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O negacionismo, o gatopardismo e o transicionismo 6p32f

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Boaventura dos Santos *

A pandemia do novo coronavírus veio pôr em causa muitas das certezas políticas que pareciam consolidadas nos últimos quarenta anos, sobretudo no chamado Norte global.

As principais certezas eram:

  • o triunfo final do capitalismo sobre o seu grande concorrente histórico;
  • o socialismo soviético;
  • a prioridade dos mercados na regulação da vida não só económica como social, com a consequente privatização e desregulação da economia, das políticas sociais;
  • a redução do papel do Estado na regulação da vida coletiva;
  • a globalização da economia assente nas vantagens comparativas na produção e distribuição;
  • a brutal flexibilização (precarização) das relações de trabalho, como condição para o aumento do emprego e o crescimento da economia. No seu conjunto, estas certezas constituíam a ordem neoliberal.

Esta ordem alimentava-se da desordem na vida das pessoas, sobretudo das que chegaram à vida adulta durante estas décadas. Basta recordar que a geração dos jovens que entrou no mercado de trabalho na primeira década de 2000 já conheceu duas crises económicas, a de 2008 e a atual crise decorrente da pandemia.

Mas a pandemia significou muito mais que isso. Mostrou, nomeadamente:

  • que é o Estado (e não os mercados) que pode proteger a vida dos cidadãos; que a globalização pode colocar em perigo a sobrevivência dos cidadãos se cada país não produzir os bens essenciais;
  • que os trabalhadores com empregos precários são os mais atingidos por não terem qualquer fonte de rendimento ou proteção social quando o emprego termina, uma experiência que o Sul global conhece há muito;
  • que as alternativas sociais-democratas e socialistas voltaram à imaginação de muitos, não só porque a destruição ecológica causada pela expansão infinita do capitalismo atingiu limites extremos, como porque, afinal, os países que não privatizaram nem descapitalizaram os seus laboratórios parecem ter sido os mais eficazes na produção e mais justos na distribuição de vacinas (Rússia e China).

Não ira que os analistas financeiros ao serviço dos que criaram a ordem neoliberal prevejam agora que estamos a entrar numa nova era, a era da desordem. Compreende-se que assim seja uma vez que não sabem imaginar nada fora do catecismo neoliberal. O diagnóstico que fazem é muito lúcido e as preocupações que revelam são reais.

Vejamos alguns dos seus traços principais: os salários dos trabalhadores no Norte global estagnaram nos últimos trinta anos e as desigualdades sociais não cessaram de aumentar. A pandemia veio agravar a situação e é muito provável que dê azo a muita agitação social. Neste período, houve, de fato, uma luta de classes dos ricos contra os pobres e a resistência dos até agora derrotados pode surgir a qualquer momento.

Os impérios em fase final de declínio tendem a escolher figuras caricaturais, sejam elas Boris Johnson na Inglaterra ou Donald Trump nos EUA, que apenas aceleram o fim.

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A dívida externa de muitos países em resultado da pandemia será impagável e insustentável e os mercados financeiros não parecem ter consciência disso. O mesmo sucederá com o endividamento das famílias, sobretudo de classe média, já que foi este o único recurso que tiveram para manter um certo nível de vida.

Alguns países escolheram o caminho fácil do turismo internacional (hotelaria e restauração), uma atividade por excelência presencial que vai sofrer de incerteza permanente.

A China acelerou a sua caminhada para voltar a ser a primeira economia do mundo, como foi durante séculos até ao início do século XIX.

A segunda onda de globalização capitalista (1980-2020) chegou ao fim e não se sabe o que vem depois.

A época da privatização das políticas sociais (nomeadamente, da medicina) com largas perspectivas de lucro parece ter chegado ao fim.

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A liberdade sagrada das redes 3f2n1p

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Noutro dia escrevi um texto sobre a cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem, responsabilizando parcialmente as novas tecnologias de comunicação. Disse: “Se por um lado as tecnologias deram voz à sociedade, por outro, nos têm distraído da concretude do mundo, de interação mais hostil, levando-nos a viver em mundos paralelos”. E: “No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades, mas sim no mundo virtual, um refúgio, retroalimentado pelo algoritmo, onde não há frustrações, mas sim gratificações instantâneas”. Bem, esse é um lado da questão. E não é novo.

Desde Freud se sabe que, diante do trauma, a criança dissocia-se para á-lo, refugiando-se na neurose, uma estratégia de defesa. Pois, assim como a criança abalada pelo trauma, as pessoas, diante das escalabrosidades do mundo concreto, fazem igual: elas podem se retirar para o mundo virtual, guardando, daquele, uma distância.

O outro lado da questão, o reverso da moeda, é que, sem as novas tecnologias de comunicação, a voz traumatizada da sociedade permaneceria atravessada na garganta, sem chance de extravasar-se.

A possibilidade de expressão liberou uma carga de justos ressentimentos contra os limites da política, as injustiças, o teatro social. De súbito, tivemos uma ideia do tamanho da insatisfação com os sistemas de vida, ando publicamente a protestar, em alguns casos chegando à revolução, como ocorreu na Primavera Árabe, onde as redes sociais cumpriram um papel fundamental.

Pois não é por outra razão que os donos do antigo mundo estão incomodados e querem controlar a liberdade de expressão, especialmente a velha imprensa, os monopólios empresariais, os sistemas políticos totalitários. Enfim, todos aqueles para quem a internet e as redes sociais ameaçam seu poder, ao por de pernas pro ar as certezas convenientes sobre as quais se assentaram.

