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Cultura e entretenimento 1f3218

Um totem pelotense 4366t

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Tenho amigos que parecem de algodão. Como são nascidos ou vivem há muito na Princesa do Sul (Pelotas), e certamente por a cidade ter conquistado o título de Capital Brasileira do Doce, eles se especializaram e pós-graduaram em convivência social. Sua maior realização é dar-se bem com o maior número possível de pessoas, inclusive de fora do País. Não é que não tenham inimigos. Apenas não os tratam como tal.

Com o tempo e a prática, virou uma filosofia.

O inimigo é alguém a ser conquistado. Sendo assim, eles imprimem método na direção desse desígnio. A mais poderosa investida é a cerimônia dos troféus. É um evento frequente na cidade, tanto quanto o nascer do sol, a merecer ainda o selo de Patrimônio Imaterial do IPHAN. Em recíprocas certificações de qualidades humanitárias, sempre há um contingente pronto a homenagear outro, e este a homenagear em resposta, mais de uma vez e pelos mesmos motivos, que, todos sabem, se resumem a um.

Como 90% dos locais amam homenagens e não recusam as insígnias, dadas por quem quer que seja, aqueles amigos se apresentam para receber seu troféu e, na hora do inimigo pegar o dele, colocam-se em posição estratégica no salão, com a finalidade de serem vistos por aquele enquanto o aplaudem. É fatal – dizem. Na mesma hora as tensões se diluem e, ao longo da festividade, evaporam por completo.

“Aplaudir o inimigo funciona sempre” – eles garantem, porque o gesto tende a ficar gravado como uma graça, uma prova da índole de todo o pelotense que se preza: aquela ânsia por aprovação, um selo renovável de aceitação. Elogiar também é considerado fatal, desde que o elogio seja feito em público.

Estão convencidos de que a vida deve ser embalada pelo espírito verificável em confrarias de charutos, comuns entre homens, ou em congregações de champanhe, que em geral reúnem mulheres. As confluências das emanações, quando se dão em um mesmo casarão tombado, constituem o triunfo máximo de um ideal: o aroma de nobres fumos e a visão das bolhinhas nas taças, seguradas pelo pé, a confirmar a um só tempo as cortesias da nossa alma, adornadas por colunas de escaiola edificadas nos tempos do Império.

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No fim de todos os eventos, comemos docinhos com selo de garantia, legitimamente fabricados no município. Ovos moles, quindins, bem-casados, papos-de-anjo, pelotões de ninhos de ovos e outras heranças portuguesas exibem-se em balcões de vidro por todo lado e, assim como os bons modos, alcançam todos os encontros sociais, até das recentes gerações.

É provável que a onipresença dos apelos à iguaria tenha acrescentado colheradas sem medida ao temperamento da população, aderindo ao caráter em todas as idades como um confeito. Aparentemente saturados da estagnação, jovens emulados pelo espírito empreendedor dos Estados Unidos da América – ainda que não haja uma grama de silício na comparação – chamam a cidade de Candy Valley.

Bilhões de doces não pagam um chip 20 vezes menor que um ovo de galinha, mas não importa. Em reverência à cultura doceira, a formiga continua a ser a nossa mascote identitária, até em forma de monumento – robustas estátuas do inseto pintadas de laranja e com olhos amistosos, mais notáveis que Caringis, são iradas em vários pontos como a um totem.

Ninguém pode nos acusar de não tirar proveito da vida – ela é o ninho.

Jornalista e escritor. Editor do Amigos de Pelotas. Ex Senado, MEC e Correio Braziliense. Foi editor-executivo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Atuou como consultor da Unesco e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Uma vez ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo, é autor dos livros Onde tudo isso vai parar e O fator animal, publicados pela Editora Lumina, de Porto Alegre. Em São Paulo, foi editor free-lancer na Editora Abril.

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Brasil e mundo 3m3y11

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio b4o68

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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Cultura e entretenimento 1f3218

O perigo das Gagas da vida 1n4w28

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Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

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A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

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