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O quadro de Pellizza e uma frase de Lincoln 4i155y

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Quando era garoto, senti o despertar da empatia pelos mais pobres do que eu. A gente vivia na ditadura, ansiava por liberdade, um país menos desigual. Lá em casa havia simpatia pelos “debaixo”. Era algo natural. Havia no DNA da família a percepção da injustiça.

Atrás de sua escrivaninha de trabalho, meu pai tinha uma reprodução do quadro O quarto estado, de Giuseppe Pellizza, mostrando uma marcha de trabalhadores. Dentro do móvel, havia ainda uma foto de Lincoln, com uma inscrição (palavras deste): “Não importa o ninho, se o ovo é de águia”. Creio que explica tudo.

Havia o sentimento de solidariedade com o povo, mas, igualmente, um sentido de singularidade, de valor individual.

Veio a abertura, o PT, Mensalão, Petrolão, uma recessão inédita, condenações, descondenações, e tudo o mais que, infelizmente, se viu ocorrer. Digo “infelizmente”, pois destruíram um sonho. Foi um crime sem nome, uma traição para quem se dizia moralmente superior. Perdi a fé.

A verdade é que, desde os verdes anos, o Brasil, avermelhado, afora a estabilidade econômica, não mudou. Não se reduziu a desigualdade, não fomos capazes de nos estruturar como nação. Hoje em dia ei a entender que, pelas mãos do Estado, isso é impossível; uma solução, se vier um dia, dependeria mais do braço forte da sociedade, sem a cangalha do governo.

A índole do brasileiro, porém, é um enigma. Em grande parte, somos festeiros. Nas entrevistas para a tevê é comum o povo rir das próprias desgraças. Fico vendo, agora, os ensaios das escolas de samba, a alegria dos istas que descem fantasiados dos morros, a exuberância sensual das rainhas de bateria, os mestres-salas com suas reverências para as câmeras da Globo, e não reconheço aquele quadro de Pellizza nem ouço o eco das palavras de Lincoln. Não sei bem o que dizer, a não ser que o planeta anda quente.

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Depois de ver a mobilização dos habitantes de Nova Roma do Sul, na serra gaúcha, que dispensaram o governo e ergueram por conta própria uma nova ponte para substituir outra destruída pela enchente, voltei por um segundo a ter esperanças. O que houve ali parece a resposta às nossas aflições. É no aperto, parece, que o povo se supera.

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