Nesta altura é público que o Partido Novo ingressou com uma ação judicial pedindo o fim do pagamento da pensão de ex-governador para Eduardo Leite, de 37 anos de idade, assim como o ressarcimento das quantias pagas. O partido alega que EL não faz jus ao benefício porque, quando deixou de ser governador, a lei que previa o pagamento da pensão já não existia.
À frente da ação popular, os deputados Fábio Ostermann e Giuseppe Riesgo argumentam que Leite extinguiu a lei que mandava pagar pensão no dia 13 de agosto de 2021, ao sancionar a Lei Estadual nº 15.678, aprovada pela Assembleia Legislativa. “Desde 13 de agosto de 2021, não há mais no Estado do Rio Grande do Sul legislação que ampare a concessão desse benefício”. O único artigo da lei diz: Fica revogada a Lei nº 7.285, de 23 de julho de 1979 (que instituiu a pensão; depois alterada pela Lei nº 14.800, de 2015, que acabou com a vitaliciedade da pensão e definiu que dali em diante deveria ser paga pelo período de quatro anos após o fim do mandado).
Leite renunciou quase oito meses depois de ter extinguido a lei da pensão: em 31 de março de 2022, ele se despediu do Piratini, com o objetivo de tentar a indicação do PSDB para concorrer ao Planalto. Ostermann diz: “Como nós na Assembleia revogamos a lei que previa pensão, com sanção de EL, o que ele (Leite) tinha era uma expectativa de receber o benefício, não mais um direito a recebê-lo”.
O Novo pondera algo verdadeiro. Nenhum pensionista normal pode alegar “expectativa de direito’. Ou seja, não pode contar como direito adquirido para si um direito vigente hoje, que pode ser modificado ou suspenso amanhã. É verdade. Do povo, por exemplo, os governos vão adiando a aposentadoria. Começamos com um modelo de previdência e terminamos em outro. Direitos de antes deixam de existir depois. De repente o Estado decide que devemos trabalhar mais anos, receber menos etc., e temos de nos adaptar à nova legislação. Daí os autores da ação insistirem: a lei que concedia pensão a ex-governador foi revogada antes de Leite terminar o mandato. Antes de ter renunciado, revogada por ele mesmo. EL acabou com o pagamento de pensão. Logo, para eles, não faria sentido o ex-governador receber pensão. Quando ele deixou o cargo, não existia mais lei prevendo pagamento de pensão.
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Leite se defende
Leite se defendeu nas redes: “As fake News começaram cedo… Receberei temporariamente valores proporcionais ao período em que esteve em vigor a lei que previa esta remuneração a ex-governadores. Eu mesmo sancionei a lei que revogou o benefício no ano ado e – assim como no início da pandemia abri mão voluntariamente de receber parte do meu salário – ao publicar a nova lei, abri mão de receber o valor integral previsto originalmente para ex-governadores. Aliás, se voltar a ser governador, deixo de ser ‘ex’ e perco definitivamente esse benefício”.
É uma defesa questionável, como vem sendo questionada. Inclusive porque o leitor talvez se pergunte: “Mesmo que a pensão seja paga em valor menor, R$ 19 mil em vez de R$ 39 mil, e mesmo que Leite se reeleja, o que o faria perder a pensão, é justificável uma pessoa que foi governador por três anos e quatro meses fazer jus a uma pensão, em qualquer valor, por qualquer tempo, ainda mais por tempo maior do que o período trabalhado? E se ele não se eleger? Quatro anos de pensão apenas por ter exercido um mandato de representação? Faz sentido extinguir um benefício e depois reivindicá-lo para si? Que outro pensionista tem direito igual? Resta ver o que os juízes pensarão.
Parecer da PGE
No parecer 18.915, de 19 de agosto de 2021, a PGE diz que Leite tem direito ao benefício pelo tempo em que foi governador e ainda existia a lei mandando pagar pensão (veja parecer no final). De 1º de janeiro de 2019, quando EL tomou posse, até 13 de agosto de 2021, quando entrou em vigor a lei que revoga o benefício, Leite, segundo a PGE, usufruiu do direito ao benefício; por isso aliás que o valor da pensão recebida pelo ex-governador tucano é menor do que os valores das pensões de outros ex-governadores. Enquanto estes recebem quantia igual ao de desembargador do RS (RS 39,9 mil por mês), Leite tem recebido R$ 19 mil mensais. É o valor proporcional aos 31 meses e 13 dias em que foi governador enquanto a lei da pensão ainda vigia.
