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Brasil e mundo

Embolou o meio de campo. Por Geraldo Hasse

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Apareceram recentemente na mídia alguns especialistas — antes pouco visíveis — no estudo das Forças Armadas, cujo humor costuma ser medido a partir de algum resmungo de um almirante, um brigadeiro ou um general.

Depois de alguma declaração atemorizante de um alto oficial sobre isso ou aquilo, sucede-se um jogo de “não foi nada disso” e (nem) tudo volta ao que era antes nos quartéis.

Sem nenhuma movimentação de tropas, somente com palavras, as FA se mantêm ultrapresentes no cenário político como apoiadoras, fiadoras, participantes e/ou beneficiárias do governo eleito em 2018.

Não surpreende que muitos analistas falem do risco de um golpe militar para manter Jair Bolsonaro e/ou Hamilton Mourão no poder a partir de 2023. Com ou sem eleições, o que estaria por trás desse jogo seria o chamado Partido Militar.

Tudo parece possível, mas está faltando uma análise sociológica do panorama político. Ou, seja, como chegamos a isso que aí está: um ex-militar desclassificado na presidência, depois de um jurista (Temer), uma economista (Dilma), um dirigente sindical (Lula), um professor de sociologia (FHC), um playboy alagoano (Collor), um político mineiro (Itamar), um prócer maranhense (Sarney)… Em resumo, depois de sete civis, elege-se um ex-milico sem noção do que deve ser um governo democrático.  E ninguém sabe como sairemos dessa sinuca, já que os responsáveis pelo poder constitucional parecem amedrontados.

A única possibilidade imediata de extirpar o mal pela raiz está nas mãos do Senado, que pode encaminhar um processo de impedimento do presidente, mas a credibilidade do parlamento é tão baixa que, mesmo contando com o apoio do Judiciário, é possível que a proposta de impicho não seja aprovada.

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Além disso, por cima de tudo, há a incógnita das Forças Armadas, que foram cooptadas e estão acumpliciadas ao governo em sua incrível marcha para detonar as bases da democracia e desmanchar os direitos das maiorias em benefício de detentores de privilégios históricos.

Falta ainda dimensionar a terrível aliança que se formou entre militares e políticos — o presidente Jair Bolsonaro atua nas duas categorias, embora tenha sido expulso do Exército –, secundados por religiosos e milicianos atuantes em largas periferias urbanas.

Embora sejam recentes, essas parcerias sinistras têm raízes históricas e trazem até nossos dias um grau altíssimo de predisposição à violência contra os cidadãos indefesos e as comunidades desassistidas. Desde os tempos coloniais há uma tolerância com a violência dos coronéis rurais contra os camponeses, dos policiais contra o povo humilde e dos patrões urbanos sobre empregados (as).

O escritor Graciliano Ramos reclamou dos “amarelos” fardados em suas obras de ficção; João Ubaldo Ribeiro também mexeu nesse angu em seu romance Sargento Getúlio, mas a cultura da violência e a tolerância com a truculência se agravaram nos últimos 50 anos.

Uma ponta desse processo apareceu surpreendentemente no livro Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior, premiado como o melhor romance brasileiro de 2020.  É uma história de quilombolas que se a no interior da Bahia.

O Esquadrão da Morte mantido por policiais civis e o DOI-Codi militar aprofundaram a prática de crimes hediondos como torturas, sequestros e desaparecimentos “perdoados” pela Anistia de 1979 — até que a eleição de Bolsonaro veio como que para “legalizar” a exceção vigente. Aparentemente, estamos a um o da baderna sob tutela militar. A quem interessa?

É um quadro similar ao da ditadura, mas agravado pela ascensão do milicianismo, fenômeno que está a exigir uma investigação profunda desde antes da intervenção militar decretada no Rio pelo presidente Michel Temer. Nem mesmo o Exército conseguiu inibir esse segmento armado e ativo à margem das leis ou em substituição a leis não observadas pelas autoridades competentes.

Até agora ninguém desvendou o alcance, a envergadura e a profundidade desse exército privado atuante abertamente no RJ e presente também em outros estados com assustadora liberdade. A quem interessa essa proliferação desses jagunços urbanos que aram a trabalhar na ilegalidade e até na clandestinidade?

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Segundo consta, muitos dos seus quadros, especialmente os chefes, seriam egressos das Forças Armadas e das polícias militares e civis, das quais foram excluídos por mau comportamento – caso do atual presidente.

