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Não foi fácil chegar ao lago onde aconteceria a caçada aos “marrecões” antes do nascer do sol. Estávamos todos com botas de borracha até a altura dos joelhos e muito bem equipados para a aventura.
Bem, quase todos, pois, em lugar de uma espingarda calibre doze, decidi levar uma câmera fotográfica. O parceiro ao meu lado estava todo entusiasmado, assim com os demais.
A semana anterior foi toda consumida na preparação desta atividade esportiva(?), várias situações hipotéticas foram montadas para o número possível de aves abatidas e o que fazer com as mesmas.
Espingardas foram limpas e azeitadas, “penduricalhos” revisados para poderem carregar o número maior possível de animais abatidos, indumentárias compradas ou recuperadas e veículos revisados até os últimos detalhes. Tudo pronto.
Estávamos, então, ali no local sonhado durante toda a semana. O alvorecer era de uma beleza indescritível onde o azul escuro do céu ia sendo substituído por uma coloração vermelho-alaranjada com bordas violetas. O sol, antes de aparecer, pincelava o firmamento como se estivesse preparando sua entrada no dia, em grande estilo.
Havia um silêncio obsequioso, parecia que os sons dos animais que ali habitavam estavam se rendendo para aquela poesia em cores.
Minha máquina fotográfica estava preparada. As espingardas e seus donos eram as notas destoantes, pois iriam tingir de sangue as águas cristalinas do lago, que se confundiria com o crepúsculo:o vermelho da vida no céu e o vermelho da morte no lago.
Aos poucos o bando de aves foi se delineando no horizonte. Animais maiores à frente e os menores mais atrás. O movimento de asas dos da frente auxiliavam as aves menores ou mais cansadas. Em meio a uma algazarra e um barulho de água que quebrou o silêncio da aurora, os “marrecões” foram descendo e graciosamente flutuando sobre o lago. Bicos enfiados n’água, começaram a primeira refeição do dia.
Não resistindo à beleza daquele momento e querendo me antecipar aos caçadores sedentos por abater aqueles animais, disparei o flash da máquina, uma, duas, três vezes.
O resultado foi avassalador, pois antes que as espingardas cuspissem a morte sobre as aves, estas, assustadas com o brilho do flash, alçaram voo e dispararam em tal velocidade que os caçadores não puderam esboçar nenhuma reação, a não ser a de desânimo em um primeiro momento e todo o tipo de impropérios em direção a mim, pois havia frustrado o grande momento por tantos dias esperado. Não conseguiram matar nenhum “marrecão”! Não é necessário dizer que tive que voltar a pé para casa.
Hoje, ados quarenta anos deste episódio, curto as fotos daquela caçada como um troféu. Os meus amigos pediram cópias ampliadas e iram a beleza que não conseguiram matar e as cores de irresistível beleza captadas pela objetiva de minha máquina fotográfica. É bem verdade que levaram muitos anos para reconhecerem a importância de preservar.
Em razão disto, muitos, como eu tenho feito, deverão fotografar os nossos campos, nossos rios, nossas matas nativas, pois talvez, no futuro, só possamos lembrá-las por fotografias.
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© Neiff Satte Alam é professor Universitário Aposentado – UFPEL Biólogo e Especialista em Informática na Educação
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