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Cultura e entretenimento

Pelotas antiga: A Carestia. Por Luiz Carlos Marques Pinheiro

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Conheci Luiz Carlos Marques Pinheiro mais ou menos há 10 anos. Ele me contou que escrevia crônicas sobre Pelotas, memórias do tempo que viveu aqui. Já há quase 50 anos morando em São Paulo, não esquecia Pelotas. Viajava sempre para cá. Um primo de Luiz, Francisco de Paula Marques Rodrigues, me contou que ele havia falecido e deixara um acervo de crônicas sobre a cidade que, na opinião dele, merecia ser mais amplamente divulgado. Interessei-me em publicar na forma original, conforme as memórias dele, memórias de décadas adas (RSA)

Outros textos de Luiz Carlos Marques Pinheiro

Luiz Carlos e esposa

Carestia (Esse era o nome usado pela imprensa, na época)

Ano 1944. Durante a II Guerra Mundial (1939-1945), “racionamento” e “escassez” viraram palavras de uso corrente em Pelotas. Faltava tudo, a começar pela gasolina, que quase não chegava à cidade porque era desviada pelos produtores para o chamado “esforço de guerra”, por imposição do governo brasileiro. Em 1938, tinha sido criado o Conselho Nacional do Petróleo.

Em Pelotas, assim como no Brasil, a solução encontrada foi o gasogênio. O motor específico para gasogênio funcionava com gases obtidos pela queima do carvão ou da lenha. Era preciso adaptar o automóvel para o uso desse combustível, que requeria um equipamento acoplado na traseira dos veículos.

Acabou se tornando, na época, a única opção de combustível para muitos veículos de eio particulares e transporte coletivo, e seu uso era incentivado pelo governo.

Não só a gasolina, mas também o querosene foi racionado. Com isso, os fogareiros a pressão “Primus”, que funcionavam com querosene, somente eram usados nos casos de extrema necessidade. O racionamento de gasolina resultou na redução da capacidade de transporte de carga, o que provocou um desabastecimento geral. Em razão disso, os preços dos alimentos praticamente dobraram. Foi um período de inflação muito elevada.

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Faltavam alimentos básicos, como leite, pão e manteiga. Não se comprava o que se queria, mas o que era oferecido pelos fornecedores.

A produção de leite caiu brutalmente, porque a alimentação do gado era prioridade do gado de corte, por força da exportação de carne; sobrava pouco alimento para o gado de leite, e com isso caiu a produção.

Quando o leite era encontrado, a população não queria, porque sabia que o comerciante tinha acrescentado uma parte de água. Dizia-se que o leite estava “batizado”. Assim mesmo, quando o leite era entregue nas casas, era o do “tipo C”; o do “tipo B” era muito caro e não era distribuído; o do “Tipo A”, a gente nem sabia que existia. Todos os sub-produtos do leite sumiram. No café da manhã, a manteiga foi substituída pela banha de porco. O café com leite foi substituído pelo leite condensado com água fervendo.

O trigo sumiu. O pão ou a ser feito com milho. Os portugueses de Pelotas não estranharam porque já conheciam a broa de milho, de Portugal. A grande maioria das donas de casa, no entanto, preferia fazer o “pão de macarrão”, que ficou conhecido como “pão de guerra”. Sua receita era simples: macarrão moído, ovos batidos, fermento fresco dissolvido em leite morno, açúcar, uma colher de chá de sal, manteiga ou banha. A escassez era tanta que até o macarrão era importado, em parte, da Argentina.

Faltou também açúcar e tentou-se substituí-lo pelo açúcar mascavo (chamado de “sujo”). Em Pelotas surgiu um açúcar chamado de “usina”, com grãos mais ásperos e mais escuros.

A conseqüência natural da falta de pão, carne, açúcar… foi o aparecimento das primeiras “filas” (em Pelotas se chamavam “bichas”). Demorou um pouco para serem aceitas pelo povo, impondo uma nova disciplina, e trazendo para a cidade a sensação de guerra.

A carne era exportada para o “esforço de guerra”. O Frigorífico Anglo foi criado pelos britânicos na Segunda Guerra, em 1940, com o principal objetivo de mandar carne enlatada para a Inglaterra, para os soldados no front. Graças a Deus tinha as galinhas, criadas em casa, e a Lagoa, que fornecia o peixe – pintados, cascudos, jundiás, lambaris – um dos raros produtos não-racionados.

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Mas com a falta de carne surgiram os “atravessadores”, que conseguiam carne no “mercado negro”, e a vendiam por preços muito elevados. A solução era a carne de 2ª… e os outros órgãos. Muita “língua com batata” eu comi… De mondongo eu gostava, mas bife de fígado eu não agüentava. E também tinha muita sopa, porque levava só um pedaço pequeno de carne com osso… e mandioca.

Nem o rabo do boi escapou. Os portugueses não se apertaram porque, já de há muito, eles apreciavam um prato chamado “rabada”. É um guisado com pedaços do rabo do boi, ao qual se adicionam verduras e legumes, como tomate, cebola e pimentão, juntamente com temperos frescos e secos. Na Inghlaterra chama-se “oxtail soup”.

Os jornais tiveram que diminuir o número de páginas por causa do racionamento do papel de jornal.

Junto com o racionamento de petróleo houve também o do carvão. Em conseqüência, a Usina (Light) iniciou um processo de racionamento de energia elétrica na cidade. Lampião quase não se usava, porque também era a querosene e precisava ser racionado. Então se usava vela e castiçal.

Não bastasse isso, para agravar a situação havia os black-outs. Exercícios de treinamento de guerra, em que todas as luzes da cidade eram apagadas por algum tempo como proteção à aviação inimiga.

Pelotas inteira acompanhava a guerra com grande ansiedade e expectativa, todas as noites, às oito horas, através da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.

Em 1941, durante a II Guerra Mundial, a Rádio Nacional criou o Repórter Esso, basicamente para noticiar a guerra sob o ponto de vista dos aliados. Usava o slogan: “a testemunha ocular da história”.

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O locutor Heron Domingues, um gaúcho de São Gabriel, locutor oficial do Reporter Esso, tinha uma voz tão marcante que ficou identificado com a própria imagem do Reporter Esso.

Esse período não deixou saudades na população de Pelotas.

(*) Luiz Carlos Marques Pinheiro nasceu em Pelotas, em 12/01/1940, onde estudou nos colégios São Francisco e Pelotense. Em 1961, foi trabalhar em São Paulo, onde se casou alguns anos depois com Suzana do Couto Rosa Pinheiro, tendo duas filhas: Beatriz e Izabel (na foto, com o pai). Formou-se em Direito na Faculdade São Francisco, desempenhando atividades profissionais em várias empresas, destacando-se o Banco Bandeirantes, onde foi diretor de marketing. Faleceu em São Paulo, em 16/12/2021. Embora morando há 60 anos fora, ele adorava Pelotas e tinha um blog sobre a cidade.

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Brasil e mundo

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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Cultura e entretenimento

O perigo das Gagas da vida

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Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

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A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

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