Esses ex-militares aram a operar com serviços de proteção a comerciantes (nome brando do achaque trivial), da chantagem armada, incluindo distribuição de drogas, venda de GLP e sinal de TV. Assim se tornaram “donos” de bairros em que os serviços públicos não estão presentes ou funcionam mal.

Esse sistema de privatização montado à sombra de esquadrões da morte reivindica os mesmos direitos operacionais de empreiteiros e outros empresários que manipulam concorrências, tocam obras públicas com sobrepreço e/ou aditivos escorchantes, sonegam impostos e praticam lobby, conchavo, propina, suborno e conspiração em conluio com funcionários públicos e parlamentares.

Se os grandes podem, por que os milicianos não poderiam impor regras e taxas às comunidades desservidas pelo Estado? Essa é a pergunta-base de suas operações.

Lembram-se dos versos de Chico Buarque falando das “tenebrosas transações” feitas pelos “pigmeus do bulevar”? Vai ar, dizia o poeta, mas o que se ou foi o aumento da impunidade.

No fundo, os milicianos pretendem ser impunes como os empresários privilegiados do nosso capitalismo periférico protegido por um sistema político dominado pelo dinheiro.

Tornou-se lamentavelmente real a frase-piada do humorista Barão de Itararé: “Restaure-se a moralidade ou nos locupletemos todos”.

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A liberdade sagrada das redes

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Noutro dia escrevi um texto sobre a cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem, responsabilizando parcialmente as novas tecnologias de comunicação. Disse: “Se por um lado as tecnologias deram voz à sociedade, por outro, nos têm distraído da concretude do mundo, de interação mais hostil, levando-nos a viver em mundos paralelos”. E: “No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades, mas sim no mundo virtual, um refúgio, retroalimentado pelo algoritmo, onde não há frustrações, mas sim gratificações instantâneas”. Bem, esse é um lado da questão. E não é novo.

Desde Freud se sabe que, diante do trauma, a criança dissocia-se para á-lo, refugiando-se na neurose, uma estratégia de defesa. Pois, assim como a criança abalada pelo trauma, as pessoas, diante das escalabrosidades do mundo concreto, fazem igual: elas podem se retirar para o mundo virtual, guardando, daquele, uma distância.

O outro lado da questão, o reverso da moeda, é que, sem as novas tecnologias de comunicação, a voz traumatizada da sociedade permaneceria atravessada na garganta, sem chance de extravasar-se.

A possibilidade de expressão liberou uma carga de justos ressentimentos contra os limites da política, as injustiças, o teatro social. De súbito, tivemos uma ideia do tamanho da insatisfação com os sistemas de vida, ando publicamente a protestar, em alguns casos chegando à revolução, como ocorreu na Primavera Árabe, onde as redes sociais cumpriram um papel fundamental.

Pois não é por outra razão que os donos do antigo mundo estão incomodados e querem controlar a liberdade de expressão, especialmente a velha imprensa, os monopólios empresariais, os sistemas políticos totalitários. Enfim, todos aqueles para quem a internet e as redes sociais ameaçam seu poder, ao por de pernas pro ar as certezas convenientes sobre as quais se assentaram.

Fato. As inovações desarranjam os mercados e os modos de vida. Toda inovação faz isso. É o preço do progresso. Mas, assim como é impossível voltar ao tempo do telégrafo (imagine o desespero nas Bolsas de Valores), é impensável retroagir ao mundo exclusivo da prensa de Gutenberg. Porque as descobertas, afinal, permitem avançar nos arranjos produtivos: propiciam economia de tempo, dinheiro e, no caso da comunicação, ampliam a liberdade, seu bem mais precioso. Pode-se dizer que não estávamos preparados para tanta liberdade súbita, e que venhamos, neste momento, usando-a “mal”. Contudo, parece razoável dizer que, à medida que o tempo e, estaremos mais e mais preparados para lidar com a liberdade e seus efeitos.

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Com todos os defeitos que a vida tem, é preferível mil vezes, ao controle da palavra, a liberdade de dizê-la. Quem pode afirmar (ou julgar) o que é verdadeiro e o que é falso, senão as pessoas mesmas, em última análise, de acordo com suas percepções e as pedras em seus sapatos? Pois hoje, depois de provarmos a liberdade trazida pelas novas tecnologias, mais do que nunca sabemos que a imprensa, em sua mediação da realidade, é falha, e como o é!

