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Brasil e mundo

“O arremedo tributário do Governo Gaúcho”. Por Mateus Bandeira

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A reforma tributária proposta pelo Governo do Rio Grande do Sul está embalada por uma forte dose de maquiagem propagandística. Na prática, vai transformar o que deveria ser temporário em permanente, provando que, infelizmente, Milton Friedman tinha razão: “Não há nada tão permanente quanto um programa de governo temporário”

Poucas vezes a palavra maquiagem pôde ser empregada com tanta propriedade como no caso da reforma tributária proposta pelo governador gaúcho, Eduardo Leite. Prova de que o único departamento que funciona no Palácio Piratini é o da propaganda, que, neste caso, pode ser definida como “a arte de maquiar a realidade”.

Segundo o dicionário Houaiss, maquiar significa “alterar (algo) para encobrir uma realidade que se quer ocultar; mascarar”. O Rio Grande do Sul vive uma situação financeira periclitante, que requer solução profunda, estruturante e, talvez, impopular. Apesar disto, prestes a completar metade de seu mandato, o mandatário propõe uma reforma de impostos que cria a ilusão de melhor distribuir a carga tributária. Maquiagem.

Ninguém é obrigado, de antemão, a acreditar nesta minha conclusão. Por isto, aqui vão fatos e números despidos do ilusionismo propagandístico. Basta ler e concluir.

Não é bondade, é lei

O primeiro engodo na proposta tributária do Piratini é a aparente redução espontânea de carga do ICMS. A partir de 2021, a alíquota geral será reduzida de 18% para 17%, enquanto a taxação sobre gasolina, álcool, energia e telecomunicações cai de 30% para 25%. A redução é fato, mas nada tem de espontânea.

Breve histórico. Em 2016, o governador Ivo Sartori propôs aumentar temporariamente as referidas alíquotas do ICMS em 2017 e 2018. Diante da desastrosa situação fiscal gaúcha, com atraso nos salários do funcionalismo e sem caixa para realizar investimentos públicos, os deputados estaduais aquiesceram. A majoração temporária valeria por 2 anos.

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Governador eleito, em 2018 Leite pediu a renovação do aumento para 2019 e 2020. Novamente, a Assembleia Legislativa concordou. O temporário ou para 4 anos.

Relevante lembrar que o atual governador justificou seu pedido com uma frase muito repetida na campanha eleitoral: “Tudo é uma questão de fluxo de caixa”. Ou seja, a prorrogação do aumento seria temporária, com vistas apenas ao ajuste do “fluxo de caixa”.

Manobra frustrada

Diante destes fatos acima expostos, o que a lógica mais elementar indica? Caso o Piratini nada faça, a partir de 1º de janeiro de 2021 os gaúchos voltarão a pagar as alíquotas anteriores de ICMS, de 17% e 25%. Portanto, o governador não está propondo redução deste tributo, pois isto já é lei.

Mesmo assim, apesar da promessa de campanha, o governador tentou prolongar mais uma vez o temporário. Na primeira versão da proposta de reforma tributária, a intenção era uma redução escalonada: de 18% para 17,7% em 2021, 17,4% em 2022, 17% em 2023. O temporário duraria, então, 6 anos. A tentativa de engodo foi rechaçada pelos parlamentares, forçando o recuo do Governo.

Eis a primeira maquiagem. A reforma tributária não propõe redução de alíquota, pois esta redução já estava definida pela Assembleia Legislativa desde 2018. Caso os deputados estaduais não tivessem rechaçado a proposta inicial, o Piratini tentaria aprovar a alíquota acima dos 17%, descumprindo mais uma promessa de campanha.

Aumento virou compensação

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Ótimo, concluirá um marciano apressado e desconhecedor de aritmética. Os gaúchos vão ter alívio na carga tributária, apenas com “compensações” diante da bilionária queda de arrecadação. Nova maquiagem. Desta vez, com um neologismo: “aumento de impostos” virou “compensações”.

Para entender, novo e breve histórico. O retorno destas alíquotas de ICMS, hoje elevadas temporariamente, representará R$ 2,8 bilhões a menos nos cofres públicos gaúchos a cada ano. Uma perda gigantesca se o orçamento estivesse ajustado. Um desastre para as contas em pandarecos do Governo Estadual.

