2m452i
Argentina desregulou transporte de ageiros intermunicipal. Qualquer empresa agora pode viajar para qualquer destino, desde que habilitada. Precisa cumprir todos requisitos de segurança, por supuesto. E habilitação leva só cinco dias. Ganha o consumidor, como deve ser.
Enquanto isso, aqui o monopólio ainda manda, inclusive no RS, em Pelotas e região, cobrando mais caro pela agem e com menos oferta de horários e confortos aos ageiros.
No Brasil dos cartórios, pra fazer transporte de ageiros precisa de autorização da “Nasa”. E da Agência de Segurança Nacional…
A empresa B, por exemplo, tenta prestar serviços no Rio Grande do Sul e outros estados, mas enfrenta resistências do governo do estado. Essa resistência é reflexo do modelo de capitalismo que temos no Brasil: capitalismo cartorial, em que o interesse dos monopólios e dos políticos associados vem primeiro, enquanto o consumidor vem sentado no último banco, ao lado do banheiro.
Há um livro excelente que mostra por que os Estados Unidos são o que são como país em produção, competividade, riqueza. Chama-se Capitalismo na América, escrito pelo economista Allan Greenspan, o mítico presidente do Federal Reserve, o Banco Central deles. Ao contrário do Brasil, nos EUA a atividade econômica é majoritariamente desregulamentada para favorecer o empreendedorismo, a inovação, o mercado, enfim, o consumidor. Ler Greenspan, uma aula de história e economia, mostra também por que o Brasil é mais pobre naqueles quesitos estruturantes – riqueza, produção, competividade: atrasado séculos em relação aos EUA.
CAPITALISMO NA AMÉRICA

Capitalismo na América
Se os americanos não temem a inovação nos negócios, no Brasil os cartórios são fortificações comparáveis às Muralhas da China. Aqui o sistema está armado para impedir ou retardar a inovação, com o objetivo de manter os privilégios.
Há vários motivos para compreender a natureza deste gene fundador do Brasil. O principal, talvez: aqui tivemos Rei, e, tendo-o, vimos surgir essa figura fruto da precisão definidora brasileira, os “Amigos do Rei”, beneficiários dos cartórios outorgados pelo Trono Real, franquias “modernas” das capitanias hereditárias, pelas quais, 500 anos após o descobrimento, mostram-se sempre prontas a retribuir ao Rei, na forma de compensações sociais. Nos EUA, não tiveram Rei.
Lá, quem forjou a nação foram os pioneiros, desde que as 13 colônias de migrantes se instalaram nas terras das Bruxas de Salem. Lá, o próprio cidadão colonizou aquele País, e – sem esperar nada de ninguém que não dos próprios braços – impediu toda e qualquer forma de apropriação de suas riquezas por governos. A gente vê essa autonomia nos filmes de faroeste deles: “Toma a estrela, o xerife é tu”. A coisa lá, desde sempre, foi assim: os pioneiros elegiam, entre si, os seus representantes. Não precisava o governo nomear.
Depois de ler Capitalismo na América, o leitor começa a entender as ideias que os liberais brasileiros tentam inserir no Brasil. É sempre uma luta titânica, inclusive porque o emaranhado legal sobre o qual se amparam os cartórios foi criado para dificultar a vida dos inovadores e do livre mercado.
Os liberais querem liberdade econômica, para eles A Mãe de Todas as Liberdades, porque entendem que a livre iniciativa plena liberta a sociedade do jugo do Estado; juntos, governos e cartórios formam um bloco compacto de poder, enquanto o povo vive nas galés, sustentando o bloco, quando poderia ele mesmo, favorecido por aquele espírito dos colonos americanos, apropriar-se dos dividendos de seu próprio esforço para tocar a vida como melhor lhe aprouvesse.
Para os liberais, impedir a inovação e a concorrência desfavorece a cidadania e o seu correspondente econômico: o consumidor, que deveria ter a disposição um cardápio de escolhas e a palavra final. Para eles, o combinado de liberdade de mercado e governo concentrado na saúde, na educação, na segurança faria bem ao Brasil, que adquiriria um ânimo adormecido, ando a depender menos do governo e mais de si próprio, não mais tão suscetível a governos e a benemerências sociais feitas com o excedente de seu dinheiro – e em seu nome.
