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Brasil e mundo

Uma análise da pandemia: por Pedro Curi Hallal

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Pedro Curi Hallal, epidemiologista e reitor da UFPel |

#fiqueemcasa

Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que não há como, nesse momento, separar o Reitor do Epidemiologista.

Desde 2017, atuo como Reitor da Universidade Federal de Pelotas, sendo responsável pela gestão de uma instituição com 20.000 alunos, 2.500 servidores (professores e técnicos-istrativos), 600 trabalhadores terceirizados e um hospital.

Em 2002 conclui o Mestrado em Epidemiologia, e, desde 2005, possuo o diploma de Doutor em Epidemiologia.

Quis o destino que, exatamente nesse momento de pandemia, a UFPel tivesse um Reitor Epidemiologista.

É obrigatório deixar explícito, também na introdução deste texto, que a Epidemiologia é uma área ampla. Existem subáreas como Epidemiologia Nutricional, Epidemiologia da Saúde Mental, Epidemiologia das Doenças Infecciosas, Epidemiologia da Saúde do Trabalhador, e assim por diante.

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Especificamente no meu caso, minha área é a Epidemiologia da Atividade Física. Portanto, é necessário dizer que nem eu nem nenhum dos meus colegas no Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPel somos especialistas em doenças infecciosas, como o Coronavírus.

Obviamente que temos conhecimento geral dos métodos epidemiológicos, e somos capazes de interpretar as estatísticas oficiais disponíveis, mas há de se reconhecer nossas limitações para tratar de um fenômeno ainda pouco conhecido.

A colaboração que pretendo dar com esse texto é, interpretando alguns dados disponíveis, tentar responder a algumas perguntas recorrentes.

  1. Qual a proporção de pessoas infectadas?

Essa pergunta é impossível de responder, em qualquer lugar do mundo nesse momento. Isso porque:

(a) não há testes suficientes para todo mundo – caso do Brasil;

(b) a disseminação do vírus é rápida, de forma que a prevalência seria muito dependente da data em que as coletas fossem realizadas;

(c) na maioria dos lugares, há muito mais testes sendo feitos em pessoas com sintomas do que na população em geral – caso do Brasil;

(d) o resultado do teste tem demorado em alguns laboratórios – caso do Brasil;

(e) algumas pessoas têm o vírus, mas não apresentam sintomas e, portanto, não são testadas na maioria dos países. Em resumo, qualquer estimativa do percentual de infectados com COVID-19 no Brasil ou em qualquer outro país é muito imprecisa.

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Examinando os dados disponíveis em fontes confiáveis na Internet, parece que a estimativa menos afastada da realidade que temos é a da Coréia do Sul, onde foram realizados cerca de 316.000 testes e houve resultado positivo para pouco menos de 9.000 pessoas. A prevalência calculada é de 2,8%. Resultado semelhante é observado na Alemanha, onde, até o dia 15 de março, o percentual de infectados era de 3,5% dos testados.

  • Qual a letalidade do vírus?

A letalidade, em Epidemiologia, é calculada pela divisão do número de mortos por uma doença pelo número de infectados. Assim, como já mostrei que não temos informações precisas sobre o número de infectados, qualquer cálculo de letalidade também está prejudicado. A forma como a letalidade vem sendo calculada, precariamente, é a divisão do número de mortos por COVID-19 pelo número de pessoas com testes positivos, que é a informação disponível.

Utilizando o total de mortos sobre o total de pessoas com teste positivo, de acordo com o site da Organização Mundial da Saúde, a proporção seria de 4,2%. No entanto, essa estimativa é grosseiramente superestimada porque a maioria dos países testa apenas ou prioritariamente as pessoas com sintomas. Se utilizarmos novamente os dados da Coréia do Sul e da Alemanha, cuja testagem é mais disseminada, podemos chegar a estimativas melhores. Na Alemanha, 0,4% das pessoas com testes positivos morreram. Na Coréia do Sul, esse percentual é de 1,2%.

A letalidade do COVID-19, como de qualquer outra doença, também é dependente da capacidade dos sistemas de saúde em tratar adequadamente as pessoas doentes. Na Alemanha, um país com conhecida estrutura hospitalar de emergência, a letalidade pelo COVID-19 é muito abaixo da média mundial.

Em resumo, mesmo ainda sem medicamentos aprovados e sem vacinas, a letalidade do COVID-19 depende da qualidade do cuidado em saúde a ser recebido pelos pacientes. No caso do Brasil, precisamos ficar em casa para diminuir o ritmo de transmissão, e permitir que o sistema de saúde tenha capacidade para lidar com os doentes, quando eles precisarem de cuidado hospitalar.

  • Quando isso vai acabar?

Sinceramente, não existe resposta para essa pergunta. Na China, país onde iniciou a pandemia, o número de casos deixou de crescer rapidamente ao redor do 100º dia após a confirmação do primeiro caso, e de lá para cá, não voltou a aumentar de forma abrupta. No Brasil, estamos no dia 25. Se o Brasil apresentar um comportamento igual ao da China, teremos então mais 10-11 semanas de aumento constante no número de casos.

