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Cultura e entretenimento 1f3218

Mister Mendigo 6k498

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Rubens Amador (Pai)

Certo anoitecer, há muito, deparei-me com um mendigo ao fechar o portão da garagem. O entardecer estava lindo como em uma paisagem de Van Gogh. Pois foi neste exato momento que aquele homem mal vestido, aparentando uns 70 anos, me dirige a palavra: “Senhor, desculpe interrompê-lo, mas que tipo de grama cultiva no seu jardim? Ela é viçosa apesar da pouca luz”. “Meu caro”, respondi-lhe, ”não tenho a mínima ideia, é um senhor que vem aqui e a trata. “Fascinam-me os jardins britânicos e os fronteiros aos palácios ses. São os mais bonitos do mundo!”

Aquela altura já estava irado daquele pobre homem que mostrava ser algo mais do que aparentava. Perguntei-lhe: “Onde mora?” Prontamente respondeu-me, deixando-me cético quanto a sua lucidez: “Tenho duas residências nesta cidade. Uma de inverno, outra de verão.” E explicou, no seu jeito simpático de se comunicar: “No inverno, como agora, estou residindo na marquise de uma padaria… Meu quarto, cujo teto é feito de estrelas, fica muito aquecido a noite toda, pois desde cedo seus fornos crepitam como uma generosa lareira. Pela manhã, ao abrirem, cumprimento aos donos do estabelecimento. Sento-me com aprumo e não demora chega um delicioso café, pão e manteiga, depois de ter aberto o registro d’agua da esquina e lavado o rosto e as mãos”. “No verão, disse-me, ele se mudava para outra marquise. A de uma famosa sorveteria. Contou-me que o refrigério vindo das paredes refrescava seu corpo. E de vez em quando saia um sorvetinho. “Diariamente varro minhas duas frentes”.

“Mas o senhor não tem família?”, indaguei. Ele sorriu e disse-me: “Faço refeições em um restaurante onde pago um real por boa comida. Este homem calmo e sereno com quem conversa foi um tirano, um ébrio que muito envergonhou a esposa, principalmente os filhos pequenos. Então certo dia resolvi sumir e deixar minha família viver sem aquela pesada cruz, que era eu. Parti para cidade distante, de carona, com uma pequena trouxa de roupas e procurei sobreviver. Mas a saudade era tanta que fui tornando o vício da bebida um inimigo, como o causador que era, da minha desgraça. E daí em diante ei a tratar a todos com lhaneza e calor humano, e comecei a receber o mesmo em troca. Logo compreendi que poderia esconder o meu segredo. Queimei os meus documentos e tornei-me um mendigo de rua. ados cinco ou seis anos, a família deixou de procurar-me. Não sei o que imaginam sobre minha vida… Se estou vivo ou morto. Hoje tenho dois filhos formados: a menina é médica, e o rapaz tornou-se um excelente agrônomo (mostrou-me algumas fotos de jornal amassadas e sem legendas, onde seus filhos apareciam.)  Condoído, perguntei-lhe por que não voltava para casa? Ele me respondeu que jamais iria envergonhar de novo a sua família. Chamado, compreendi que era preciso despedir-me, e encerrei aquele diálogo inusitado, perguntando ao pobre homem se necessitava de algo.

“Não meu caro, precisava apenas conversar um pouco. Hoje, o senhor ouvindo-me e dialogando comigo, não imagina o quanto me tornou feliz. Sou sozinho por opção. Há anos que vago, inserido nesta paisagem humana maravilhosa que a gente aprende a despertar nas pessoas. Tenho tudo o que necessito. “Bem, meu caro senhor, já tomei demais o seu tempo e falei muito. Obrigado por me ouvir.”

“O que vai fazer hoje, por exemplo?” indaguei, curioso àquele homem que se mostrava feliz, apesar de sua pobreza. ”Caminhar, meu amigo; e vou andar até me recolher. Talvez vá no calçadão assistir ao Jornal Nacional em uma vitrine. Boa noite, e muito prazer em conhecê-lo.”

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Fiquei olhando aquele homem indo- não sei para onde- embora imaginasse qual era o seu destino naquela e em todas as noites de sua vida. Ele foi sumindo até se perder na rua, mas deixando comigo coisas para ficar pensando antes de conciliar o sono. Ao se aproximar minha mulher, perguntou-me: ”Estiveste chorando?” Não pude responder nada, só estreitei-a nos braços, acolhendo os três filhos menores que se acercaram correndo, abraçando-nos.

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Brasil e mundo 3m3y11

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio b4o68

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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Cultura e entretenimento 1f3218

O perigo das Gagas da vida 1n4w28

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Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

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A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

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