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Cultura e entretenimento 1f3218

Picolé (por Vitor Bertini) 2h1x4w

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Fim de tarde, vento e sol às costas, mar à frente, e eu ali, sentado na areia, no alto de uma duna, tirando o cabelo dos olhos e pensando na vida – como se não tivesse uma história para escrever.

Entretanto, foi assim, sentado, pensando na vida, ouvindo o barulho do mar e do vento, que pude assistir, ninguém me contou, a história de hoje.

Como disse, era fim de tarde: aquele horário em que o sol já perdoa a pele mas ainda ajuda a vista. Horário, fiquei sabendo depois, de um tradicional futebol entre veranistas bem conceituados.

Os participantes – atletas seria um exagero –, iam chegando em lustrosos automóveis e trocavam efusivas saudações. Todos abraçavam todos. Dividiram os times por algum misterioso critério e, uniformizados, foram à luta, ao jogo, com uma seriedade digna de espanto.

De minha parte, do alto da minha duna, a coisa mais notável ao longo dos primeiros vinte minutos, além de algumas ameaças e xingamentos, foi a aproximação, olhos fixos no jogo, do vendedor de sorvetes, vestido de palhaço. Estacionou seu carrinho, tirou a peruca e o colarinho, deu-se ao luxo de um picolé e virou assistência.

O jogo, com regras muito assemelhadas com as do futebol, diferenciava-se deste, até onde pude perceber, pela ausência total da lei do impedimento e pelo fato que, na falta de um juiz, todas as decisões eram disputadas, literalmente, no grito.

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A normalidade das ações vai até o momento da lesão de quem parecia ser o craque do time onde jogava a maior autoridade em campo, o dono da bola – suas decisões não eram contestadas aos gritos. Ali, começou meu interesse. 

Lesão constatada – dois aparentes médicos acorreram –, jogo parado, falta gritada e aceita, bola sob o braço da autoridade que, ansioso, dita a nova regra:

– O jogo não recomeça com um a menos!

Diante da absurda opção sentada em uma duna, restava o palhaço.

– Ô Picolé! Você joga?

Dez minutos em campo, segundo contra-ataque do time adversário e a segunda ausência de cobertura ao seu avanço, o novo jogador não se fez de rogado. Diante da perplexidade de todos, abriu os braços em direção a quem o havia convidado e gritou:

– Ô Doconvite! Dá pra correr? Vai cobrir minhas subidas ou não?

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O silêncio só foi quebrado pela ofegante resposta, acompanhada de uma cabeça baixa:

– Certo! Cubro nas próximas! 

Mais tarde, quando o sol e os gritos decidiram que a prorrogação teria apenas alguns minutos, o jogo estava empatado. No reinício, a bola estava com Picolé.

O dono da peruca e do colarinho ouviu o vento, não ouviu o que gritavam, não ou pra ninguém, não largou a bola, driblou tantos adversários quantos apareceram e, sorrindo, estufou as redes adversárias.

Correram todos para abraçar PicoléFimdo jogo.

Enquanto os carros lustrosos faziam barulho ao ir embora e o carrinho de sorvetes começava a sair da areia que se acumulara em suas rodas, desci da duna e vim escrever essa história.

Página de Vitor Bertini – AQUI.

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Depois de tudo, escritor. Autor do livro "Não me Abandone" - Editora Esquina do Lobas e da página "A História da Sexta".

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Brasil e mundo 3m3y11

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio b4o68

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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Cultura e entretenimento 1f3218

O perigo das Gagas da vida 1n4w28

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Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

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A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

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