O Novo, claro, discorda da PGE. Lembrando aos juízes que a chefia da PGE integra o Gabinete do Governador, os deputados dizem que a Procuradoria desvia do foco. Para eles, reduzir o valor da pensão, equivalendo-a ao tempo da vigência da lei anterior (naqueles 31 meses e 13 dias), não esconde a questão central, que é simplesmente a já mencionada: Leite não faria jus à pensão porque, quando deixou de ser governador, a legislação vigente na ocasião não previa pagar pensão. Assim como a lei de aposentadoria que vale para os demais trabalhadores é a lei atualizada, o mesmo deveria ocorrer com o tucano pelotense.
Novo detalha seu argumento
O Novo reitera na ação por que discorda da PGE: “O governador só adquiriria efetivamente direito à pensão quando se tornasse ex-governador, quando preenchesse todas as condições para merecer o benefício. Não é que o governador ‘vá adquirindo’ o direito à pensão à medida que ‘vá avançando’ no mandato. Ele só adquire realmente o direito quando preenche todos os requisitos, enfim tornando-se ex-governador”. Ainda: “Tudo o que o então governador possuía era uma expectativa de direito. E essa expectativa, por mais legítima que seja, não tem garantia contra a lei nova”. O partido reforça seus argumenta com o exemplo abaixo.
“Suponhamos que um empregado tenha prestado serviços por 34 anos. Dir-se-á: ele ainda não pode aposentar-se, pois só terá direito (adquirido) de fazê-lo um ano depois (com 35 anos de trabalho). Digamos que surja nesse interregno de um ano que lhe falta, uma nova lei que estipula a concessão da aposentadoria após 40 anos de serviço efetivo. Nesse caso, tal trabalhador não poderá aposentar-se. Ele ainda não tinha direito adquirido quando surgiu a lei nova, mas tão somente expectativa de direito. Creio que isso explica o nosso entendimento”.
Renunciar faz perder pensão?
O Novo não alega que Leite deve perder a pensão por ter renunciado. Isso não está na ação. Mas fontes me lembram que, só pelo fato de ter renunciado, o ex-governador já poderia perder direito à pensão. Uma delas diz: “Foi o que ocorreu com Pedro Simon, que não recebe pensão porque renunciou ao mandato de governador para concorrer ao Senado. O mesmo se deu com Ciro Gomes, quando renunciou ao governo do Ceará para ser ministro da Fazenda de Itamar Franco”. A conferir.
Abaixo, a posição da Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS), na qual Leite se amparou para pedir a pensão:
A PGE-RS informa que o tema referente à pensão paga aos ex-governadores do Estado, regulada pela Lei nº 7.285/79, alterada pela Lei nº 14.800/15, ambas revogadas pela Lei nº 15.678/21, foi objeto do Parecer Jurídico nº 18.915/21, publicado em 19/08/2021.
O referido Parecer nº 18.915/21 da PGE/RS esclarece que a Lei nº 15.678/21 tão-somente operou a revogação das Leis nº 7.285/79 e nº 14.800/15, não trazendo nenhum comando de cessação de pagamentos, razão pela qual todos aqueles que exerceram o mandato de Governador do Estado, em caráter permanente, antes de 14/08/2021, fazem jus ao recebimento da pensão, conforme as regras então vigentes.
Aos ex-Governadores do Estado que exerceram o mandato até 31/12/2018, o direito à pensão é vitalício e corresponde ao subsídio de Desembargador fixado na Lei nº 14.676/15, equivalente a R$ 30.471,11 (trinta mil, quatrocentos e setenta e um reais e onze centavos).
Conforme a Lei nº 14.800/15, para o Governador que exerceu o mandato após 1º/01/2019 até a revogação pela Lei nº 15.678/21, ou seja, até 13/08/2021, o direito à pensão é limitado a 4 (quatro) anos, em valor proporcional ao número de meses do mandato efetivamente exercidos antes da revogação, ou seja, proporcional a 31/ 48 meses, equivalente, portanto, a R$ 19.679,25.
A matéria é objeto de uma ação popular ajuizada por deputados estaduais em 29/9/2021, perante a 5º Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, na qual não houve concessão de medida liminar e teve determinação de suspensão do processo até que o Supremo Tribunal Federal decida a Arguição de Preceito Fundamental nº 745 (ação popular nº 5110511-83.2021.8.21.0001).
Por fim, a PGE reafirma que não há qualquer ilegalidade na concessão e na continuidade dos pagamentos, que seguem os parâmetros legais vigentes ao tempo da concessão ou da aquisição do direito, até que sobrevenha decisão judicial em contrário.