Por coerência desta análise, cabe frisar que o estado de falência em que vive o Rio Grande há anos não foi gerado por este governo. Os eleitores do Rio Grande elegeram em sequência governadores perdulários – honrosa exceção à ex-governadora Yeda Crusius -, sempre dispostos a criar despesas. Uma das mais perniciosas é o aumento de vencimentos do funcionalismo, pois significa contratar um gasto praticamente irredutível, já que servidores públicos são estáveis.

Isto não aconteceu só aqui no Rio Grande. Ao contrário, poucos governadores enfrentaram o crescente problema dos caixas estaduais – como fez com sucesso o Espírito Santo. Alguns estados, porém, estão em situação calamitosa, caso do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Sem cortes, resta aumentar tributos

No entanto, a atual gestão gaúcha, apesar das promessas de modernidade istrativa, até aqui pouco fez para enfrentar o mais importante: a insolvência das contas públicas.

O desafio do ajuste não está sendo encarado com seriedade. O governo até aqui se limitou a aumentar a contribuição previdenciária dos servidores públicos.

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Uma das alternativas mais evidentes, pois contaria com o aval do Governo Federal, é o RFF (Regime de Recuperação Fiscal).  O governador nada fez até o momento para se enquadrar nesta ajuda federal. A principal exigência do RFF é a venda do Banrisul, ativo mais valioso do Governo Gaúcho. Como se sabe, o governador é contra a venda do banco estadual. Mas, além disso, o Governo atrasou a alienação da CEEE, da Sulgás e da CRM, e não trata da extinção de estatais e fundações.

Ou seja, Eduardo Leite não quer cortar gastos. Se não se dispõe a reduzir despesas, precisa arrumar dinheiro em algum lugar. Sobra a alternativa de aumentar a receita por meio da cobrança de mais impostos – sem dúvida, a pior escolha. Como forma de dissimular o aumento de impostos, decidiu fazer de conta que vai simplificar o sistema tributário estadual. Outra maquiagem.

Até a cesta básica

A proposta de reforma tributária, ora nas mãos dos deputados estaduais, troca 6 por 1/2 dúzia. Diante da queda iminente de arrecadação, o governador pretende aumentar impostos de maneira enviesada.

Vai onerar o IPVA (3% para 3,5%) e cobrar dos proprietários de veículos com até 40 anos de fabricação (hoje, apenas veículos com até 20 anos de idade são taxados). Quem vai pagar a conta da incúria fiscal e istrativa do governador? Principalmente os menos favorecidos, que não podem comprar carros mais novos. Vale lembrar que muitos pequenos empreendedores e trabalhadores informais utilizam o veículo para o trabalho.

O mandatário, porém, foi além e propôs o aumento dos impostos sobre a cesta básica. Quem comprar arroz, feijão, açúcar e café será taxado em 17% contra os 7% atuais – aumento de 142%. Ovos e pão francês, alimentos essenciais para os menos abastados, cuja alíquota atual é 0%, pagarão 17%. Até o gás de cozinha vai pagar mais.

A erva-mate, cultura tradicionalíssima dos gaúchos, também será atingida pela sanha arrecadatória do Piratini. Dos 7% atuais, saltará para 17%.

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A fala mansa do morador do Palácio Piratini – sim, leitor, ele mora literalmente no Palácio – não deixou de lado sequer os medicamentos. Em meio à pandemia do coronavírus, os remédios vão amargar 142% de aumento de impostos.

A derrama de Leite

Esta derrama do Piratini faz lembrar o economista liberal Milton Friedman. “Não há nada tão permanente quanto um programa de governo temporário”, constatou. Ou seja, aprovado o pacote de Leite, o que deveria ser temporário vai perdurar todo o mandato. Serão 6 anos de “aumento temporário” de injusta e insana carga tributária.

O governador pode até justificar seu gesto diante da impossibilidade de abrir mão de R$ 2,8 bilhões de arrecadação por ano. Mas não pode tirar o corpo fora da continuidade do arrocho ao qual vai submeter os contribuintes gaúchos.

Como se recusa a privatizar e cortar gastos, assume como única alternativa para tentar contornar a crise fiscal o aumento da carga tributária. No mínimo, os gaúchos vão continuar pagando o que pagavam antes, embora de forma ainda mais injusta.

Tão deletério quanto um governante que não cumpre suas promessas é um governante que finge ser o que não é. Ao maquiar a reforma tributária, Eduardo Leite joga o problema para o futuro – triste sina gaúcha.