Fato. As inovações desarranjam os mercados e os modos de vida. Toda inovação faz isso. É o preço do progresso. Mas, assim como é impossível voltar ao tempo do telégrafo (imagine o desespero nas Bolsas de Valores), é impensável retroagir ao mundo exclusivo da prensa de Gutenberg. Porque as descobertas, afinal, permitem avançar nos arranjos produtivos: propiciam economia de tempo, dinheiro e, no caso da comunicação, ampliam a liberdade, seu bem mais precioso. Pode-se dizer que não estávamos preparados para tanta liberdade súbita, e que venhamos, neste momento, usando-a “mal”. Contudo, parece razoável dizer que, à medida que o tempo e, estaremos mais e mais preparados para lidar com a liberdade e seus efeitos.

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Com todos os defeitos que a vida tem, é preferível mil vezes, ao controle da palavra, a liberdade de dizê-la. Quem pode afirmar (ou julgar) o que é verdadeiro e o que é falso, senão as pessoas mesmas, em última análise, de acordo com suas percepções e as pedras em seus sapatos? Pois hoje, depois de provarmos a liberdade trazida pelas novas tecnologias, mais do que nunca sabemos que a imprensa, em sua mediação da realidade, é falha, e como o é!

É interessante (e triste) ver como, após a criação da internet e das redes, grande parte da imprensa, ao perder o monopólio da verdade, se vêm tornando excessivamente opinativa e crítica das novas tecnologias. Deveria, sim, era aprimorar-se no trabalho para prestá-lo melhor. Acontece que — eis o ponto — como a velha imprensa não é livre de fato, como depende do financiador, muitas vezes de governos, ela vê nas novas tecnologias de ampla liberdade uma ameaça à velha cadeia de produção acostumada a filtrar o que valia ser dito, e o que não valia, em seu óbvio interesse, hoje nu, como o rei da história.

Além de tudo, há essa coisa interessante: a percepção. Para alguns pensadores do novo mundo, o que chamamos de realidade é uma simulação, no que concordo. Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros, paladares etc. não existem no mundo concreto (são imateriais), sendo portanto simulações percebidas pelos sentidos (pessoas veem cores em diferentes matizes, quando não divergentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado exclusivo dos nossos sentidos. Assim, a única coisa real seria a razão. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. “Penso, logo existo”.

Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos com que amos o mundo concreto, estando entrelaçados, não haveria diferença entre eles. Logo, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor. Eu acredito que é assim.

Uma vez provadas as inovações, não é possível retroagir. Podemos, isso sim, é refinar, em decorrência delas, o nosso comportamento.

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Vivendo em mundos paralelos 5z181m

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Algo mudou na relação entre o jornalismo e os pelotenses. Até por volta de 2015, havia um marcado interesse nos assuntos da cidade. Um mero buraco, e nem precisava ser o negro, despertava vívida atenção. Agora já ninguém dá a mínima. Nem mesmo se o buraco for um rombo fruto de corrupção numa área de vida e morte, como a de saúde. O valor da notícia sofreu uma erosão nas percepções. Não é uma situação local, mas, arrisco dizer, do mundo.

Vem ocorrendo uma cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem. Um corte entre elas e a vida social. O espaço, que no ado era público, já hoje parece ser de ninguém.

A responsabilidade parcial disso parece, curiosamente, ser das novas tecnologias de comunicação. Se por um lado elas deram voz à sociedade como um todo, por outro, ao igualmente darem amplo o ao mundo virtual, elas nos têm distraído da concretude do mundo, de interação sempre mais hostil — distraído, enfim, da realidade mesma, propiciando que vivamos em mundos paralelos.

Outra razão é que, no essencial, nada muda em nossa realidade. Isso ficou mais evidente porque as redes sociais deram vazão, sem os filtros editoriais da imprensa, a um volume de problemas reais maior do que o que era noticiado. Se antes já havia demora nas soluções, essa percepção foi multiplicada pelo crescente número de denúncias feitas nas redes pelos próprios cidadãos. Os problemas que dizem respeito à coletividade se avolumam sem solução a contento, desconsolando e fatigando a vida.

Como a dinâmica da cidade (e da realidade) não responde como deveria, eis o ponto, estamos buscando reparações no ambiente virtual, sensitivamente mais recompensador, além de disponível na palma da mão.

No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades. Estamos habitando no mundo virtual, onde não há frustrações, mas sim gratificação instantânea. Andamos absortos demais em nossa vida. Abduzidos por temas de exclusivo interesse pessoal, retroalimentados minuto a minuto pelo algoritmo.

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Antes vivíamos num mundo de trocas diretas entre as pessoas. Hoje habitamos numa nuvem, no cyber-espaço. Andamos parecendo cada dia mais com Thomas Anderson, protagonista do filme Matrix. Conectado por cabos a um imenso sistema de computadores do futuro, ele vive literalmente em uma realidade paralela. Isso dá

Para complicar tudo, há pensadores para quem a realidade é uma simulação.

Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros etc. não existem no mundo concreto, mas são simulações percebidas pelo nosso corpo (pessoas veem as cores em diferentes tons, quando não em diferentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado dos nossos sentidos.

Assim, a única coisa real seria a razão, quer dizer, o modo como processamos aquelas percepções dos sentidos. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos que amos o concreto, não haveria diferença entre eles.

Segundo aqueles pensadores, como o mundo virtual está entrelaçado com o mundo concreto, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor.

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