Ícone do site Amigos de Pelotas

Ainda estou aqui 732b16

2m452i

Um amigo anda empolgado com o Oscar, torcendo para que o filme Ainda estou aqui fature pelo menos uma das três estatuetas a que foi indicado. Nada demais, não fosse o fato de que até ontem, e desde os tempos da faculdade, ele vivia cutucando as coisas dos Estados Unidos.

A contradição é uma marca humana desde muito antes do tempo em que Shakespeare escreveu Hamlet. Acontece que o amigo vem exagerando no estoque de pipocas para a noite da premiação. Para embaraçar mais o enredo, os EUA apoiaram o golpe militar no Brasil, que matou o deputado Rubens Paiva, fato em torno do qual o filme é contado.

Ainda não vi o filme, dirigido pelo bilionário de coração sensível Walter Salles, diretor do excelente Central do Brasil. Precisaria assistí-lo antes de uma avaliação segura. Outro amigo me diz que o trabalho “não é tudo o que andam dizendo” e que a atuação de Fernanda Torres é apenas correta. Como explicar então tantos prêmios internacionais?

O apreço por uma criação artística é sempre um mistério. Diante de tantos prêmios, parece impossível que não possua valor. Talvez, para além da expressão artística, a escolha do tema em um momento de radicalização política e de autoritarismo no mundo tenha contribuído para a boa recepção.

Em entrevistas, Salles tem dito que “o filme só foi possível no governo Lula, quando o Brasil voltou à democracia”… Como se vê, a campanha a favor do filme tem um apelo político que cai bem no país governado por Trump, um líder impopular entre os membros da Academia de Los Angeles.

O tema do desaparecimento de pessoas em regimes de exceção é famoso no cinema. Costa-Gavras o abordou no ótimo Missing, narrado igualmente sobre fatos reais. No filme, um jornalista americano é sequestrado e morto no Chile do general Pinochet.

Publicidade

Missing é a história da busca inútil de um pai pelo filho desaparecido, assim como foi a busca da família Paiva por Rubens. Desaparecimentos que tiveram o braço inteiro dos Estados Unidos, inclusive no treinamento para a tortura.

Como no Brasil, os EUA apoiaram o golpe militar no Chile. Aos poucos, o pai entende que a embaixada americana é aliada de Pinochet no golpe e no acobertamento da morte de seu filho.

Indicado a quatro Oscars, Missing ganhou um, por roteiro adaptado. Agora a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas pode dar um ou mais Oscars ao filme brasileiro. Os industriosos americanos são de fato impressionantes. Detestados ou amados, continuam a ser uma referência, até mesmo para a esquerda artística brasileira. É compreensível, e faz todo o sentido.

De fato: mil Kikitos ganhos não valem uma indicação ao Oscar.

Sair da versão mobile