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Júlio Pereira Lima, médico, Prof. Dr. Julio Pereira Lima, MD, PhD, FASGE,FSIED |
O magnífico reitor da UFPel, Prof. Pedro Curi Hallal, sentiu-se pessoalmente ofendido com um ensaio por mim realizado no qual criticava nosso “fechamento muito antes do vírus chegar”, o que considero o maior erro de gestão de saúde já cometido na história do RS e, ao tomar conhecimento por mídia social de sua resposta a meu texto, entendi porque nosso Estado cometeu tal colossal erro, uma vez que em sua réplica analisa dados de forma tão equivocada que fariam corar um médico em seu primeiro dia como aluno da pós-graduação.
Em primeiro lugar, compara o RS ao restante do Brasil como entidade única, como se nosso país não fosse continental e diverso. Seria como comparar o RS à Europa como um todo.
Em 18/7/2020 , o RS tinha a chorar a perda de 11 vidas a cada 100.000 habitantes por covid 19, apesar de 4 meses de “distanciamento social horizontal (DSH)”, e este dado é colocado como um grande feito e o DSH é responsabilizado por esse estrondoso sucesso. Também em março, outras regiões do país iniciaram DSH mais rigorosos que o nosso. SP, onde até lojas foram literalmente lacradas, tem 43 mortes/100.000 hab. e RJ, com pessoas expulsas das praias, 70.
Por sua vez, CE, AM e PE, onde não só quarentena a partir de março, como medidas de lockdown foram feitas a partir de maio (com policiais apontando armas de fogo para surfistas), apresentam 78,76 e 62 mortes /100.000 habitantes, respectivamente. Ora, DSH funciona melhor aqui do que DSH seguido de lockdown noutras zonas?
Cita ainda a Suécia, que nunca fechou um bar, uma escola como péssimo exemplo, por ter 55 mortos/100.000 hab., país de 10 milhões de hab., que de 14/7 a 21/7 apresentou 11 mortos pela doença (contra 41 por dia no RS) e, em 20/7, havia 58 pacientes com covid 19 internados em UTI em toda Suécia (somente no HA, hoje, há 90, apesar do DSH!). Ora, fechar comércio, indústria e escolas salvaram vidas no RS, mas não no Sudeste e Norte/Nordeste de nosso país? E a criticada Suécia, que não fechou nada, tem mortalidade inferior a vários Estados brasileiros, que até lockdown fizeram? Será que foi o DSH evidência D) pior nota que a cloroquina que é C) que levou o RS a empurrar para o inverno o pico da pandemia?
O magnífico reitor ironiza dizendo que o “gélido AM” é o estado mais afetado pela pandemia. O mesmo se esquece, provavelmente por desconhecimento, que a covid 19 não é a única doença viral respiratória existente, as quais lotam UTIs gaúchas nos meses de inverno desde sempre. Acredito que seja realmente possível seu desconhecimento, uma vez que em “live” promovida pela Sociedade de Oftalmologia em 26/4/20, o Prof. Hallal afirmou: “Não entendo nada de doenças infecciosas; minha área de atuação é atividade física e saúde, doenças crônicas … não doenças infecciosas”.
Afirmar que “nosso sucesso” com o mais caro e carregado de efeitos colaterais dos métodos de enfrentar a pandemia (DSH/lockdown) é verdadeiro é o mesmo que afirmar que o que causou as mortes foi o DSH, uma vez que quando ele começou não havia mortos por covid no RS! Ou seja, os números não demonstram em hipótese alguma o sucesso do DSH no RS, uma vez o número de casos e mortes não para de aumentar apesar do DSH empregado como salvação há mais de 4 meses. Afirmar isto é inacreditável para um pesquisador de uma escola de epidemiologia de primeira linha, como a da UFPel.
Em seu texto há uma devoção quase religiosa ao DSH/lockdown, pois infere que não foi o ciclo da epidemia (matando infelizmente os mais suscetíveis inicialmente) com formação de imunidade coletiva da população que amainou o ciclo da doença na Europa, mas sim o DSH/lockdown. Segue acreditando em sua crença lockdowniana (em vez da ciência), lembrando até os devotos de Santa Cloroquina, rogai por nós!!!!
Sua paixão pelo lockdown é tamanha que, pela manhã de hoje (21/7), em programa de rádio, afirmou que, entre outros lugares, Nova York e Alemanha tiveram sucesso porque fizeram lockdown. Fake news ou erros de interpretação que nem mesmo o general romano Crasso cometeria! Talvez Teutônia ou Pomerode tenham feito, mas a Alemanha jamais! Obrigatoriedade de máscaras, fechamento de comércio, hotéis, restaurantes, academias por 2 meses e escolas por quase 3 meses, sim. Todos eram livres para sair de casa e a família inteira, mais um não familiar, podiam ir juntos aos comércios de alimentos, parques etc…
NY entrou em lockdown em 22/3 com 80 mortes por dia, chegando ao pico de 1025 em 17/4 (27 dias depois, para um vírus com período de incubação médio de 5 dias). Isto é sucesso de uma conduta?
Em 13/6 foi aliviado o lockdown com 50 mortes/dia, as quais seguiram diminuindo, apesar da abertura para 14 mortes em 20/7. Ou seja, ocorreu exatamente o contrário; o lockdown ocasionou um aumento de contágio e mortes no primeiro mês após as medidas, pois aproximadamente 70% dos contágios ocorrem nos lares. Isso surpreendeu o prefeito nova-iorquino em uma célebre entrevista. Mas isto só surpreende quem nunca estudou o modo e as características de transmissão dos coronavírus.
