Amigos de Pelotas

Vargas Llosa e o populismo 2k461j

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Para mim, Bolsonaro tem um só defeito: não é Mario Vargas Llosa. Este, como se sabe, converteu-se de esquerdista em defensor do liberalismo, depois de confrontar os fracassos e abusos daquela ideologia, ler os grandes autores do pensamento liberal e testemunhar o salto inglês na gestão Thatcher. Um conservador culto, vivido, vencedor do Nobel de Literatura, em quem a honradez e a reputação atravessaram décadas imaculadas. Vê-lo falar é um prazer raro.

Uma vez eu o vi ao vivo, numa conferência em Porto Alegre, graças à generosidade de um amigo, que me conseguiu um ingresso em cima da hora. Palavras precisas, claras e lógicas, com uma exuberância vocabular e uma força de persuasão incomuns. Um luxo para qualquer país.

Nos anos 90, Vargas Llosa tentou ser presidente em seu país, o Peru, mas foi derrotado por Alberto Fujimori, um populista que acabou na cadeia por corrupção, como Lula, embora por tempo maior.

Dizem que, no Brasil, pessoas cultas não conseguem ser populares. E que Bolsonaro não teria a projeção que alcançou se não fosse exatamente como é, irascível, grosseiro, vulgar. Por essa tese, o pretendente a subir a rampa do Planalto deve falar a língua da maioria do povo. Encarnar os mesmos rancores, as mesmas esperanças, ilusões, as mesmas liberalidades e os mesmos preconceitos.

Para sorte de Fernando Henrique, cujo estilo se aproxima do estilo de Llosa, ou seja, de populistas ambos nada têm, ele havia criado o Plano Real, quando ministro da Fazenda no governo Itamar Franco. Sim, ele comeu buchada de bode e montou em burro, vestindo chapeuzinho de cangaceiro. Mas naquela ocasião, na hora do voto, prevaleceu a gratidão do eleitorado pela estabilidade econômica dada pelo Real. Era outro tempo.

Não me agrada o estilo de Bolsonaro, como não me agrada o estilo de Lula, por uma razão simples: vejo nesse nivelamento por baixo uma prova de regressão civilizatória. Infelizmente o mundo vem recorrendo de modo crescente a populistas, o que por certo ajuda a explicar a atual baixa popularidade da democracia. Mas como combater o populismo, sem ser populista? Como sair dessa armadilha?

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Por falar em Llosa, aos 86 anos, ele voltou a ser notícia, não como seria de esperar, pela sua literatura (está prestes a ser itido na Academia sa de Letras), mas sim pela sua separação de Isabel Preysler, a socialite que foi sua parceira pelos últimos oito anos.

A imprensa espanhola, tão vulgar quanto a brasileira, quer porque quer saber qual o motivo da ruptura do casal, e para isso monta plantão à porta da casa onde o escritor vive em Madri, agora sem Isabel, tendo por companhia apenas os livros e o apoio do filho mais velho, Álvaro.

Em um vídeo na internet, o velho escritor aparece descendo do carro e os repórteres apontam mil microfones, insistindo para que confirme, afinal, se o motivo do rompimento foi mesmo ciúmes da parte dele, como sugeriu uma revista de fofocas. Vi um homem idoso, cansado. Um homem quase como se já não fosse desse mundo, lutando para manter a única coisa de real valor no fim da vida: a dignidade.

Outro dia, Álvaro publicou um vídeo do pai, em sua nova casa de solteiro, lendo as primeiras palavras de Madame Bovary, o romance fundador da moderna literatura, sobre uma mulher que, inconformada com a mediocridade de seu casamento, lança-se a aventuras extraconjugais em busca de paixões que enriqueçam sua vida e sua fantasia. A elas entrega-se sem contenções e, tarde, percebe que não foi correspondida, que se enganou e foi enganada.

O vídeo em que Llosa é assediado pela imprensa, eu o vi com pesar. Um homem de sua estatura e refinamento, em seu crepúsculo, confrontado em sua intimidade pelo circo da mídia, como se aquela fosse mercadoria de camelódromo. Triste – porque vulgar – como o é o populismo.

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