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Opinião

Opinião livre: “O general e o médico”. Por Wagner Brito

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Por Wagner Brito

“Mandem chamar às pressas o Dr. Mário Magalhães?, ordena – seco – o general ministro da saúde. “Chega de ficarem falando que ele é comunista e perigoso. Perigo mesmo é estar cercado de analfabetos por todos lados”.

O ministro Aramis Ataíde vai ter que fazer uma conferencia em Genebra. Seus assessores não sabem por onde começar. Ouvem por todos os corredores que, sem dúvida nenhuma, o Dr. Mário é o mais preparado de todos sanitaristas da casa. É homem culto, muito bem informado e que conhece profundamente os problemas de saúde publica nacionais. Mas se trata de um marxista convicto e que dificilmente aceitará escrever pronunciamentos para um ministro general.

O ministro insiste, quer ser orientado pelo mais competente.

Consultam por telefone ao Dr. Mário. Este, irreverente, comenta com seus companheiros de sala:

– Chamaram o general para uma festinha e ele não quer fazer feio, quer que lhe prepare um discurso progressista, como se fosse um terninho moderno. Pensa que sou alfaiate e que, usando uma vestimenta nova, vai pousar de avançadinho. Mas vou lá, quero ver sua cara quando eu lhe disser como vejo este país.

Com seu terno de linho impecavelmente amarrotado, chega ao gabinete ministerial o sanitarista, causando mal-estar generalizado entre os assessores.

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OPINIÃO LIVRE (artigos p/ whats 9-9928-9097)

Muito sem jeito o ministro Aramis pigarreou e, dirigindo-se ao Dr. Mário, começou a contar que havia sido convidado, na qualidade de Ministro da Saúde, a representar o Brasil na Assembleia Mundial da Organização Mundial da Saúde em Genebra e que seus assessores diretos ainda não estavam totalmente familiarizados com as questões de saúde do país.

E, como o senhor sabe, um médico de caserna, como fui grande parte de minha vida, tem uma vivência muito limitada, que lhe dificulta entender as complexas e muito variadas questões que ocorrem na sociedade. Dessa forma, Dr. Mário, gostaríamos muito que o senhor nos ajudasse na elaboração deste importante pronunciamento. O gabinete dispõe de verbas especiais que podem ser utilizadas a critério do ministro e, sabendo que seu salário é inexpressivo, estamos dispostos a lhe dar uma razoável complementação extraordinária por cada trabalho que o senhor apresentar”

Deseducadamente, o doutor interrompeu o ministro-general, pouco acostumado a ser interrompido por subalternos, dizendo- lhe:

– Em primeiro lugar, não poderia aceitar nenhuma remuneração extra para fazer aquilo que sou pago para fazer. Como médico sanitarista do ministério, ganho para cuidar das questões da saúde. A má remuneração atinge todos servidores, como o senhor sabe ou deveria saber, e assim, como ministro, deveria se preocupar em buscar uma solução para todo o funcionalismo e não sair por aí promovendo distribuição de gorjetas para os mais achegados. Em segundo lugar, não sou um homem rico, mas se o senhor ministro se disp a falar exatamente o que eu escrever, eu é quem gostaria de lhe dar um dinheirinho.

Longo e pesado silêncio.

De repente, o ministro Aramis Ataíde começou a sorrir, levantou -se calmamente e se encaminhou na direção do Dr. Mário. Estendeu a mão e o abraçou afetivamente. Em seguida, disse estar muito comovido com sua integridade, com o total desprezo que ele demonstra pelo dinheiro e pela sua preocupação única de que suas ideias fossem veiculadas corretamente.

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Teve início, assim, uma duradora amizade, cheia de respeito, onde o ministro general ouviu muito, aprendeu bastante e se dignou a ser, com humildade e coragem, o veiculador oficial de importantes teses elaboradas pelo Dr. Mário Magalhães.

O resultado dessa curiosa e proveitosa parceria foi publicado pelo Ministério da Saúde em um, lamentavelmente, pouco conhecido livro intitulado Discursos proferidos pelo ministro Aramis Ataíde, que sem dúvida nenhuma é a Bíblia da Saúde Pública Brasileira. O trecho narrado acima encontra -se no prefácio do livro, Política Nacional de Saúde Pública, a trindade desvelada: economia-saúde-população, da Editora Revan.

