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Opinião

Prefeitura enfraquece papel do Conselho Tutelar e, por extensão, do Pacto da Paz

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A prefeita Paula Mascarenhas encaminhou à Câmara um projeto de lei alterando a legislação sobre dedicação exclusiva dos conselheiros tutelares. O caso merece atenção porque revela como o interesse político pode se sobrepor ao interesse social.

Antes de formatar o projeto de lei, a prefeita pediu uma posição do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica) sobre o assunto. O Comdica foi contra a alteração legal. Mesmo assim, a prefeita foi em frente.

A lei original, em vigor, prevê o óbvio: que conselheiros tutelares não podem ter outro emprego remunerado além do de conselheiro, porque o desafiador trabalho que executam – zelar pela integridade mental e física de crianças e adolescentes – exige dedicação total e permanente.

Prefeita diz que projeto de lei não enfraquece Conselho Tutelar

Por óbvio, quando a lei proíbe outro “emprego”, embora não o diga explicitamente, implicitamente está dizendo que o conselheiro deve se concentrar exclusivamente no trabalho que desempenha, não podendo desempenhar, portanto, outro trabalho, mesmo de autônomo, caso em que a pessoa é empregada de si mesma.

A lei atual quis enfatizar a dedicação exclusiva como essencial ao trabalho do conselheiro tutelar. Por um motivo triste: não são poucos os casos de abuso, violência e abandono contra crianças e adolescentes. Mesmo que fossem menos casos, ainda assim eles mereceriam dedicação total dos conselheiros.

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Eis o primeiro ponto. Nunca houve dúvidas sobre o entendimento acima. As dúvidas só foram aparecer depois que a promotora Luciara Robe da Silveira ingressou com ações contra alguns conselheiros ligados por laços familiares e políticos a vereadores. Um deles, marido da vereadora Daiane Dias, do PSB, é também músico e, segundo a promotora em sua ação, não se dedica exclusivamente, já que se apresenta em circuitos de shows remunerados. O músico alega que tem direito de fazer o que gosta, cantar, se o fizer fora do expediente formal como conselheiro e não estando de sobreaviso fora do expediente. Ele não é o único caso de conselheiro ligado a vereadores.

A alegação do músico é questionável, porque o trabalho do conselheiro tutelar não é um trabalho qualquer, como entende o Comdica, o Ministério Público e como entendia, até ontem (depois de anos), a prefeitura.

Os fatos mostram porém que o questionamento levantado por vereadores sobre a DE foi levado à prefeita, que concordou com o ponto de vista deles, ao ponto de enviar agora o projeto de lei favorável à tese defendida acima pelo músico.

O projeto proposto pela prefeita mantém a proibição do segundo emprego formal com vínculo empregatício, mas, mudando o que parecia ser um entendimento pacífico sobre o significado de dedicação exclusiva na atenção às crianças e jovens em situação de vulnerabilidade, a a permitir ao conselheiro, na prática, exercer uma segunda atividade como autônomo.

Eis o segundo ponto. A prefeita decidiu comprar a tese de flexibilização da dedicação exclusiva numa hora em que, mais do que nunca, precisa do apoio da Câmara para poder respirar da crise financeira que sufoca os cofres públicos e a tem obrigado a atrasar salários de servidores.

Paula depende do voto de vereadores para aprovar a cobrança de uma taxa de iluminação, novo imposto a ser proposto nos próximos dias pela prefeitura. Sem o voto deles para a taxa, o governo tende a atrasar salários ao longo de 2020.

Ocorre que de repente, provocada por vereadores, a prefeita, que nunca se manifestara sobre o assunto, ou a entender – coincidentemente àqueles – que conselheiros tutelares não precisam mais amar exclusivamente o nobre trabalho de guardiões das vidas de inocentes, podendo agora dedicar tempo a outras paixões, inclusive remuneradas.

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Se o projeto ar na Câmara, devemos lamentar – muito. Porque fragilizará ainda mais a rede SUS, a segurança pública e a educação, indo de encontro à própria ideia do Pacto da Paz.

Já hoje a fragilidade do Conselho Tutelar é enorme. Por exemplo, conselheiros não estão submetidos, como os demais servidores públicos, a um sistema eficiente de controle externo e interno. Por decisão própria, como uma categoria à parte, eles cumprem jornada de 30 horas semanais, não possuem controle de ponto, não respondem ofícios nos prazos, entre outras coisas.