Existem basicamente três situações que poderiam modificar bruscamente o comportamento da pandemia, as quais tentarei analisar a seguir:

(a) disponibilização de vacina: vários laboratórios de pesquisa ao redor do mundo estão trabalhando para desenvolverem, em tempo recorde, uma vacina para imunização em massa contra o Coronavírus. Embora eu acredite que uma vacina estará disponível em tempo recorde, não há como imaginar que isso ocorra ainda no primeiro semestre de 2020;

(b) tratamento medicamentoso eficaz: vários estudos estão sendo conduzidos para testar medicamentos que possam curar pacientes com o Coronavírus. Existem fases desses testes que podem ser apressadas, mas nunca puladas completamente. Se eu tivesse que apostar, colocaria minhas fichas aqui. Acredito que teremos um medicamento, ou uma combinação de medicamentos, eficaz para combater o Coronavírus ainda no primeiro semestre de 2020;

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(c) cessação da epidemia em função da infecção de mais da metade da população, e consequente criação de anticorpos: circularam áudios no dia de ontem falando sobre isso. Na teoria, é algo razoável, mas vale lembrar que a Inglaterra começou enfrentando a pandemia com essa abordagem e corrigiu o rumo logo em seguida. O número de mortes decorrentes da contaminação quase simultânea de toda a população seria altíssimo, o que pode ser evitado com o isolamento social. Lembremos que os sistemas de saúde não estão prontos para receber toda a população ao mesmo tempo.  

  • O cuidado especial com os adultos de 60 anos ou mais e com pessoas que possuem outras doenças

Num momento em que quase todas as estatísticas, conforme apresentado no texto, são imprecisas, é importante reconhecer o que já sabemos sobre o COVID-19. E certamente a informação mais relevante que temos até hoje é que o vírus é especialmente perigoso para adultos com 60 anos de idade ou mais e para as pessoas com outras doenças.

Exatamente por isso, precisamos estimular o isolamento social, dessas pessoas e de todos nós, para evitar a transmissão acelerada no país. Isso porque precisamos que os serviços de saúde tenham espaço para receber e tratar todos os pacientes, mas especialmente esses dos grupos de risco.

Vale destacar também que as crianças e os jovens, muitas vezes não apresentam sintomas, mesmo que infectados. Isso é preocupante porque, mesmo sem sintomas, eles podem transmitir o vírus. Por isso é necessário cuidado redobrado no contato desses com os grupos de risco. 

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A liberdade sagrada das redes

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Noutro dia escrevi um texto sobre a cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem, responsabilizando parcialmente as novas tecnologias de comunicação. Disse: “Se por um lado as tecnologias deram voz à sociedade, por outro, nos têm distraído da concretude do mundo, de interação mais hostil, levando-nos a viver em mundos paralelos”. E: “No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades, mas sim no mundo virtual, um refúgio, retroalimentado pelo algoritmo, onde não há frustrações, mas sim gratificações instantâneas”. Bem, esse é um lado da questão. E não é novo.

Desde Freud se sabe que, diante do trauma, a criança dissocia-se para á-lo, refugiando-se na neurose, uma estratégia de defesa. Pois, assim como a criança abalada pelo trauma, as pessoas, diante das escalabrosidades do mundo concreto, fazem igual: elas podem se retirar para o mundo virtual, guardando, daquele, uma distância.

O outro lado da questão, o reverso da moeda, é que, sem as novas tecnologias de comunicação, a voz traumatizada da sociedade permaneceria atravessada na garganta, sem chance de extravasar-se.

A possibilidade de expressão liberou uma carga de justos ressentimentos contra os limites da política, as injustiças, o teatro social. De súbito, tivemos uma ideia do tamanho da insatisfação com os sistemas de vida, ando publicamente a protestar, em alguns casos chegando à revolução, como ocorreu na Primavera Árabe, onde as redes sociais cumpriram um papel fundamental.

Pois não é por outra razão que os donos do antigo mundo estão incomodados e querem controlar a liberdade de expressão, especialmente a velha imprensa, os monopólios empresariais, os sistemas políticos totalitários. Enfim, todos aqueles para quem a internet e as redes sociais ameaçam seu poder, ao por de pernas pro ar as certezas convenientes sobre as quais se assentaram.

Fato. As inovações desarranjam os mercados e os modos de vida. Toda inovação faz isso. É o preço do progresso. Mas, assim como é impossível voltar ao tempo do telégrafo (imagine o desespero nas Bolsas de Valores), é impensável retroagir ao mundo exclusivo da prensa de Gutenberg. Porque as descobertas, afinal, permitem avançar nos arranjos produtivos: propiciam economia de tempo, dinheiro e, no caso da comunicação, ampliam a liberdade, seu bem mais precioso. Pode-se dizer que não estávamos preparados para tanta liberdade súbita, e que venhamos, neste momento, usando-a “mal”. Contudo, parece razoável dizer que, à medida que o tempo e, estaremos mais e mais preparados para lidar com a liberdade e seus efeitos.