Em muito menos de um século observa-se uma abissal diferença entre os homens públicos. A autoridade reconhecia suas limitações e procurava cercar-se de excelência. “Fazer feio” no exterior seria uma desonra para ser levada para o túmulo.

O gen. Aramis desejava proferir palestras embasadas cientificamente.

Já o general interino da saúde em 2020 não fica ruborizado por ter seu nome ao lado de mais de 100 mil mortos, não mexe um músculo da face ao prescrever tratamentos internacionalmente ignorados, pois inúteis. Assume ares professorais ao esgrimir números, dizendo que o que entendemos importante (as mortes) não é o mais importante e, sim, as ações que sabemos que ele não tomou e que teria salvo aqueles que (como diz a ciência) de qualquer forma teriam formas brandas da doença. Onde erramos?

Os erros percorrem as escolas públicas da periferia, am pelas particulares, chegam nas faculdades que formam legiões de analfabetos funcionais, e chegam nas escolas militares que formam indivíduos com este perfil ético e moral?

O primeiro general certamente conhecia o aforisma “Apelles e o sapateiro”, já o segundo, coitado, nasceu em 1963 nem sabe que hove um AI-5.

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    Brasil e mundo

    A liberdade sagrada das redes

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    Noutro dia escrevi um texto sobre a cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem, responsabilizando parcialmente as novas tecnologias de comunicação. Disse: “Se por um lado as tecnologias deram voz à sociedade, por outro, nos têm distraído da concretude do mundo, de interação mais hostil, levando-nos a viver em mundos paralelos”. E: “No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades, mas sim no mundo virtual, um refúgio, retroalimentado pelo algoritmo, onde não há frustrações, mas sim gratificações instantâneas”. Bem, esse é um lado da questão. E não é novo.

    Desde Freud se sabe que, diante do trauma, a criança dissocia-se para á-lo, refugiando-se na neurose, uma estratégia de defesa. Pois, assim como a criança abalada pelo trauma, as pessoas, diante das escalabrosidades do mundo concreto, fazem igual: elas podem se retirar para o mundo virtual, guardando, daquele, uma distância.

    O outro lado da questão, o reverso da moeda, é que, sem as novas tecnologias de comunicação, a voz traumatizada da sociedade permaneceria atravessada na garganta, sem chance de extravasar-se.

    A possibilidade de expressão liberou uma carga de justos ressentimentos contra os limites da política, as injustiças, o teatro social. De súbito, tivemos uma ideia do tamanho da insatisfação com os sistemas de vida, ando publicamente a protestar, em alguns casos chegando à revolução, como ocorreu na Primavera Árabe, onde as redes sociais cumpriram um papel fundamental.

    Pois não é por outra razão que os donos do antigo mundo estão incomodados e querem controlar a liberdade de expressão, especialmente a velha imprensa, os monopólios empresariais, os sistemas políticos totalitários. Enfim, todos aqueles para quem a internet e as redes sociais ameaçam seu poder, ao por de pernas pro ar as certezas convenientes sobre as quais se assentaram.

    Fato. As inovações desarranjam os mercados e os modos de vida. Toda inovação faz isso. É o preço do progresso. Mas, assim como é impossível voltar ao tempo do telégrafo (imagine o desespero nas Bolsas de Valores), é impensável retroagir ao mundo exclusivo da prensa de Gutenberg. Porque as descobertas, afinal, permitem avançar nos arranjos produtivos: propiciam economia de tempo, dinheiro e, no caso da comunicação, ampliam a liberdade, seu bem mais precioso. Pode-se dizer que não estávamos preparados para tanta liberdade súbita, e que venhamos, neste momento, usando-a “mal”. Contudo, parece razoável dizer que, à medida que o tempo e, estaremos mais e mais preparados para lidar com a liberdade e seus efeitos.

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    Com todos os defeitos que a vida tem, é preferível mil vezes, ao controle da palavra, a liberdade de dizê-la. Quem pode afirmar (ou julgar) o que é verdadeiro e o que é falso, senão as pessoas mesmas, em última análise, de acordo com suas percepções e as pedras em seus sapatos? Pois hoje, depois de provarmos a liberdade trazida pelas novas tecnologias, mais do que nunca sabemos que a imprensa, em sua mediação da realidade, é falha, e como o é!