Acrescente-se: mais de uma vez, por solicitação da rede municipal de atendimento, o Ministério Público conversou com a prefeita para estudar alterações na lei, mas no sentido de tornar mais rígido o controle da atuação do Conselho Tutelar. Contudo, além de nunca ter avançado nesse quesito, a prefeitura, com a proposta agora de flexibilização da DE, retrocede a uma fragilidade maior do CT.

Não se deve generalizar. Há muitos conselheiros tutelares excelentes. Mas a alteração da lei afronta o interesse coletivo, especialmente das crianças e dos adolescentes, que devem, por lei, ter prioridade absoluta na garantia de seus direitos fundamentais.

Conselheiro tutelar não é um trabalho como qualquer outro, por isso dele se exige a dedicação exclusiva. Questão de lógica. Uma lógica que, aparentemente por conveniência política, a prefeitura achou por bem abandonar.

Paula propõe mudar regra de dedicação exclusiva de conselheiro tutelar. Promotora reage

Promotora esclarece: ‘Conselheiro tutelar não pode ter outro emprego’

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Jornalista e escritor. Editor do Amigos de Pelotas. Ex Senado, MEC e Correio Braziliense. Foi editor-executivo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Atuou como consultor da Unesco e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Uma vez ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo, é autor dos livros Onde tudo isso vai parar e O fator animal, publicados pela Editora Lumina, de Porto Alegre. Em São Paulo, foi editor free-lancer na Editora Abril.

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Brasil e mundo

Vivendo em mundos paralelos

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Algo mudou na relação entre o jornalismo e os pelotenses. Até por volta de 2015, havia um marcado interesse nos assuntos da cidade. A mera notícia de um buraco, e nem precisava ser o negro, despertava vívida atenção. Agora já ninguém dá a mínima, nem mesmo se o buraco for um rombo fruto de corrupção na área sensível da saúde.

Não é uma situação local, mas, arrisco dizer, do mundo. Nós apenas sentimos seus efeitos de forma drástica, por razões de ordem econômica e social. E também dimensionais.

Como a cidade não é grande, os problemas são ainda mais visíveis. Acontece que os buracos reais e metafóricos, ainda que denunciados, inclusive pelo cidadão que vai às redes sociais reclamar, permanecem sem solução, levando a outro problema, este de ordem comportamental.

Vem ocorrendo uma cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem. Um corte entre elas e a vida social. O espaço, que no ado era público, já hoje parece ser de ninguém.

A responsabilidade parcial disso parece, curiosamente, ser das novas tecnologias de comunicação. Se por um lado elas deram voz à sociedade como um todo, por outro, ao darem amplo o ao mundo virtual, elas nos têm distraído da concretude do mundo, de interação sempre mais hostil; distraído, enfim, da realidade mesma, propiciando que vivamos em mundos paralelos.

Outra razão é que, ao menos no essencial, nada muda em nossa realidade. Os problemas que dizem respeito à coletividade se repetem sem solução, fatigando a vida, pulverizando a mobilização.

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Como a dinâmica da cidade (e da realidade) não responde como deveria, eis o ponto, estamos buscando compensações no ambiente virtual, sensitivamente mais recompensador, além de disponível na palma da mão.

No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades. Estamos habitando no mundo virtual, onde não há frustrações, mas sim gratificação instantânea. Andamos absortos demais em nossa vida. Abduzidos por temas de exclusivo interesse pessoal, retroalimentados minuto a minuto pelo algoritmo.

Antes vivíamos num mundo de trocas diretas entre as pessoas. Hoje habitamos numa nuvem, no cyber-espaço. Andamos parecendo cada dia mais com o personagem Thomas Anderson, do filme Matrix. Conectado por cabos a um imenso sistema de computadores do futuro, ele vive literalmente em uma realidade paralela. Isso dá

Para complicar tudo, há pensadores para quem a realidade é uma simulação.

Como cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar), percebendo-o de forma diferente (cores, cheiros, por exemplo, não existem no mundo concreto), aqueles sustentam que o mundo seria resultado dos sentidos. Assim, a única coisa real seria a mente, quer dizer, o modo como ela processa as percepções que derivam dos sentidos, enquanto todo o resto seria uma simulação feita para “dar a impressão” de que vivemos no mundo. Nós experimentaríamos o mundo concreto como simulação. Logo, não haveria diferença entre o mundo virtual e o real.

Segundo esses pensadores, como o mundo virtual está entrelaçado com o mundo concreto, não deverímoss condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor.

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Brasil e mundo

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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