Connect with us

Opinião 4d6u6w

“Homenagens a escravagistas em ruas e avenidas de Pelotas” 5p4v3

Publicado

on

Cesar Brizolara, vereador do PSB, apresentou um projeto de lei que proíbe Pelotas de homenagear com nomes de rua e avenida personalidades escravagistas.

Defende também que, num segundo momento, homenagens sejam revistas, para substituir nomes de escravagistas pelo de pessoas negras de vulto na cidade e no País. Determinado, pediu à equipe para levantar os nomes de ruas e avenidas dados a escravagistas, para futuras trocas eventuais. É um tema difícil.

Como toda cidade não grande e pobre, Pelotas é ressentida. Segundo dados do IBGE de alguns anos, mais de 80% das famílias pelotenses viviam com até dois salários mínimos e meio. Imagine agora, na atual situação econômica.

Nosso caso é pior, pois chegamos a conhecer a riqueza. Após a opulência da época das charqueadas, voltamos a nos deparar, com hiatos, com vacas menos gordas. No rumo que as coisas tomaram, era óbvio que seria assim. Carnear bois, retirar seus miúdos, salgar tudo e vender como comida para escravos do Brasil era uma atividade primária datada, a não ser que a escravidão fosse eterna.

Complexo

Como havia zero tecnologia nas charqueadas, era lógico que logo ali cairiam do cavalo, como caíram com o minguamento da escravatura. A redução de mão de obra escrava, com o fim do tráfico de escravos, em 1850, e a proibição da escravatura, em 1988, provocaram uma queda da qual nunca nos recuperamos, e que parece ter produzido um tipo de complexo, verificável em formas difusas e ostensivas de expressão.

Publicidade

A gente nota aquele complexo na exaltação constante do ado. Nas cortesias a figuras de autoridade. Nos troféus oferecidos por colunistas sociais, em festas pagas pelos homenageados. Nas palavras difíceis nos artigos dos nossos intelectuais, palavras cavadas em dicionários. Na profusão de academias e confrarias de notáveis desconhecidos. Na expressão Princesa do Sul (Atenas do Sul, já disseram!). Nota o complexo em vários sinais, sobretudo no excesso de homenagens que mutuamente fazemos, a intervalos regulares.

Simplesmente amamos descerrar uma placa; puxar o pavio da cortininha, o que revelará uma foto na parede. Dar e receber medalhas e diplomas. Amamos exaltar vivos e mortos que forçamos a mão para fazer mais ilustres do que na realidade são, além dos poucos de fato ilustres, por carência. Somos generosos também, capazes de aplaudir os outros mesmo quando não possuem grande brilho. Aqui, o puxa-saquismo, comum em países que tiveram monarquia, foi elevado à categoria de arte.

Amor próprio

Creio que o projeto de Brizolara ará na Câmara, com anuência da prefeitura. Tucanos são simpáticos a correções históricas de natureza social. Tony Garrido, por exemplo. Contratado para cantar nos 210 anos de Pelotas, foi uma escolha artística tão fora da curva, que provavelmente reflita aquela simpatia. Duvido, porém, que a prefeitura aceite o o seguinte: rever batismos a escravagistas.

Aceito de bom grado 50 chibatadas se um dia mudarem o nome da avenida Bento Gonçalves para, por exemplo, doutor Pelé. Até porque BG não foi homenageado por ser escravagista, mas sim por seu espírito revolucionário diante do Império. É um tema complexo (ainda no exemplo, Pelé em nome de rua seria pouco, até ridículo, sendo ele a personalidade mundial que é). Não se trata, penso eu, de corrigir a história. No fundo, é um problema de amor próprio. Quem é mesmo que precisa de nome em rua?

As charqueadas

É comum, nos livros sobre a história de Pelotas, a glorificação das charqueadas, assim como é comum a necessidade de valorizar fatos históricos quando eles são escassos.

Publicidade

As charqueadas são descritas como fundamento da riqueza econômica e cultural da cidade. Durante menos de 100 anos, de fato, foram. Mas o foram, apenas, porque existia a escravatura. O charqueador dependia do escravo, nas duas pontas. O charque era obtido por escravos, como alimento, justamente, para escravos, com um elemento no meio, faturando. Salgando a carne, faziam-na chegar por navio até o nordeste, em condições de consumo. Já charqueadores, fazendeiros e pessoas de estratos menos pobres comiam carne fresca, abates in natura nas próprias estâncias ou vendidos em açougues.

Charqueada era negócio bruto, rudimentar: não requeria maquinário, basicamente a força muscular dos africanos cativos, instrumentos de abate e corte, além de calhas para escoar o sangue para o Arroio Pelotas. Os escravos matavam o gado, salgavam as carnes (e os couros, também comercializados). Também separavam graxa e sebos dos rebanhos abatidos, para fabricação de sabão e velas. Do boi, só não aproveitavam o berro.

Dias contados

O fim da escravidão, em 1888, foi a sentença de morte das charqueadas, mas o negócio já se anunciara sem futuro em 1850, quando o Império proibiu o tráfico de escravos. A partir daí, quem os possuísse teve de se contentar com eles até que envelhecessem e morressem.

Historiadores locais costumam faturar que “em Pelotas, o fim da escravidão ocorreu alguns anos antes da Lei Áurea”. A razão, porém, foi a proibição do tráfico, mencionada antes. Ali, os charqueadores entenderam que o negócio estava com os dias contados. Restou-lhes uma mão de obra que envelhecia, sem possibilidade de reposição. Restou-lhes tirar até a última gota de suor dos escravos que já possuíam, e que, quando velhos, eram alforriados. Foi assim. Quando veio a Lei Aurea, a produção das charqueadas que sobreviveram era residual, porque a mão de obra, nesta altura, era escassa. Por fim, foram desistindo do negócio.

Anos mais tarde, Getúlio Vargas propôs um plano para converterem as charqueadas em frigoríficos. Não tiveram ânimo, porém.

Como herança, ficaram algumas casas grandes, hoje incluídas no roteiro turístico. Ficaram alguns prédios históricos; construções cuja arquitetura plagiaram da Europa, talvez para compensar a crueza do dia a dia nas charqueadas. Já os ex-escravos se espalharam por aí. Seus descendentes habitam a maior parte das periferias nos bairros pobres. Alguns apareceram para balançar ao som de Garrido.

Publicidade

Jornalista e escritor. Editor do Amigos de Pelotas. Ex Senado, MEC e Correio Braziliense. Foi editor-executivo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Atuou como consultor da Unesco e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Uma vez ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo, é autor dos livros Onde tudo isso vai parar e O fator animal, publicados pela Editora Lumina, de Porto Alegre. Em São Paulo, foi editor free-lancer na Editora Abril.

Publicidade
1 Comment

1 Comments 4g66a

  1. Gerson Schulz

    06/07/22 at 22:41

    Texto excelente!

Cancelar resposta 3f472d

Brasil e mundo 3m3y11

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio b4o68

Publicado

on

Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

Publicidade

Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

Continue Reading

Cultura e entretenimento 1f3218

O perigo das Gagas da vida 1n4w28

Publicado

on

Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

Publicidade

A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

Publicidade

Continue Reading

Em alta 43506z

Copyright © 2008 Amigos de Pelotas.

Descubra mais sobre Amigos de Pelotas 164y3d

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter o ao arquivo completo.

Continue reading