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Cultura e entretenimento

‘O imperdível Coringa’. Por Déborah Schmidt

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Coringa é um filme único. E imperdível. O longa acerta em cheio ao mostrar um complexo estudo de personagem de um dos maiores vilões da história dos quadrinhos.

A trama segue a história de Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), um homem lutando para se integrar à sociedade despedaçada de Gotham City. Trabalhando como palhaço durante o dia, ele tenta a sorte como comediante de stand-up à noite.

Sem qualquer referência prévia dos quadrinhos da DC, vemos uma história original que recria as características básicas do personagem, sem jamais modificá-lo. Por outro lado, o filme manipula a narrativa de forma que a loucura de Arthur seja não apenas justificável, mas em alguns momentos, perdoável. Acompanhamos, então, a saga do protagonista a cada novo fracasso, assistindo à sua mudança, rumo a uma personalidade cada vez mais louca e violenta.

 

Conhecido por comédias adultas como Dias Incríveis e Se Beber, Não Case!, o diretor Todd Phillips retrata uma sociedade apodrecida e à beira de um colapso social, e que reflete muito sobre o que vemos nos dias de hoje. Arthur Fleck nada mais é do que um produto desse meio. Um doloroso retrato de várias síndromes e doenças psicológicas, muito discutidas e sofridas atualmente.

O roteiro escrito por Phillips e Scott Silver estabelece um interessante contexto político em torno da transformação de Arthur Fleck no Coringa. Aos poucos, a luta de classes chega a Gotham, com direito a uma referência a Charlie Chaplin. O filme também a pela origem do Batman, na figura de seu pai, o poderoso Thomas Wayne (Brett Cullen), entregando uma nova versão de uma história para lá de conhecida.

Ambientado no final dos anos 70, o longa é claramente inspirado nos filmes de Martin Scorsese, como na estética das ruas e na fotografia suja de Taxi Driver, e no apresentador de TV Murray Franklin, vivido de forma primorosa por Robert De Niro, que é uma clara referência a O Rei da Comédia. Assim como Coringa, ambos também abordam protagonistas disfuncionais tentando se adequar a uma sociedade que insiste em esmagá-los.

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O Coringa é, sem dúvidas, um dos vilões mais interessantes dos quadrinhos, da televisão e do cinema. Já vimos versões memoráveis do personagem, como a anarquista e sociopata do saudoso Heath Ledger, a lunática e divertida de Jack Nicholson e a clássica de Cesar Romero, que viveu o palhaço do crime na popular série dos anos 60, e foi o responsável pelo visual do vilão. Fato é que cada ator criou sua própria versão, e com Joaquin Phoenix não foi diferente. Ele entrega um personagem original ainda mais instável e louco, seja na risada que provoca arrepios ou na impressionante transformação física. É uma interpretação absolutamente espetacular e digna de Oscar (podem anotar a minha aposta).

A confusão interna de Arthur Fleck ganha contornos na ótima trilha sonora da islandesa Hildur Guðnadóttir, que ilustra muito bem a ansiedade constante do protagonista, e a montagem de Jeff Groth ajuda a criar um tom de incerteza. A excepcional fotografia de Lawrence Sher capta toda a sujeira de Gotham e, em momentos mais intimistas, closes incríveis do rosto de Joaquin Phoenix.

Coringa é um filme violento, corajoso e extremamente condizente com a essência de seu personagem. Simplesmente brilhante e fascinante.

Déborah Schmidt é servidora pública formada em istração/UFPel, amante da sétima arte e da boa música.

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Brasil e mundo

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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Cultura e entretenimento

O perigo das Gagas da vida

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Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

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A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

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