Quem precisa de favor do Estado se pode conseguir as coisas por si mesmo?
O simples fato de que membros do partido Novo sejam hoje quase vozes solitárias no Brasil a se posicionar claramente a favor da B, enquanto políticos de outros partidos se conservam mudos e fazem cara de paisagem, demonstra a que ponto os cartórios de capitanias estão entranhados não só nas esferas de poder, mas também no senso médio do cidadão, que, por inércia, sente-se agradecido ao monopólio, quando na verdade é ele quem o sustenta.
O caso dos monopólios brasileiros no transporte é clássico. No sistema aéreo, hoje a competição voa. No terrestre, onde é mais ramificado, o percurso é mais longo e difícil. Como há décadas estão sós no mercado, sem competidores a lhes ameaçar o conforto e a tabela de preços, eles estabeleceram a prestação de serviços de concessão pública nos termos que lhes convieram, e neles se acomodaram, sabendo que os consumidores, sem saída, se acostumariam aos serviços por absoluta necessidade.
Os lucros, certos e graúdos, continuam a fluir em cascata para a piscina-cofre do Tio Patinhas. A julgar pela grande luta travada pela B para se firmar em toda a federação, o medo de Patinhas é se ver obrigado a diminuir a altura do trampolim para evitar acidentes.
A B cobra pelas agens até 60% menos do que o preço cobrado em rodoviárias do País. Se o benefício é evidente para o consumidor, por que o governo gaúcho “trabalha” para impedir a empresa de atuar no mercado estadual? O que ganha com isso? Não deveriam os governos trabalhar em favor da população, em benefício do bolso do consumidor? Ultimamente o governo gaúcho, através do Daer, vem apreendendo ônibus da B. Por sua vez a B vem lutando na justiça para derrubar as oposições. Tem tido assim em todos os estados da federação, uma luta para fazer valer no Brasil a inovação.
RESPONSABILIDADE SOCIAL
No Brasil, diz-se que o bêbado nativo reserva o primeiro gole para o santo. No caso dos monopólios, o primeiro gole pode nem sempre ser para o santo. É certo, porém, que este não ficará sem saborear, em algum momento, o paladar de um Ferreira Garrafeira Port Tinto. Como o dinheiro está sobrando, os monopólios reservam parte do excedente da montanha dos lucros para financiar “projetos sociais”, muitas vezes em parceria com governos, com todos faturando a “preocupação social”.
É sempre boa política devolver um pouco de atenção aos de baixo, todos eles. Ostentar o Selo de Responsabilidade Social é visto como algo de grande sensibilidade em território tão desigual. Ou seja, no modelo atual, não competitivo, o vínculo entre concessionários, governantes (e jornalistas) tende a se tornar um meio de vida, em que cada ator representa seu papel conforme um roteiro baseado na repartição conveniente da riqueza concentrada. Numa peça assim, o povo, sempre tão volúvel, é um detalhe, como nas histórias de Shakespeare. E ao fim, após alguns conflitos (será?), repetem Hamlet: “O resto é silêncio.”
O teatro é quinhentista, mas não há grandeza no edifício quando o cartório é o patrocinador da mesma e entediante peça. Os “benefícios sociais” são a cota que se paga para que nada mude. Muita gente aplaude, sem se dar conta de que a benemerência é feita com chapéu alheio, do próprio consumidor, que paga mais caro para sustentar o monopólio.
Afinal, o dinheiro é de todos nós, o povão, consumidor cada vez mais exigente, que temos sido obrigados a bancar o cartório e as adjacências nas coxias, quando podíamos, se houvesse concorrência, pagar mais barato pelas agens, sem perder qualidade nos serviços (até mesmo ganhar!), e com a oferta de promoções, como vemos nas empresas aéreas e telefônicas; e, ora bolas, dispor de mais dinheiro no nosso bolso para gastarmos como bem quisermos. Vendida na forma de “filantropia sensível”, aquela cota de bondade é na verdade a derrota do espírito dos envolvidos na trama, cuja temporada os liberais lutam para ver encerrada, para dar vez a novas histórias. O povo merece espetáculos melhores.