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Por Renato Sant’Ana *
Viviam as galinhas em estado de pleno contentamento, embora, para elas,
a tela do imenso galinheiro fosse intransponível.
E eram a tal ponto agradecidas ao dono da granja (senhor da abundância e
da estabilidade) que a mínima reclamação pronunciada por qualquer
indivíduo era vista como ingratidão, leviandade e insubordinação que o
coletivo das aves apressava-se em reprimir e retificar.
“Louvado seja aquele que nos dá a ração de cada dia e nos protege contra
os ataques das raposas!”, repetiam de hora em hora, como quem dedica a
Deus uma prece.
Liberdade não era assunto de que se ocupavam. E se tivessem um cérebro
que não fosse de galinha, teriam justificado tal desinteresse alegando
que semelhante divagação, sem nenhum sentido prático, seria veleidade
própria das almas frívolas.
Suas mentes obtusas e, por isso mesmo, submissas, eram incapazes de
conceber qualquer objetivo que transcendesse as funções naturais de
sobreviver e de se reproduzir.
Jamais ousaram, por conseguinte, dar asas à imaginação e cogitar acerca
do mundo para além da estreiteza em que viviam.
Corriam os dias. Somavam-se as estações. Enquanto havia a luz do Sol,
elas ciscavam, como fazem todas as galinhas. Às primeiras sombras da
noite, guiadas por uma visão muito limitada, subiam aos poleiros,
adormeciam e aguardavam que a natureza trouxesse de volta a claridade.
E era assim, alheias ao infausto destino traçado para elas pelo
granjeiro, que aquelas aves domésticas permitiam a vida escoar-se gota a
gota, enquanto, como convinha ao seu dono, elas engordavam sem parar.
Renato Sant’Ana é Advogado e Psicólogo.
E-mail sentinela.rs@uol.com.br
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