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Opinião

A estranha ideia de criar o “Dia do Orgulho Louco” em Pelotas

Orgulho de ser “louco” eu só vejo em intelectuais e, mais recentemente, em presidentes da República. Muito louco, aliás, como até as emas do Alvorada andam suspeitando

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A vereadora Fernanda Miranda, do PSOL, protocolou nesta quinta (5) um projeto na Câmara instituindo o “Dia do Orgulho Louco” na cidade. Talvez devessem instituir outra data: “O Dia do Orgulho Muito Louco”, para o dia em que o texto foi protocolado.

O “Dia do Orgulho Louco” teria por objetivo colaborar para retirar o estigma das pessoas com diagnóstico de doença mental. “É uma luta antimanicomial, a favor da reforma psiquiátrica no município, pela dignidade humana”, justificou a vereadora.

#MAS_TEM_UM_PORÉM

Para começo, chamar de “loucos” os doentes, com a ideia de afastar o estigma, sugere algum problema de entendimento. Me lembrou uma loja da açoriana Florianópolis. Embora atendesse encanadores, estranhamente chamava-se “casa do cano.”

Orgulho de ser “louco” só vejo em intelectuais e, recentemente, em presidentes da República. Muito louco, como até as emas andam suspeitando.

É sempre assim: os extremos se encontram na mesma fundição, dispostos a malhar o ferro frio. A pretexto do bem alheio, o extremado se agarra à primeira “solução”, ainda que sem base científica ou coerência elementar.

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Uma coisa que me incomoda cada vez mais na Esquerda, da qual já fui simpático mas a cada crepúsculo me afasto mais: tudo para eles é sempre uma “luta.” Ô, desgraça! Eleitos, o trabalho vira “lutar contra as injustiças” a terceiros, num ponto em que deixam de enxergar as coisas como são, apostando que os outros serão gratos pela dedicação. Claro que a bancada de vereadores do PT apoiou o projeto da colega.

Às vezes o ponto de fundição é tão difícil que me pergunto se “o interminável ‘trabalho’ de salvar o outro não seria a salvação do salvador”, entende?

“Às vezes o ponto de fundição é tão difícil que me pergunto se o interminável trabalho de salvar o outro não seria a salvação do salvador, entende?”

Uma questão complexa, doída como a doença mental, exige razão e sensibilidade.

A chamada “luta antimanicomial” surgiu nos anos 1970, quando o psiquiatra Franco Basaglia resolveu fazer mudanças no tratamento dos pacientes. Supostamente cansado de ficar olhando águas paradas, o veneziano observou “que a internação e o isolamento agravavam a condição dos pacientes.” O ideal para ele era que a família e a sociedade assimilassem os doentes em seu convívio e que se fechassem os manicômios.

Naquela época manicômios eram depósitos de gente sem serventia produtiva. Asilos de Alienados. Desde então esse entendimento mudou. Manicômios deixaram de ser chamados pelo nome medieval. A arquitetura, também medieval, cedeu lugar a instalações menos hostis. Os tratamentos melhoraram. Manicômio (ou Hospício) virou Hospital, Casa de Repouso, este perfeito: todos precisamos de repouso de vez quando.

Robert de Niro em Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese: a loucura explode

O problema é concatenar uma solução entre a realidade e o ideal, ainda mais em tema de tão difícil equação. Em um mundo ideal, não haveria “loucos”. Na realidade, há. Na vida real, também nem sempre é possível a assimilação social da pessoa.

A “luta antimanicomial” só existe na cabeça da Esquerda, sempre pronta a erguer uma bandeira pelos mais “fracos”, usando, neste caso, argumentos simplistas e batidos.

Para ter ideia da complexidade: quando abandona o mundo do qual fazia parte, o esquizofrênico tenta “resolver seu problema.” Uma necessidade psicológica, às vezes associada ao desequilíbrio químico cerebral, o move para um universo só seu, do qual é difícil voltar. Por enigmático, seu refúgio é uma questão de razão e sensibilidade.

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Alguns psiquiatras com quem falei confirmam: os tratamentos evoluíram e a reinserção dos pacientes hoje é maior, embora não perfeita. Mas enfatizam: nem sempre é possível. Infelizmente.

Pelo dito acima, um “Dia do Orgulho Louco” é pior que uma grosseria. É uma ideia imatura, um panfleto. É também uma insensibilidade.

Jornalista e escritor. Editor do Amigos de Pelotas. Ex Senado, MEC e Correio Braziliense. Foi editor-executivo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Atuou como consultor da Unesco e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Uma vez ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo, é autor dos livros Onde tudo isso vai parar e O fator animal, publicados pela Editora Lumina, de Porto Alegre. Em São Paulo, foi editor free-lancer na Editora Abril.

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Brasil e mundo

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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Cultura e entretenimento

O perigo das Gagas da vida

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Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

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A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

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