Connect with us

Cultura e entretenimento 1f3218

Trocando em Miúdos. Por Vitor Bertini 69666w

Publicado

on

Alfredo desligou o telefone, sorriu, fechou o livro, trocou de óculos, levantou-se e, ainda sorrindo, foi escolher um vinho. 

No caminho entre a poltrona e a adega, como se falasse com uma pequena platéia de pessoas sentadas ao seu redor, adaptou a primeira frase de Ana Karenina ao telefonema que recebera: 

– Todos os homens descasados e felizes se parecem entre si; os infelizes são infelizes cada um à sua maneira. – Recitou, olhando em direção às cadeiras vazias.

O telefonema havia sido curto: 

– Alfredo?
– Sim, quem fala?
– Breno… Breno “da Bateria”, meu amigo…
– Ô Breno! Quanto tempo!? Que surpresa… Tudo bem contigo?
– Tudo bem, tudo bem… Tocando a vida… 
– Maravilha…
– Olha só, estou na corrida, e fora do Brasil; volto na sexta. Straight to the point: lembra da Carolina? Lá da escola? Quem não lembra, né? Pois então… Sábado tem uma recepção na casa dela e você está intimado. Amanhã eu o o endereço direitinho.
– Sábado? É a turma da escola?
– Não. Da escola, só nós e a Carolina, eu acho. Descasados e solteiros! Ela que está organizando tudo. Aliás, ela que perguntou se você aceitaria. Eu nem sabia que você tinha se separado!
– Há dois anos que retomei a leitura dos clássicos, meu amigo!
– É… ela até mencionou algo sobre um livro, não entendi direito… irmão, preciso desligar. Amanhã mando o endereço, ok?
– Claro! Bom falar contigo – concluiu Alfredo, começando a sorrir.

No sábado, traído por um incurável mau hábito, Alfredo chegou quando todos já falavam um pouco mais alto. Carolina, que nos tempos de colégio era inivelmente bela e rica, agora, ainda bela, e, a julgar pela casa, ainda mais rica, veio receber o convidado.

Publicidade

Primeiro, na porta, a troca de amabilidades pessoais. Depois, com Alfredo sendo guiado pela mão até onde estava o grupo, uma apresentação geral:

– Pessoal, este é o Alfredo – disse, elevando a voz sobre as conversas, enquanto desviava dois os para apanhar um velho exemplar de Veinte poemas de amor y una canción desesperada, em uma prateleira. 

Com o livro de Neruda em mãos, Carolina prosseguiu apresentando o novo convidado:

– Foi o Alfredo quem primeiro me incentivou a ler poesia e quem me deu, lá nos tempos do colégio, este exemplar. Alfredo, seja bem-vindo e saiba, desde já, que a pauta da nossa próxima “Noite em Verso” será a obra do poeta Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto, mais conhecido como Pablo Neruda – finalizou.

Alfredo foi saudado com uma salva de palmas, gritos de incentivo e uma discreta piscadela de seu amigo Breno.

A festa transcorreu como tinha que ser. Apenas Alfredo, um pouco preocupado, não conseguia parar de cantarolar Trocando em Miúdos – como nos versos do Chico, ele também nunca tinha lido Neruda.

Página de Vitor Bertini – AQUI.

Publicidade

Depois de tudo, escritor. Autor do livro "Não me Abandone" - Editora Esquina do Lobas e da página "A História da Sexta".

Publicidade
Clique para comentar

Cancelar resposta 3f472d

Brasil e mundo 3m3y11

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio b4o68

Publicado

on

Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

Publicidade

Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

Continue Reading

Cultura e entretenimento 1f3218

O perigo das Gagas da vida 1n4w28

Publicado

on

Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

Publicidade

A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

Publicidade

Continue Reading

Em alta 43506z

Copyright © 2008 Amigos de Pelotas.

Descubra mais sobre Amigos de Pelotas 164y3d

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter o ao arquivo completo.

Continue reading