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Opinião

Livro relata a dramática experiência da Emater na assistência aos pobres rurais

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Por Geraldo Hasse, jornalista |

No ano seguinte à criação do programa Bolsa Família (2011), que sucedeu ao programa Fome Zero (2003), o governo federal criou o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais, visando amparar famílias situadas na faixa da extrema pobreza (com renda per capita inferior a US$ 1,25 por dia, segundo a classificação da ONU, que desde 2001 recomendava ao Brasil uma atitude firme em benefício de seus pobres). Agora, saiu o livro de 252 páginas sobre a gestão inicial do Programa Fomento às Atividades Produtivas Rurais no Rio Grande do Sul. Dramática experiência!

A execução da espinhosa tarefa de “cuidar dos pobres rurais” do RS coube à Emater, instituição público-privada que se dedica a levar assistência técnica a agricultores protegidos pelo guarda-chuva do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf), cujos beneficiários – pequenos sitiantes — são vistos com certo desdém e algum ciúme por praticantes do festejado agronegócio, como se os pequenos não tivessem direito ao crédito subsidiado tradicionalmente oferecido aos grandes.

Não mais do que 40 pessoas de áreas técnicas foram pegar um exemplar (gratuito) do livro editado pela gráfica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul com recursos do Ministério da Cidadania, a quem cabe hoje gerir os programas sociais como Bolsa Família, Brasil Sem Miséria, etc.

No lançamento realizado no auditório da Fundação de Economia e Estatística (FEE), “extinta” em 2017 mas parcialmente ativa (sub judice) em Porto Alegre, o veterano agrônomo Lauro Bernardi fez um relato sobre os efeitos do extensionismo junto aos pobres rurais de Fontoura Xavier, o município mais pobre do RS, com 10,7 mil habitantes no Alto da Serra do Botucaraí, a pouco mais de 200 quilômetros da capital do Estado.

Bernardi coordenou a equipe que em 2015 realizou o piloto do programa de Fomento. Seu depoimento, resumido num artigo de 60 páginas do livro, é dramático, mas otimista. Sua conclusão, transformada em conselho aos colegas da Emater, da UFRGS, da Universidade Federal de Santa Maria e do Ministério da Cidadania: não se deve “subordinar a mitigação às mudanças estruturais”. Em outras palavras, independentemente do que estiver acontecendo no âmbito institucional, é preciso botar o pé na estrada para levar o mínimo de assistência e cidadania aos que mais precisam.

No primeiro momento, ainda sem vivência no trato com matutos desamparados, alguns extensionistas da Emater sofreram um choque diante da penúria do público-alvo do programa; na sequência, porém, tiveram criatividade e persistência tanto para contornar a burocracia oficial como para superar o desalento das pessoas assistidas. Em 90% dos casos, os recursos financeiros foram colocados nas mãos das mulheres responsáveis pelas famílias.

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Segundo Bernardi, é surpreendente e gratificante ver como as pessoas vulneráveis reagem à chegada das instituições públicas aos seus locais de sobrevivência. “Em Liberato Salzano”, relatou Bernardi, “o Fomento gerou uma dinâmica tal que no final, das 50 famílias assistidas, 20 tinham construído casas novas”.

Atuando em 594 dos 597 municípios do Rio Grande do Sul, onde assiste a 250 mil famílias de pequenos agricultores – segundo dados oficiais, chega a 378 mil o número de propriedades rurais dedicadas à agricultura familiar no Estado –, a Emater-RS estendeu o Fomento inicialmente a 11 564 famílias rurais entre 2012 e 2018.

Com algumas chamadas extras, o programa alcançou 16,4 mil famílias. Ou, seja, trabalhou-se com uma parcela pouco acima de 20% das 72 mil famílias rurais gaúchas classificadas como “em situação de extrema pobreza”, expressão piedosa para definir as carências daqueles que sobrevivem sem água encanada, saneamento básico, eletricidade, o a mercado e outros confortos da cidadania.

Se no rico “celeiro” riograndense a situação é assim difícil, bem pior está o Brasil, onde a pobreza extrema afeta 3,6 milhões de famílias, principalmente no Nordeste e no Norte, segundo dados oficiais.