É interessante (e triste) ver como, após a criação da internet e das redes, grande parte da imprensa, ao perder o monopólio da verdade, se vêm tornando excessivamente opinativa e crítica das novas tecnologias. Deveria, sim, era aprimorar-se no trabalho para prestá-lo melhor. Acontece que — eis o ponto — como a velha imprensa não é livre de fato, como depende do financiador, muitas vezes de governos, ela vê nas novas tecnologias de ampla liberdade uma ameaça à velha cadeia de produção acostumada a filtrar o que valia ser dito, e o que não valia, em seu óbvio interesse, hoje nu, como o rei da história.

Além de tudo, há essa coisa interessante: a percepção. Para alguns pensadores do novo mundo, o que chamamos de realidade é uma simulação, no que concordo. Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros, paladares etc. não existem no mundo concreto (são imateriais), sendo portanto simulações percebidas pelos sentidos (pessoas veem cores em diferentes matizes, quando não divergentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado exclusivo dos nossos sentidos. Assim, a única coisa real seria a razão. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. “Penso, logo existo”.

Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos com que amos o mundo concreto, estando entrelaçados, não haveria diferença entre eles. Logo, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor. Eu acredito que é assim.

Uma vez provadas as inovações, não é possível retroagir. Podemos, isso sim, é refinar, em decorrência delas, o nosso comportamento.

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Vivendo em mundos paralelos

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Algo mudou na relação entre o jornalismo e os pelotenses. Até por volta de 2015, havia um marcado interesse nos assuntos da cidade. Um mero buraco, e nem precisava ser o negro, despertava vívida atenção. Agora já ninguém dá a mínima. Nem mesmo se o buraco for um rombo fruto de corrupção numa área de vida e morte, como a de saúde. O valor da notícia sofreu uma erosão nas percepções. Não é uma situação local, mas, arrisco dizer, do mundo.

Vem ocorrendo uma cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem. Um corte entre elas e a vida social. O espaço, que no ado era público, já hoje parece ser de ninguém.

A responsabilidade parcial disso parece, curiosamente, ser das novas tecnologias de comunicação. Se por um lado elas deram voz à sociedade como um todo, por outro, ao igualmente darem amplo o ao mundo virtual, elas nos têm distraído da concretude do mundo, de interação sempre mais hostil — distraído, enfim, da realidade mesma, propiciando que vivamos em mundos paralelos.

Outra razão é que, no essencial, nada muda em nossa realidade. Isso ficou mais evidente porque as redes sociais deram vazão, sem os filtros editoriais da imprensa, a um volume de problemas reais maior do que o que era noticiado. Se antes já havia demora nas soluções, essa percepção foi multiplicada pelo crescente número de denúncias feitas nas redes pelos próprios cidadãos. Os problemas que dizem respeito à coletividade se avolumam sem solução a contento, desconsolando e fatigando a vida.

Como a dinâmica da cidade (e da realidade) não responde como deveria, eis o ponto, estamos buscando reparações no ambiente virtual, sensitivamente mais recompensador, além de disponível na palma da mão.

No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades. Estamos habitando no mundo virtual, onde não há frustrações, mas sim gratificação instantânea. Andamos absortos demais em nossa vida. Abduzidos por temas de exclusivo interesse pessoal, retroalimentados minuto a minuto pelo algoritmo.

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Antes vivíamos num mundo de trocas diretas entre as pessoas. Hoje habitamos numa nuvem, no cyber-espaço. Andamos parecendo cada dia mais com Thomas Anderson, protagonista do filme Matrix. Conectado por cabos a um imenso sistema de computadores do futuro, ele vive literalmente em uma realidade paralela. Isso dá

Para complicar tudo, há pensadores para quem a realidade é uma simulação.

Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros etc. não existem no mundo concreto, mas são simulações percebidas pelo nosso corpo (pessoas veem as cores em diferentes tons, quando não em diferentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado dos nossos sentidos.

Assim, a única coisa real seria a razão, quer dizer, o modo como processamos aquelas percepções dos sentidos. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos que amos o concreto, não haveria diferença entre eles.

Segundo aqueles pensadores, como o mundo virtual está entrelaçado com o mundo concreto, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor.

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