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Brasil e mundo

Maurício, um dos primeiros motoristas surdos do Brasil

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Há 40 anos, um dos primeiros surdos do Brasil conquistava, depois de muita luta, o direito de obter sua carteira nacional de habilitação. Confiram a história contada por nosso assessor Paulo Vieira, surdo e grande defensor da inclusão.

Mário Júlio de Mattos Pimentel nasceu surdo. Em 1949, aos 16 anos, seu pai decidiu ensiná-lo a dirigir nas ruas. Aos 19, ele já dominava as estradas. Adorava viajar para o litoral paulista, em cidades como Santos.

A luta para conseguir sua carteira nacional de habilitação começou em 1964 e se estendeu por onze anos. Na época, São Paulo não concedia esse direito às pessoas com deficiência auditiva – embora fora do Brasil, países como a Argentina e os Estados Unidos também já garantiam esse direito ao cidadão surdo.

A primeira vez que Pimentel e seu pai tentaram obter a carteira de habilitação foi no Detran de SP. Lá, ouviram que direitos deveriam ser reivindicados em Brasília. Pimentel conta que seu advogado, Floriano Pereira, intérprete e advogado da Associação dos Surdos de São Paulo, no qual ele era sócio, ajudou muito nessa luta, enviando ofícios em nome da associação – sempre explicando que não havia nenhum impedimento para que um surdo dirigisse.

No entanto, como toda gestão era modificada após a mudança de governo, Pimentel e o advogado, sempre com muita paciência, repetiam e explicavam sobre a capacidade de uma pessoa surda dirigir. Ele conta que na época chegou a sair no Diário Oficial que pessoas com deficiência física podiam dirigir, mas os surdos não.

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Em meio a ofícios e protestos constantes, um deputado Federal, Nicolau Tuma, se interessou pelo caso e chamou Pimentel para ir até sua casa. Ele, claro, foi dirigindo sozinho com o Citroen emprestado do pai.

Ao chegar na casa do parlamentar, Pimentel impressionou. Afinal, ele estava conduzindo um dos raros veículos da época que tinha um câmbio diferente – acima do à direita. O retrovisor central era diferente, grande, e o retrovisor ao lado direito também fora modificado. As adaptações eram obra do pai de Pimentel.

Impressionado, o deputado entrou no carro, sentou no carona e seguiu viagem com Pimentel dirigindo. Durante o trajeto, o motorista explicava que os surdos são visuais e tinham muita facilidade em dirigir e olhar ao retrovisor ao mesmo tempo. Assim, poderiam avistar o sinal luminoso de uma ambulância, sirene de um carro de polícia, de bombeiros ou qualquer outro veículo.

O deputado Tuma, a fim de testar as habilidades de Pimentel, pediu para que ele virasse à direita na contramão. Sem hesitar, o motorista negou-se, mostrando a placa de trânsito. O carona riu muito em sinal de aprovação à atitude.

Foi a partir dessa e de outras viagens guiadas por Pimentel, que o deputado Tuma ou a defender a causa e discutir com o Conselho

Nacional de Trânsito. O processo foi lento, mas posteriormente a Câmara dos Deputados, o Senado e o Presidente do Brasil aprovaram. No entanto, o CONTRAN arquivou a aprovação e não a publicou no Diário Oficial.

Tempos depois desse ocorrido, Pimentel ficou sabendo que dois padres, Monsenhor Vicente, que era surdo, e Eugênio Cates (ouvinte) iriam a Brasília resolver algumas questões. Um dos padres era americano, ouvinte e sabia usar a Língua Brasileira de Sinais (Libras). O outro padre era brasileiro, surdo oralizado e sinalizado. Eles já desenvolviam um trabalho de inclusão junto aos surdos do nordeste, que tinham grandes dificuldades de ibilidade. Pimentel então resolveu pedir ajuda aos sacerdotes.

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Os dois padres souberam da história e a luta do surdo e foram até o CONTRAN sem agendar nada. Ao chegarem lá, o diretor do órgão se assustou, principalmente por nunca ter visto um padre surdo como Vicente, que falava e sinalizava, tampouco um padre americano.
Questionado sobre o processo da CNH, o diretor do conselho pegou a aprovação e pediu desculpas por ter ignorado o processo. Três dias após a visita dos padres, tudo foi resolvido e a comunidade surda comemorava a publicação no Diário Oficial.