“Os recursos disponibilizados até o momento permitiram a inclusão de apenas 7% do público potencial”, revela o texto da apresentação do livro, assinado pela Coordenação de Fomento da Secretaria Nacional de Inclusão Social e Produtiva Rural do Ministério da Cidadania. Estima-se que no Brasil todo o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais beneficiou 250 mil famílias.

No RS, o balanço do trabalho realizado ajudou a gerar renda, melhorou a autoestima e a autoconfiança das pessoas atendidas, treinou e deu esperança a famílias rurais “esquecidas” pelas instituições públicas e vistas com preconceito pela sociedade em geral. Além de agricultores, foram beneficiados indígenas e quilombolas.

“O Fomento deu visibilidade aos invisíveis”, disse Catia Grisa, do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Rural, da UFRGS, que deu apoio à experiência da Emater. O problema é que as verbas para assistência técnica rural foram radicalmente cortadas nos últimos anos, o que tornou praticamente inviável a manutenção do Fomento. Na realidade, os programas sociais do governo federal estão sob forte contenção.

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É uma tragédia que se soma ao crescimento da pobreza, ao aumento da desigualdade de renda e à ampliação da vulnerabilidade social.

LEMBRETE DE OCASIÃO

“A escravidão continua. Para mim, essa desigualdade doente de hoje vem da escravidão. O Brasil é um país doente, patologicamente doente pelo ódio de classe. Isso é o mais característico do Brasil: o ódio patológico ao pobre”.

Jessé Souza, sociólogo, ex-presidente do IPEA.

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Brasil e mundo

A liberdade sagrada das redes

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Noutro dia escrevi um texto sobre a cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem, responsabilizando parcialmente as novas tecnologias de comunicação. Disse: “Se por um lado as tecnologias deram voz à sociedade, por outro, nos têm distraído da concretude do mundo, de interação mais hostil, levando-nos a viver em mundos paralelos”. E: “No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades, mas sim no mundo virtual, um refúgio, retroalimentado pelo algoritmo, onde não há frustrações, mas sim gratificações instantâneas”. Bem, esse é um lado da questão. E não é novo.

Desde Freud se sabe que, diante do trauma, a criança dissocia-se para á-lo, refugiando-se na neurose, uma estratégia de defesa. Pois, assim como a criança abalada pelo trauma, as pessoas, diante das escalabrosidades do mundo concreto, fazem igual: elas podem se retirar para o mundo virtual, guardando, daquele, uma distância.

O outro lado da questão, o reverso da moeda, é que, sem as novas tecnologias de comunicação, a voz traumatizada da sociedade permaneceria atravessada na garganta, sem chance de extravasar-se.

A possibilidade de expressão liberou uma carga de justos ressentimentos contra os limites da política, as injustiças, o teatro social. De súbito, tivemos uma ideia do tamanho da insatisfação com os sistemas de vida, ando publicamente a protestar, em alguns casos chegando à revolução, como ocorreu na Primavera Árabe, onde as redes sociais cumpriram um papel fundamental.

Pois não é por outra razão que os donos do antigo mundo estão incomodados e querem controlar a liberdade de expressão, especialmente a velha imprensa, os monopólios empresariais, os sistemas políticos totalitários. Enfim, todos aqueles para quem a internet e as redes sociais ameaçam seu poder, ao por de pernas pro ar as certezas convenientes sobre as quais se assentaram.

Fato. As inovações desarranjam os mercados e os modos de vida. Toda inovação faz isso. É o preço do progresso. Mas, assim como é impossível voltar ao tempo do telégrafo (imagine o desespero nas Bolsas de Valores), é impensável retroagir ao mundo exclusivo da prensa de Gutenberg. Porque as descobertas, afinal, permitem avançar nos arranjos produtivos: propiciam economia de tempo, dinheiro e, no caso da comunicação, ampliam a liberdade, seu bem mais precioso. Pode-se dizer que não estávamos preparados para tanta liberdade súbita, e que venhamos, neste momento, usando-a “mal”. Contudo, parece razoável dizer que, à medida que o tempo e, estaremos mais e mais preparados para lidar com a liberdade e seus efeitos.

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Com todos os defeitos que a vida tem, é preferível mil vezes, ao controle da palavra, a liberdade de dizê-la. Quem pode afirmar (ou julgar) o que é verdadeiro e o que é falso, senão as pessoas mesmas, em última análise, de acordo com suas percepções e as pedras em seus sapatos? Pois hoje, depois de provarmos a liberdade trazida pelas novas tecnologias, mais do que nunca sabemos que a imprensa, em sua mediação da realidade, é falha, e como o é!