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Com todos os defeitos que a vida tem, é preferível mil vezes, ao controle da palavra, a liberdade de dizê-la. Quem pode afirmar (ou julgar) o que é verdadeiro e o que é falso, senão as pessoas mesmas, em última análise, de acordo com suas percepções e as pedras em seus sapatos? Pois hoje, depois de provarmos a liberdade trazida pelas novas tecnologias, mais do que nunca sabemos que a imprensa, em sua mediação da realidade, é falha, e como o é!

É interessante (e triste) ver como, após a criação da internet e das redes, grande parte da imprensa, ao perder o monopólio da verdade, se vêm tornando excessivamente opinativa e crítica das novas tecnologias. Deveria, sim, era aprimorar-se no trabalho para prestá-lo melhor. Acontece que — eis o ponto — como a velha imprensa não é livre de fato, como depende do financiador, muitas vezes de governos, ela vê nas novas tecnologias de ampla liberdade uma ameaça à velha cadeia de produção acostumada a filtrar o que valia ser dito, e o que não valia, em seu óbvio interesse, hoje nu, como o rei da história.

Além de tudo, há essa coisa interessante: a percepção. Para alguns pensadores do novo mundo, o que chamamos de realidade é uma simulação, no que concordo. Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros, paladares etc. não existem no mundo concreto (são imateriais), sendo portanto simulações percebidas pelos sentidos (pessoas veem cores em diferentes matizes, quando não divergentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado exclusivo dos nossos sentidos. Assim, a única coisa real seria a razão. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. “Penso, logo existo”.

Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos com que amos o mundo concreto, estando entrelaçados, não haveria diferença entre eles. Logo, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor. Eu acredito que é assim.

Uma vez provadas as inovações, não é possível retroagir. Podemos, isso sim, é refinar, em decorrência delas, o nosso comportamento.

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Vivendo em mundos paralelos

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Algo mudou na relação entre o jornalismo e os pelotenses. Até por volta de 2015, havia um marcado interesse nos assuntos da cidade. Um mero buraco, e nem precisava ser o negro, despertava vívida atenção. Agora já ninguém dá a mínima. Nem mesmo se o buraco for um rombo fruto de corrupção numa área de vida e morte, como a de saúde. O valor da notícia sofreu uma erosão nas percepções. Não é uma situação local, mas, arrisco dizer, do mundo.

Vem ocorrendo uma cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem. Um corte entre elas e a vida social. O espaço, que no ado era público, já hoje parece ser de ninguém.

A responsabilidade parcial disso parece, curiosamente, ser das novas tecnologias de comunicação. Se por um lado elas deram voz à sociedade como um todo, por outro, ao igualmente darem amplo o ao mundo virtual, elas nos têm distraído da concretude do mundo, de interação sempre mais hostil — distraído, enfim, da realidade mesma, propiciando que vivamos em mundos paralelos.

Outra razão é que, no essencial, nada muda em nossa realidade. Isso ficou mais evidente porque as redes sociais deram vazão, sem os filtros editoriais da imprensa, a um volume de problemas reais maior do que o que era noticiado. Se antes já havia demora nas soluções, essa percepção foi multiplicada pelo crescente número de denúncias feitas nas redes pelos próprios cidadãos. Os problemas que dizem respeito à coletividade se avolumam sem solução a contento, desconsolando e fatigando a vida.

Como a dinâmica da cidade (e da realidade) não responde como deveria, eis o ponto, estamos buscando reparações no ambiente virtual, sensitivamente mais recompensador, além de disponível na palma da mão.

No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades. Estamos habitando no mundo virtual, onde não há frustrações, mas sim gratificação instantânea. Andamos absortos demais em nossa vida. Abduzidos por temas de exclusivo interesse pessoal, retroalimentados minuto a minuto pelo algoritmo.

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Antes vivíamos num mundo de trocas diretas entre as pessoas. Hoje habitamos numa nuvem, no cyber-espaço. Andamos parecendo cada dia mais com Thomas Anderson, protagonista do filme Matrix. Conectado por cabos a um imenso sistema de computadores do futuro, ele vive literalmente em uma realidade paralela. Isso dá

Para complicar tudo, há pensadores para quem a realidade é uma simulação.

Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros etc. não existem no mundo concreto, mas são simulações percebidas pelo nosso corpo (pessoas veem as cores em diferentes tons, quando não em diferentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado dos nossos sentidos.

Assim, a única coisa real seria a razão, quer dizer, o modo como processamos aquelas percepções dos sentidos. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos que amos o concreto, não haveria diferença entre eles.

Segundo aqueles pensadores, como o mundo virtual está entrelaçado com o mundo concreto, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor.

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