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Cultura e entretenimento 1f3218

Crônica da quarentena 64l3x

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Quem poderia imaginar que viveríamos uma situação como esta, nossa vida sob a ameaça de um inimigo invisível que leva embora milhares de vida em um dia?

Tenho pensado nos mais velhos, aos que chegaram à grande idade, meu pai, a mãe da minha mulher, a mãe de um amigo querido, querida também, grande parte do tempo isolados.

A pandemia tem maltratado muito.

Quando a Aids apareceu, maltratou muito também. De tudo que ouvi naquela época, uma frase me ficou. O autor não era uma pessoa que eu irava. Na tevê, entrevistavam Julio Iglesias, o cantor espanhol, que bombava no Brasil com um repertório, para o meu gosto, brega.

O repórter perguntou a Iglesias o que achava da Aids, como se pudesse dizer algo bom, e esticou o microfone. As cinco palavras de sua resposta:

“Acho uma coisa absolutamente injusta”.

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De repente, percebi: naquele artista que eu considerava medíocre, havia uma pessoa sensível. Não ouvi ainda uma sentença sobre o novo vírus que nos assombra e faz solitários, mas aquela, para mim, segue perfeita.

Embora o contágio seja diferente, assim como ocorreu com a Aids, o covid-19 instalou entre nós o medo do outro. E agora, como naquela época, o sexo, essa fonte vital de exaltação e alegria, mais uma vez, inibida a aventura, foi podada.

A Aids era menos problemática, pois contaminava basicamente pela fricção sexual. O coronavírus é mais cruel, porque nos retira a escolha. Não podemos simplesmente conhecer alguém na balada e, na hora certa, puxar do bolso uma camisinha, até porque a balada está proibida.

Na pandemia atual, precisaríamos de órios corporais mais abrangentes, mas igualmente o sexo (me refiro ao casual) é perigoso. Não sei se vem acontecendo, tenho dificuldade de imaginar as pessoas por aí fazendo amor paramentadas de EPIs. Como dizem que o homem é o animal mais adaptável do planeta, talvez seja possível.

Estou sem fazer nada, quer dizer, escrevendo. Minha mulher dorme (4h da madrugada, hoje).

Há pouco fui ao quarto ver como ela estava. Estamos encerrados há 40 dias e noites, saindo só para o essencial. Fiquei observando o semblante dela, na penumbra. Ela é bonita acordada, mas ainda mais quando dorme, porque o semblante adquire uma expressão infantil.

Estivemos juntos naqueles anos aterrorizantes da Aids, anos 80 do século ado. Trinta anos depois, tornamos a vivenciar, juntos, o terror de um vírus. Naquele tempo tínhamos certo que aria.

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Com o distanciamento severo de agora, o noticiário e o carro de som cruzando a cidade com alertas de voz que lembram filmes de ficção científica, as certezas fraquejam um pouco, embora a gente acredite que vai ar, só pode ar, já ou uma vez, vai ar de novo.

Agora há pouco, observando-a caída no sono, tranquila, pensei: “Nossa segunda pandemia, hein, mascarada”.

Ela veste máscara quando sai. Parece uma bandoleira prestes a cometer um assalto. Ainda assim, linda.

Jornalista e escritor. Editor do Amigos de Pelotas. Ex Senado, MEC e Correio Braziliense. Foi editor-executivo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Atuou como consultor da Unesco e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Uma vez ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo, é autor dos livros Onde tudo isso vai parar e O fator animal, publicados pela Editora Lumina, de Porto Alegre. Em São Paulo, foi editor free-lancer na Editora Abril.

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Brasil e mundo 3m3y11

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio b4o68

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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Cultura e entretenimento 1f3218

O perigo das Gagas da vida 1n4w28

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Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

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A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

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