É interessante (e triste) ver como, após a criação da internet e das redes, grande parte da imprensa, ao perder o monopólio da verdade, se vêm tornando excessivamente opinativa e crítica das novas tecnologias. Deveria, sim, era aprimorar-se no trabalho para prestá-lo melhor. Acontece que — eis o ponto — como a velha imprensa não é livre de fato, como depende do financiador, muitas vezes de governos, ela vê nas novas tecnologias de ampla liberdade uma ameaça à velha cadeia de produção acostumada a filtrar o que valia ser dito, e o que não valia, em seu óbvio interesse, hoje nu, como o rei da história.

Além de tudo, há essa coisa interessante: a percepção. Para alguns pensadores do novo mundo, o que chamamos de realidade é uma simulação, no que concordo. Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros, paladares etc. não existem no mundo concreto (são imateriais), sendo portanto simulações percebidas pelos sentidos (pessoas veem cores em diferentes matizes, quando não divergentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado exclusivo dos nossos sentidos. Assim, a única coisa real seria a razão. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. “Penso, logo existo”.

Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos com que amos o mundo concreto, estando entrelaçados, não haveria diferença entre eles. Logo, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor. Eu acredito que é assim.

Uma vez provadas as inovações, não é possível retroagir. Podemos, isso sim, é refinar, em decorrência delas, o nosso comportamento.

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Brasil e mundo

Vivendo em mundos paralelos

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Algo mudou na relação entre o jornalismo e os pelotenses. Até por volta de 2015, havia um marcado interesse nos assuntos da cidade. Um mero buraco, e nem precisava ser o negro, despertava vívida atenção. Agora já ninguém dá a mínima. Nem mesmo se o buraco for um rombo fruto de corrupção numa área de vida e morte, como a de saúde. O valor da notícia sofreu uma erosão nas percepções. Não é uma situação local, mas, arrisco dizer, do mundo.

Vem ocorrendo uma cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem. Um corte entre elas e a vida social. O espaço, que no ado era público, já hoje parece ser de ninguém.

A responsabilidade parcial disso parece, curiosamente, ser das novas tecnologias de comunicação. Se por um lado elas deram voz à sociedade como um todo, por outro, ao igualmente darem amplo o ao mundo virtual, elas nos têm distraído da concretude do mundo, de interação sempre mais hostil — distraído, enfim, da realidade mesma, propiciando que vivamos em mundos paralelos.

Outra razão é que, no essencial, nada muda em nossa realidade. Isso ficou mais evidente porque as redes sociais deram vazão, sem os filtros editoriais da imprensa, a um volume de problemas reais maior do que o que era noticiado. Se antes já havia demora nas soluções, essa percepção foi multiplicada pelo crescente número de denúncias feitas nas redes pelos próprios cidadãos. Os problemas que dizem respeito à coletividade se avolumam sem solução a contento, desconsolando e fatigando a vida.

Como a dinâmica da cidade (e da realidade) não responde como deveria, eis o ponto, estamos buscando reparações no ambiente virtual, sensitivamente mais recompensador, além de disponível na palma da mão.

No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades. Estamos habitando no mundo virtual, onde não há frustrações, mas sim gratificação instantânea. Andamos absortos demais em nossa vida. Abduzidos por temas de exclusivo interesse pessoal, retroalimentados minuto a minuto pelo algoritmo.

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Antes vivíamos num mundo de trocas diretas entre as pessoas. Hoje habitamos numa nuvem, no cyber-espaço. Andamos parecendo cada dia mais com Thomas Anderson, protagonista do filme Matrix. Conectado por cabos a um imenso sistema de computadores do futuro, ele vive literalmente em uma realidade paralela. Isso dá

Para complicar tudo, há pensadores para quem a realidade é uma simulação.

Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros etc. não existem no mundo concreto, mas são simulações percebidas pelo nosso corpo (pessoas veem as cores em diferentes tons, quando não em diferentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado dos nossos sentidos.

Assim, a única coisa real seria a razão, quer dizer, o modo como processamos aquelas percepções dos sentidos. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos que amos o concreto, não haveria diferença entre eles.

Segundo aqueles pensadores, como o mundo virtual está entrelaçado com o mundo concreto, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor.

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