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A polêmica suscitada pela postagem do jogador Maurício questionando o beijo gay do filho do super-homem me fez lembrar de um filme do ano 2000: Billy Elliot. De repente, me caiu a ficha. Fui ver melhor o que disse Maurício. Diz que não foi homofóbico. Vítima de preconceitos de formação, ível em parte de compreensão, mas foi sim: homofóbico.
Fui pensar mais um pouco e entendi que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, existe o limite da dignidade humana. Se questiona beijo gay, não importa a circunstância, está dizendo que não aceita gays.
Muitos liberais o defenderam, dizendo que Maurício fez uma crítica à política identitária, segundo eles, um movimento mundial que tenta impor identidades de minoria para a maioria. A política identitária seria um modo de a esquerda, ante a impossibilidade de uma revolução armada, fazê-la por dentro, minando valores predominantes na sociedade. Maurício foi mais básico: medo da influência do beijo gay em seus filhos pequenos.
Há um paradoxo na tese dos críticos da política identitária. Lembre: para os liberais, “a liberdade econômica é a mãe de todas as liberdades”. Pois bem. Em Billy Elliot, história de um menino inglês que resolve dançar balé, esse entendimento é posto à prova, assim como a tese da política identitária.
O pai de Billy, carvoeiro em uma das tantas minas em que a economia inglesa sindicalizada baseava sua riqueza, é contra o filho dançar balé. Ele trabalha numa mina de carvão, assim como o irmão de Billy, um destino inescapável. É uma vida de escravidão econômica: insalubre, danosa ao meio ambiente, sem perspectiva.
Vivem de extrair commodity, bem de origem primária que pode existir em qualquer lugar, uma riqueza natural que não favorece a criatividade e não expande as possibilidades econômicas e humanas. Ganham uma miséria para fazer um trabalho que lhes corrói os pulmões e abrevia a vida.
Billy não quer seguir a vida do pai. Tem um talento inesperado: gosta de dançar, atividade “incerta” para ganhar a vida. Pai e irmão não aprovam o balé, que, no íntimo, não consideram “coisa de homem”. Nunca verbalizam isso, mas fica claro que pensam assim. Ocorre que a paixão do garoto pela dança é mais forte. Ele não quer minerar, quer dançar. No fim, seu desejo acaba se impondo, ao ponto de pai e irmão o entenderem e aprovarem.
O filme foi rodado dez anos depois de encerrado o governo da primeira-ministra Margareth Thatcher (1979-1990), defensora tão ferrenha do Liberalismo que ganhou o apelido de Dama de Ferro. O choque de Liberalismo promovido por Thatcher mudou a face da Inglaterra, despertando os ingleses para modos produtivos de vida mais criativos que viver de extrair um bem natural das profundezas da Terra. Com ela, a Inglaterra deu um salto de autoconfiança.
Em Billy Elliot a questão da sexualidade está presente. Mas não é um filme sobre sexualidade. É mais. É um filme sobre o bem maior do ser humano: a LIBERDADE. Justamente o maior ativo defendido pelos autênticos liberais, inclusive pelos que defendem Maurício, daí o paradoxo e o furo na defesa do atleta.
Liberdade é liberdade: as pessoas devem ter não apenas o direito de ser o que são, mas o dever, como Thatcher pregou e convenceu. Não se trata de ter opinião sobre algo, mas sim de respeitar a condição da pessoa em todas as suas nuances.
Na última cena do filme vemos o pai e o irmão de Billy na plateia do teatro em que este, agora adulto, vai dançar. Homens com aparência sofrida de carvoeiros que desciam para a escuridão das minas. Quando Billy adentra a ribalta, o pai, emocionado, engole em seco.
O filme termina com Billy no ar, após um salto de cisne.
Thatcher deve ter aplaudido. Tudo que ela desejou para a Inglaterra, e conseguiu, está simbolizado no salto de Billy. Triunfo da liberdade sobre as limitações. Vitória do espírito criativo sobre a acomodação.