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Opinião

Lei do mais forte

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Já ei tantas décadas ouvindo sobre roubos, homicídios e latrocínios, no meu trabalho, que me obrigo a compartilhar o que aprendi com os autores de tais crimes. Sendo psiquiatra judiciário, entrevisto os que já estão cumprindo sentença e que muitas vezes revelam abertamente suas motivações.

É impressionante o caráter mais psicológico do que material das motivações. Entre jovens infratores, por exemplo, a revelação mais comum é que roubaram um carro “para dar uma banda em frente ao colégio para as gurias verem”, ou seja, como ostentação de poder, como autoafirmação, ao contrário do imaginário popular onde as pessoas roubariam por estar na miséria, ando fome. Nem mesmo a pretensão de permanecer na posse do objeto é fundamental, o mais importante é o momento psicológico do cara que quer se desejado pela garota.

O caráter impulsivo também prevalece sobre o racional, pois quando raciocinam dizem que o crime só leva aos “3 Cs”: cadeia, cadeira de rodas ou caixão. Mas, como no título do filme americano “Fique rico ou morra tentando”, o desejo de riqueza rápida e aventureira é mais forte que a razão.

A descrença na sociedade “oficial” também é marcante, mas as “leis” não escritas da “sociedade paralela” das gangues não são mais justas que as distorções sociais, ao contrário, são a pura “lei do mais forte”, amenizada com alguns regras para agradar (e tornar cúmplices) os moradores locais tais como não permitir estupros, ou não permitir “chinelagem” (roubar da vizinhança, nas áreas de periferia), ou até ajudar com empréstimos quem precisa de remédios para os filhos. Mas apesar desses agrados o poder é mantido na base do terror, matando desafetos ou devedores.

A “lei do mais forte” praticada pelas gangues contrasta com o imaginário dos que veem os criminosos como vítimas da sociedade, quando as verdadeiras vítimas são os trabalhadores que eles roubam, os pais e mães de família que eles matam.

A mais ingênua crença dos militantes de esquerda é imaginar como vítimas os autores de crimes que, eles próprios, se consideram bandidos. Eles não são revolucionários humanistas, eles seriam uma espécie de “capitalistas selvagens” que exploram suas comunidades. Sem repressão policial o crime não cessa, até pelo “princípio do prazer” descrito por Freud, que só cessa diante dos limites da realidade.

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Por outro lado, a mais ingênua crença dos militantes de direita é acreditar que a repressão policial resolve tudo, pois enquanto a “sociedade oficial” não for planejada para ser mais inclusiva, não estimulará a migração para ela de milhões de jovens que hoje são seduzidos pelas gangues em busca de melhores oportunidades, mesmo sabendo que se futuro é “ficar rico ou morrer tentando”.

Montserrat Martins é médico psiquiatra, autor de Em busca da Alma do Brasil

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Brasil e mundo

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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Cultura e entretenimento

O perigo das Gagas da vida

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Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

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A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

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