    É interessante (e triste) ver como, após a criação da internet e das redes, grande parte da imprensa, ao perder o monopólio da verdade, se vêm tornando excessivamente opinativa e crítica das novas tecnologias. Deveria, sim, era aprimorar-se no trabalho para prestá-lo melhor. Acontece que — eis o ponto — como a velha imprensa não é livre de fato, como depende do financiador, muitas vezes de governos, ela vê nas novas tecnologias de ampla liberdade uma ameaça à velha cadeia de produção acostumada a filtrar o que valia ser dito, e o que não valia, em seu óbvio interesse, hoje nu, como o rei da história.

    Além de tudo, há essa coisa interessante: a percepção. Para alguns pensadores do novo mundo, o que chamamos de realidade é uma simulação, no que concordo. Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros, paladares etc. não existem no mundo concreto (são imateriais), sendo portanto simulações percebidas pelos sentidos (pessoas veem cores em diferentes matizes, quando não divergentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado exclusivo dos nossos sentidos. Assim, a única coisa real seria a razão. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. “Penso, logo existo”.

    Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos com que amos o mundo concreto, estando entrelaçados, não haveria diferença entre eles. Logo, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor. Eu acredito que é assim.

    Uma vez provadas as inovações, não é possível retroagir. Podemos, isso sim, é refinar, em decorrência delas, o nosso comportamento.

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    Brasil e mundo

    Vivendo em mundos paralelos

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    Algo mudou na relação entre o jornalismo e os pelotenses. Até por volta de 2015, havia um marcado interesse nos assuntos da cidade. Um mero buraco, e nem precisava ser o negro, despertava vívida atenção. Agora já ninguém dá a mínima. Nem mesmo se o buraco for um rombo fruto de corrupção numa área de vida e morte, como a de saúde. O valor da notícia sofreu uma erosão nas percepções. Não é uma situação local, mas, arrisco dizer, do mundo.

    Vem ocorrendo uma cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem. Um corte entre elas e a vida social. O espaço, que no ado era público, já hoje parece ser de ninguém.

    A responsabilidade parcial disso parece, curiosamente, ser das novas tecnologias de comunicação. Se por um lado elas deram voz à sociedade como um todo, por outro, ao igualmente darem amplo o ao mundo virtual, elas nos têm distraído da concretude do mundo, de interação sempre mais hostil — distraído, enfim, da realidade mesma, propiciando que vivamos em mundos paralelos.

    Outra razão é que, no essencial, nada muda em nossa realidade. Isso ficou mais evidente porque as redes sociais deram vazão, sem os filtros editoriais da imprensa, a um volume de problemas reais maior do que o que era noticiado. Se antes já havia demora nas soluções, essa percepção foi multiplicada pelo crescente número de denúncias feitas nas redes pelos próprios cidadãos. Os problemas que dizem respeito à coletividade se avolumam sem solução a contento, desconsolando e fatigando a vida.

    Como a dinâmica da cidade (e da realidade) não responde como deveria, eis o ponto, estamos buscando reparações no ambiente virtual, sensitivamente mais recompensador, além de disponível na palma da mão.

    No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades. Estamos habitando no mundo virtual, onde não há frustrações, mas sim gratificação instantânea. Andamos absortos demais em nossa vida. Abduzidos por temas de exclusivo interesse pessoal, retroalimentados minuto a minuto pelo algoritmo.

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    Antes vivíamos num mundo de trocas diretas entre as pessoas. Hoje habitamos numa nuvem, no cyber-espaço. Andamos parecendo cada dia mais com Thomas Anderson, protagonista do filme Matrix. Conectado por cabos a um imenso sistema de computadores do futuro, ele vive literalmente em uma realidade paralela. Isso dá

    Para complicar tudo, há pensadores para quem a realidade é uma simulação.

    Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros etc. não existem no mundo concreto, mas são simulações percebidas pelo nosso corpo (pessoas veem as cores em diferentes tons, quando não em diferentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado dos nossos sentidos.

    Assim, a única coisa real seria a razão, quer dizer, o modo como processamos aquelas percepções dos sentidos. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos que amos o concreto, não haveria diferença entre eles.

    Segundo aqueles pensadores, como o mundo virtual está entrelaçado com o mundo concreto, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor.

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