Aliás, um dos que o antecederam sabe bem o que o governador está fazendo. “Parole, parole, parole” foi a expressão cunhada pelo governador Ivo Sartori. A proposta do Piratini é um arremedo de reforma tributária, nada mais. Lástima que estas “palavras, palavras, palavras” são reproduzidas acriticamente pela maior parte da mídia gaúcha – e até nacional – ao tratar o pacote do Piratini sem a devida análise.

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A última esperança é a Assembleia Legislativa. Brevemente, quando o tarifaço entrar na pauta, os gaúchos saberão se a maquiagem tributária funcionou. Em setembro, os deputados estaduais vão dizer se aceitam mais um embuste tributário ou exigem do governador que cumpra o que prometeu em 2018.

Mateus Bandeira

* Mateus Bandeira é conselheiro de istração e consultor de empresas. Foi CEO da Falconi, presidente do Banrisul e secretário de Planejamento do RS.

    Mateus Bandeira é conselheiro de istração e consultor de empresas. Foi CEO da Falconi, presidente do Banrisul e secretário de Planejamento e Gestão do Rio Grande do Sul.

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    CCJ do Senado aprova fim da reeleição para cargos do Executivo

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    A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que acaba com a reeleição no Brasil para presidente, governadores e prefeitos foi aprovada, nesta quarta-feira (21), na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A PEC 12/2002 ainda aumenta os mandatos do Executivo, dos deputados e dos vereadores para cinco anos. Agora, o texto segue para análise do plenário do Senado.

    A PEC previa o aumento do mandato dos senadores de oito para dez anos, mas a CCJ decidiu reduzir o tempo para cinco anos, igual período dos demais cargos. A proposta ainda unifica as eleições no Brasil para que todos os cargos sejam disputados de uma única vez, a partir de 2034, acabando com eleições a cada dois anos, como ocorre hoje.

    A proposta prevê um período de transição para o fim da reeleição. Em 2026, as regras continuam as mesmas de hoje. Em 2028, os prefeitos candidatos poderão se reeleger pela última vez e os vencedores terão mandato estendido de seis anos. Isso para que todos os cargos coincidam na eleição de 2034.

    Em 2030, será a última eleição com possibilidade de reeleição para os governadores eleitos em 2026. Em 2034, não será mais permitida qualquer reeleição e os mandatos arão a ser de cinco anos.  

    Após críticas, o relator Marcelo Castro (MDB-PI) acatou a mudança sugerida para reduzir o mandato dos senadores.

    “A única coisa que mudou no meu relatório foi em relação ao mandato de senadores que estava com dez anos. Eu estava seguindo um padrão internacional, já que o mandato de senador sempre é mais extenso do que o mandato de deputado. Mas senti que a CCJ estava formando maioria para mandatos de cinco anos, então me rendi a isso”, explicou o parlamentar.

    Com isso, os senadores eleitos em 2030 terão mandato de nove anos para que, a partir de 2039, todos sejam eleitos para mandatos de cinco anos. A mudança também obriga os eleitores a elegerem os três senadores por estado de uma única vez. Atualmente, se elegem dois senadores em uma eleição e um senador no pleito seguinte.

    Os parlamentares argumentaram que a reeleição não tem feito bem ao Brasil, assim como votações a cada dois anos. Nenhum senador se manifestou contra o fim da reeleição.

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    O relator Marcelo Castro argumentou que o prefeito, governador ou presidente no cargo tem mais condições de concorrer, o que desequilibraria a disputa.

    A possibilidade de reeleição foi incluída no país no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1997, mudança que permitiu a reeleição do político em 1998.

    “Foi um malefício à istração pública do Brasil a introdução da reeleição, completamente contrária a toda a nossa tradição republicana. Acho que está mais do que na hora de colocarmos fim a esse mal”, argumentou Castro.

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    Um homem coerente

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    Eis um homem que irei pela absoluta coerência entre o que pensava e o modo como viveu. Um homem de esquerda que me fazia parar para ouvi-lo, porque o que dizia tinha solidez e fazia pensar.

    Não precisava concordar com ele para irá-lo. E sim: um homem de esquerda que nunca roubou. Foi uma pessoa rara. Eu diria, única.

    Vivia num sítio, dele de fato, com o essencial. Na companhia da mulher e de cachorros. Só tinha um defeito: andava em má companhia internacional. Talvez por um motivo humano. Para se sentir menos sozinho do que era. Menos prisioneiro de suas convicções.

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