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Cultura e entretenimento 1f3218

Adolescência é competente, mas desonesta intelectualmente 594qi

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Aos poucos o impacto da minissérie inglesa Adolescência se vai esvaindo. No mundo moderno, produtos culturais são assim: depois de “causar”, logo seu impacto arrefece, substituído por outro produto. Digo assim, mas pode ser que me engane por um tempo extra, já que até intelectuais têm escrito coisas (absurdas) sobre a série, tratando a mentira que a história conta como se fosse realidade. Como se fosse um fenômeno do nosso tempo. Não é.

Vamos dizer a verdade. Os produtores foram desonestos, a começar da classificação da obra. Não é um Drama, como a venderam, mas sim Terror psicológico. Aí sim a história faz sentido. Foram desonestos também na escolha do título. Adolescência dá a entender que todos os adolescentes são íveis de virarem assassinos. Foram desonestos na abordagem, tocando deliberadamente o terror.

O diretor fez foi “apertar todos os gatilhos” que as famílias médias, ao menos europeias, têm pra mobilizar o alarme: o garoto é branco, é de classe média, a família é convencional, mora numa boa casa etc.

Resumindo: um garoto de 13 anos é preso acusado de matar uma colega de escola, supostamente por influência de uma “cultura de misoginia juvenil”. De onde vem essa misoginia? Na série, ela decorre de uma comunidade virtual intitulada Incel, formada por adolescentes que não conseguem encontrar parceiras românticas ou sexuais. O garoto tem uma autoimagem negativa. Mesmo não sendo feio, acha-se feio, e está sob influência daquela cultura e comunidade de excluídos das possibilidades românticas.

Uma boa obra de ficção mente para expressar uma verdade. Adolescência, porém, mente para expressar uma mentira. Pior: tenta fazer ar a mentira como verdade.

Considerando-a como Terror psicológico, os realizadores foram competentes. A minissérie é hipnótica. Cada um dos quatro capítulos é um plano-sequência. Após começar a gravar, o diretor só vai gritar “corta” uma hora depois. Tudo funciona com impressionante precisão suíça. Apesar das deslealdades da produção, o espectador se sente magnetizado.

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As primeiras impressões na imprensa foram de que a história é “um alerta sobre a nocividade das redes sociais, que difundem teses em caóticas que adolescentes acreditariam, desencaminhando-os”. Pais ficaram em polvorosa diante da sugestão de que seus filhos, através delas, podem igualmente perderem-se no crime, acabar de alguma forma com a própria vida. O terror psicológico atingiu seu objetivo.

Ora, na vida real, um adolescente rejeitado e que se sente inferiorizado tem um estoque de libido e a investe em algo. Não fica solta como a do garoto da série. Se não encontra objeto concreto (no caso, uma namorada), investe numa paixão platônica. Além disso, encontra outros canais para drenar suas frustrações, dedicando-se ao esporte, à leitura, aos estudos, às viagens, aos amigos etc. Por mais inábil que seja sexualmente, o adolescente sempre fantasia que vai encontrar alguém. Mais: todo adolescente se fecha no quarto, se afasta dos pais, começa a guardar segredos. Faz parte do crescimento.

Por mais que demonizemos as redes sociais, elas não mudam a índole. Apenas dão vazão ao que existe. Ninguém se torna assassino por culpa das redes ou de agressões psicológicas, mas sim por um conjunto de fatores que até a ciência forense tem dificuldade de explicar.

O garoto da série tem família estruturada. O pai trabalha, a mãe é zelosa. Estuda, tem confortos no lar, um quarto acolhedor, decorado. Não é um favelado. Não vive em meio à violência extrema que se vê nos subúrbios do Brasil, contra a qual se pode de repente, por autodefesa, “explodir”.

Os produtores da série exageraram na dose, aparentemente com o objetivo de “causar”. Para convencer do assassinato na história, este teria de ser motivado por uma razão que até poderia ter algo a ver com redes sociais, misoginia ou qualquer dos demais motivos sugeridos, mas nunca chega a se explicar por eles.

A série começa a tocar o terror desde a primeira cena, com uma ação irreal. Policiais vestindo balaclavas e armas pesadas arrombam a casa da família do garoto como se fossem prender um terrorista. Não convence. A prisão poderia se dar de dia, quando o garoto saísse pra ir à escola, por exemplo.

Se quiseram audiência, conseguiram. Mas, valeu a pena demonizar os adolescentes? Apavorar os pais, para quem o maior medo é que os filhos se percam, confundam e desistam da vida?

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Adolescência nem mesmo é entretenimento. Ainda que fosse vendida honestamente como Terror psicológico, não teria graça nenhuma. O fato é que prende a atenção. Todos os atores são ótimos, e o menino protagonista, Owen Cooper, é um assombro. Nunca havia entrado num set. É de ficar imaginando os desempenhos que ainda oferecerá se continuar no trabalho de ator.

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Jornalista e escritor. Editor do Amigos de Pelotas. Ex Senado, MEC e Correio Braziliense. Foi editor-executivo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Atuou como consultor da Unesco e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Uma vez ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo, é autor dos livros Onde tudo isso vai parar e O fator animal, publicados pela Editora Lumina, de Porto Alegre. Em São Paulo, foi editor free-lancer na Editora Abril.

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Brasil e mundo 3m3y11

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio b4o68

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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Cultura e entretenimento 1f3218

O perigo das Gagas da vida 1n4w28

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Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

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A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

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