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Em matéria de istração pública, Pelotas tem umas coisas “protocolares”. Sobretudo neste momento, em que Brasília e os Bolsonaros ardem, o protocolo parece algo “fora do lugar”, como se a constância da rotina fosse um antídoto, uma espécie de padrão de movimentos do qual autistas se servem para se proteger do mundo exterior.
Nesta sexta-feira (17), por exemplo, a prefeitura, que anda há meses com as contas no vermelho, oficialmente informa que, de sábado até dia 25, o Casarão do Paço estará iluminado de verde, em homenagem à Defensoria Pública. Nada contra, apenas uma consideração ao rigor do Paço diante do calendário de celebrações, destinado a acolher o universo de anseios por reconhecimento.
Pela quantidade e repetição de eventos, a impressão é de que o poder público se desdobra em gozos no exercício do protocolo, que por aqui, diga-se, quase nunca é quebrado, talvez por efeito do medo excessivo do julgamento.
Aqui chego ao ponto que queria com este texto… O medo de quebrar o protocolo não diz respeito à essência da vida, mas sim à teatralidade social atrás da qual as sociedades muito interdependentes se resguardam dos perigos de “desagradar alguém”.
O último grande acontecimento protocolar da cidade foi o desencavamento de uma caixa em homenagem à pelotense Yolanda Pereira, tratado como achado arqueológico, uma espécie de arca perdida dos filmes de aventura, embora seu conteúdo fosse conhecido de antemão pelos registros históricos encontrados por um pesquisador.
Uma vez aberta, a caixa revelou o que se esperava: um recipiente cheio d’água da chuva onde, imersas, boiavam, em pedaços, recordações desbotadas da jovem Yolanda de 20 anos, a nossa Miss Universo de 1930.
A caixa foi enterrada em 1931 para ser aberta em 1980, 50 anos depois da conquista de Yolanda. Ocorre que se esqueceram de desencavá-la e abri-la naquele ano e por mais 37 anos, até este maio de 2019, quando enfim alguém resolveu dar atenção ao que dizia desde 2012 o pesquisador obcecado com o ado e alertar a prefeita.
No seu site, a prefeitura informou que, em 1980, ano do cinquentenário da eleição da miss, o radialista Clayton Rocha deu um jantar para 800 pessoas em homagem à Yolanda. E que, naquela ocasião, a pelotense, que morava no Rio de Janeiro, visitou em comitiva o monumento em sua homenagem na Praça Coronel Pedro Osório – monumento este – note – sob o qual a caixa estava enterrada, mas cuja existência nem a ex-miss lembrou de alertar, logo no ano da abertura.
Para o meu gosto, este “esquecimento” é o mais interessante nessa história…
Aos 70 anos de idade, Yolanda aceitou revisitar Pelotas, o jantar, a homenagem, os cumprimentos e as palmas. Mas, voluntária ou involuntariamente, ela preferiu, ao pé da caixa, esquecer de evocar sua lembrança.
Fico me perguntando: Terá ela considerado doloroso revisitar tributos a uma pessoa que já não existia mais (ela própria, nos 20 anos)?
O fato é que ela “esqueceu”, ajudando a quebrar o protocolo estabelecido 50 anos antes, o que é um fato interessante numa cidade que ama as cerimônias e os protocolos como a nossa.
Yolanda morreu no Rio, no dia 4 de setembro de 2001, à beira dos 91 anos.
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© Rubens Spanier Amador é jornalista.
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