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Cultura e entretenimento

ESTOU PENSANDO EM ACABAR COM TUDO

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Roteirista responsável pelo meu filme favorito, Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, dirigido por Michel Gondry, Charlie Kaufman também escreveu os roteiros de Quero Ser John Malkovich e Adaptação, ambos de Spike Jonze, e Confissões de uma Mente Perigosa, de George Clooney.

Além de escrever, Kaufman se arriscou na direção em Sinédoque, Nova York, na animação Anomalisa e em Estou Pensando em Acabar com Tudo, seu mais recente lançamento, disponível no Netflix.  

Adaptado do romance de Ian Reid, o filme conta a história de uma jovem (Jessie Buckley) que acompanha o namorado Jake (Jesse Plemons) em uma viagem para conhecer os pais dele (Toni Collette e David Thewlis). A jovem pensa em terminar o namoro de seis semanas, mas ainda assim aceita viajar no meio de uma tempestade de neve para conhecer os sogros.  

 

É evidente que a intenção da narrativa é que o espectador se concentre em todos os pensamentos da jovem, que ecoam pela narração. Em certos momentos, Jake pergunta o que ela havia dito, sendo que suas palavras foram apenas em pensamento.

O filme não desenvolve apenas os devaneios de uma mente ansiosa para acabar com um relacionamento. É também um mergulho na mente humana. A compreensão da história vem aos poucos, como se cada diálogo ou cada olhar fosse necessário para o entendimento do que está realmente acontecendo. A interpretação, aliás, pode chegar das formas mais variadas.

Com a neve que cai torrencialmente na estrada, Charlie Kaufman cria um cenário de angústia e mistério dentro de sua ótica excêntrica.

A perplexidade do espectador com o decorrer da trama não se dá apenas pelo texto, mas também pelo fato de que penteados, roupas, nomes e, principalmente, personalidades vão se alterando a cada nova sequência. Além disso, os personagens percorrem ado, presente e futuro diante de nossos olhos em mudanças drásticas de fisionomia.

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Não demora muito para percebermos alguma estranheza, e por que não, uma suspeita no personagem do zelador que trabalha em uma escola, na qual as cenas são inseridas aleatoriamente na trama.  

O ambiente hostil, frio e sombrio, criado através de uma fotografia cinza e escura, além do cenário claustrofóbico, entrega performances propositalmente exageradas e sem conexão afetiva.

A ausência de química entre o casal principal torna as longas tomadas de conversa desconcertantes, assim como a embaraçosa cena do jantar.

Seja na montagem, que repete planos e cortes estranhos, no som que muda de um corte para outro, ou em diálogos que am por diversos assuntos e, na maioria das vezes, que não fazem o mínimo sentido, tudo é feito para que o público busque por respostas a cada novo detalhe.  

Atuações impressionantes, uma narrativa simples e surpreendente e diálogos intensos fazem com que o filme entregue uma incrível loucura visual sobre luto, velhice, esperança, o poder da memória e outras reflexões e metáforas que precisam de tempo para serem digeridas. Uma obra impecável nos mínimos detalhes.

Produção com o selo original Netflix, Estou Pensando em Acabar com Tudo não corresponde às produções comerciais da plataforma. Certamente, não é para todos os públicos e vai atingir cada um de uma forma única.

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Sempre genial, Charlie Kaufman mais uma vez usa as lembranças como fio condutor, transitando entre a comédia romântica e o suspense psicológico em uma jornada surrealista, insana e até teatral, com um resultado absolutamente interpretativo.

Déborah Schmidt é formada em istração e servidora

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Brasil e mundo

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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Cultura e entretenimento

O perigo das Gagas da vida

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Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

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A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

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