Na Suécia, 6 % das mortes por covid ocorreram em lares de idosos e no Canadá, onde “ninguém” mais usa máscara, em 80%. Ou seja, em pessoas com mobilidade próxima de zero. Definitivamente, não é o lockdown ou o DSH que salvam vidas. Pelo contrário, as tiram.
Estudo feito em vários estados brasileiros utilizando monitoramento de 60 milhões de celulares, e desenhado para demonstrar que a mobilidade social era associada a maiores índices de covid 19, observou exatamente o contrário. Onde menos havia mobilidade havia mais infectados e mais mortes. Por que? Pelos mesmos motivos observados no Canadá, Suécia e NYC. A infecção é transmitida em ambientes fechados (casas, carro, trabalho). Ou seja, evidência nota D para o DSH/lockdown – a mesma nota da ciência das bandeiras multicoloridas de nosso estado, dos pajés ou como, às vezes, alguns pacientes dizem ao seu médico: “ O Sr. é o meu guru”.
Um gestor de saúde pública deve sempre mediar seus desejos infinitos com sua verba finita, de maneira que um máximo número de pessoas possa ser beneficiada com as medidas tomadas.
No RS em 2017, o poder público gastou R$ 1207 /hab./ano em saúde. A média nacional é de R$ 1270. Segundo estudo feito pelo curso de pós-graduação em economia da FURG, a paralisia da economia entre 22/3 e 16/5 custou mais de R$ 20 bi (mais que o orçamento anual para a saúde) à economia do Estado, custando R$ 9 milhões para evitar cada internação hospitalar por covid 19 e R$ 221 milhões por vida salva.
Em 2017, foram gastos pelo poder público a nível municipal, estadual e federal 13,3 bi em saúde no RS. Vidas não tem preço! Sabemos disso. Mas não há dúvidas de que erros de gestão em saúde pública tem um preço muito caro e desemprego também custa vidas – 1400 gaúchos em idade economicamente ativa a cada ponto percentual de aumento na taxa. Isto é evidência grau A-nota máxima.
O colega Prof. Universitário baseou-se demasiadamente em seu próprio levantamento ao citar que a mortalidade da covid é de 1% e 90% dos casos são sintomáticos. Assintomáticos são 20% dos adultos (crianças muito mais) e outros 60 % não apresentam sintomas que façam o paciente buscar auxílio médico.
Segundo Ioannidis (médico-epidemiologista, prof. de Stanford e talvez a maior autoridade em epidemiologia dos EUA), a mortalidade verdadeira do vírus está situada entre 0,05 e 0,3%. (meu cálculo de 0,1% havia sido de uma amostra de profissionais de saúde positivos, uma população bem mais testada que as demais). Este mesmo autor publicou em março metanálise sugerindo que quarentena/lockdown não funcionam. O prêmio Nobel Michael Levitt pensa o mesmo, mas não devemos nos basear somente em evidências D. No levantamento liderado pelo colega, o RS em junho tinha uma letalidade de 2,25% entre os casos notificados (559/25.243) e de 1,1% entre o total de casos levantados pela pesquisa (559/53.094). Ora, segundo a pesquisa, o RS havia obtido notificação em 50% dos casos com covid-19. O melhor resultado de notificação em todo planeta, principalmente se tratando de um estado que “testa pouco”. Para comparação, na Europa ou nos EUA o número de casos notificados situa-se entre 10 e 20% do total, de acordo com o número de testagens feitas. Talvez tenha sido por estas discrepâncias da realidade que o governo federal tenha cortado os milhões em verba recebida pela pesquisa.
Nosso Estado seguiu o efeito manada de outros países – como bois assustados correndo na mesma direção. O grave é que decidimos correr em direção ao matadouro quando nosso predador sequer estava no horizonte. A França se deu conta disso e seu governo descarta novas quarentenas pelos brutais efeitos colaterais às pessoas e à sociedade.Coreia, Japão, Suécia nunca fizeram. Poucos médicos, dentro ou fora da Universidade, tiveram coragem de se posicionar abertamente sobre o tema.
Hoje, na era do politicamente correto e da cultura do cancelamento, não é fácil posicionar-se contra o desejo da elite cultural descolada que define o que é certo e o que é errado, o que é ciência e o que é fake news, assim como Lisenko definia o que era ciência e o que não era na Academia Lênin de Ciências da extinta URSS. Discordar ou expor uma visão diferente neste meio é como enfrentar a inquisição; é mais fácil se converter, que, como dizem, fizeram meus anteados.
Prof. Dr. Julio Pereira Lima, MD, PhD , FASGE, FSIED.
Prof. Associado do Serviço de Gastroenterologia da UFCSPA/ Santa Casa de Porto Alegre.
Chefe do Serviço de Endoscopia Digestiva da UFCSPA/ Santa Casa de Porto Alegre.
Presidente da Sociedade Interamericana de Endoscopia Digestiva -SIED (2016/2018).
2019 German Endoscopy Society Honour Award Carrier
2019 DGVS-Sektion Endoskopie Ehrenpreisträger
Fontes : Worldometer Coronavirus JH, Ionnidis 2020,Bruno Campello UFPE2020, www.news.com.au, CFM, homepage do Gesundheitsministerium Rheinland-Pfalz,Aguiar de Oliveira et al, FURG 2020,SORIGS , Hone et al , Lancet Glob Health. 2019.