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Cultura e entretenimento 1f3218

CAFÉ DA MANHÃ 50664t

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Bruna aguardava, com a sinistra paciência dos jacarés, uma alma inocente que lhe trouxesse café na cama.

Lembrou que Marcelo provavelmente já havia saído para trabalhar e que ela havia dispensado os serviços da Constanza. Lembrou também que não existia nenhuma Constanza. Pelo menos não a seu serviço.

Resistiu. Os jacarés são assim, couro duro. É preciso honrar a natureza e esperar. Nenhum movimento em vão.

Cheiro de café é mais ou menos como uma sexta-feira: anuncia algo que nunca será, exatamente, como as expectativas geradas – mas é, em si, uma maravilha. Bruna não sabia onde havia lido isto. Sua memória era ótima. Faltava o café.

Olhando reto para a frente, aos pés da cama, sobre uma herança da primeira viuvez da tia Norma – “filha, não é um banco, é um lindo récamier” –, um amontoado de roupas brancas e sua bolsa mais vistosa.

Olhando para um lado, uma cortina. Para o outro, Bruna não via sombras nem o menor sinal de movimento na luz que vazava por baixo da porta do quarto. Melhor não mexer a cabeça.

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Na penumbra do dormitório, a rua fazia mais silêncio do que o normal; o zumbido nos ouvidos aumentava de olhos fechados, os pés latejavam e o incômodo no pescoço revelou-se um colar.

Dona Nair, a vizinha de cima, foi ao banheiro. Lamentável. Protegendo-se, Bruna puxou o lençol à altura dos olhos.

Jacarés hibernam quatro meses. Bruna, sem café, com dores generalizadas e sem conseguir achar seu celular, começou a recordar o que já sabia: a festa de réveillon na casa da tia Norma.

Convidados, muitos convidados. Pessoas elegantes, bonitas, sinceras. Outras, só pessoas. Música, muita dança. Comida e bebida. Muita bebida.

Ano ado tia Norma havia cancelado, em nome da saúde de todos, as comemorações. Este ano, não. Este ano teve festa, e prometeram que seria com o valor de duas. Muita gente – meu Deus, que coisa boa. Abraços e beijos. Muitos. 

Tudo ia bem demais, até a biblioteca já dançava em círculos, quando alguém gritou: 

– Aproveitem, no próximo réveillon pode ter isolamento social. De novo!
– Então, um com o valor de três! – Foi a resposta que se ouviu.

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Com a multiplicação, a festa ficou ainda melhor.

Jacaré tem vida longa e boa memória: era o primeiro dia de janeiro do novo ano. Feriado.

No caminho da cozinha, Bruna achou seus sapatos e o celular já sem bateria. Lembrou que era solteira e que o Marcelo tinha viajado, para não voltar, havia três anos. Precisava café.

– Vai ser um longo ano.

Página de Vitor Bertini – AQUI.

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Depois de tudo, escritor. Autor do livro "Não me Abandone" - Editora Esquina do Lobas e da página "A História da Sexta".

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Brasil e mundo 3m3y11

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio b4o68

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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Cultura e entretenimento 1f3218

O perigo das Gagas da vida 1n4w28

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Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

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A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

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