

Ao menos não sem sentir que está caindo no vazio.

Talvez uma mãe, um pai sejam capazes, e só.

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