Foi assim, depois de muita luta e com uma ajuda quase divina, que em 1975, aos 42 anos, Pimentel conseguiu tirar sua carteira nacional de habilitação. E ainda solicitou ao Governo Federal a aprovação para que as pessoas com deficiência auditiva pudessem também dirigir vans e táxis como profissionais. Luta que se estende até os dias de hoje.

Em junho deste ano, a deputada federal Mara Gabrilli protocolou uma indicação ao Poder Executivo e pediu uma revisão das normativas sobre a concessão de CNH profissional à pessoa com deficiência. Para ar o documento, clique aqui.

Com mais de 80 anos, Mário Pimentel Mattos ainda é lembrado por sua luta pela independência e respeito aos surdos. E continua a fazer uma das coisas que mais gosta: ele dirige seu próprio carro.

Relato escrito por Paulo Vieira, assessor da deputada Mara Gabrilli e surdo desde o nascimento.

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A liberdade sagrada das redes

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Noutro dia escrevi um texto sobre a cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem, responsabilizando parcialmente as novas tecnologias de comunicação. Disse: “Se por um lado as tecnologias deram voz à sociedade, por outro, nos têm distraído da concretude do mundo, de interação mais hostil, levando-nos a viver em mundos paralelos”. E: “No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades, mas sim no mundo virtual, um refúgio, retroalimentado pelo algoritmo, onde não há frustrações, mas sim gratificações instantâneas”. Bem, esse é um lado da questão. E não é novo.

Desde Freud se sabe que, diante do trauma, a criança dissocia-se para á-lo, refugiando-se na neurose, uma estratégia de defesa. Pois, assim como a criança abalada pelo trauma, as pessoas, diante das escalabrosidades do mundo concreto, fazem igual: elas podem se retirar para o mundo virtual, guardando, daquele, uma distância.

O outro lado da questão, o reverso da moeda, é que, sem as novas tecnologias de comunicação, a voz traumatizada da sociedade permaneceria atravessada na garganta, sem chance de extravasar-se.

A possibilidade de expressão liberou uma carga de justos ressentimentos contra os limites da política, as injustiças, o teatro social. De súbito, tivemos uma ideia do tamanho da insatisfação com os sistemas de vida, ando publicamente a protestar, em alguns casos chegando à revolução, como ocorreu na Primavera Árabe, onde as redes sociais cumpriram um papel fundamental.

Pois não é por outra razão que os donos do antigo mundo estão incomodados e querem controlar a liberdade de expressão, especialmente a velha imprensa, os monopólios empresariais, os sistemas políticos totalitários. Enfim, todos aqueles para quem a internet e as redes sociais ameaçam seu poder, ao por de pernas pro ar as certezas convenientes sobre as quais se assentaram.

Fato. As inovações desarranjam os mercados e os modos de vida. Toda inovação faz isso. É o preço do progresso. Mas, assim como é impossível voltar ao tempo do telégrafo (imagine o desespero nas Bolsas de Valores), é impensável retroagir ao mundo exclusivo da prensa de Gutenberg. Porque as descobertas, afinal, permitem avançar nos arranjos produtivos: propiciam economia de tempo, dinheiro e, no caso da comunicação, ampliam a liberdade, seu bem mais precioso. Pode-se dizer que não estávamos preparados para tanta liberdade súbita, e que venhamos, neste momento, usando-a “mal”. Contudo, parece razoável dizer que, à medida que o tempo e, estaremos mais e mais preparados para lidar com a liberdade e seus efeitos.

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Com todos os defeitos que a vida tem, é preferível mil vezes, ao controle da palavra, a liberdade de dizê-la. Quem pode afirmar (ou julgar) o que é verdadeiro e o que é falso, senão as pessoas mesmas, em última análise, de acordo com suas percepções e as pedras em seus sapatos? Pois hoje, depois de provarmos a liberdade trazida pelas novas tecnologias, mais do que nunca sabemos que a imprensa, em sua mediação da realidade, é falha, e como o é!

É interessante (e triste) ver como, após a criação da internet e das redes, grande parte da imprensa, ao perder o monopólio da verdade, se vêm tornando excessivamente opinativa e crítica das novas tecnologias. Deveria, sim, era aprimorar-se no trabalho para prestá-lo melhor. Acontece que — eis o ponto — como a velha imprensa não é livre de fato, como depende do financiador, muitas vezes de governos, ela vê nas novas tecnologias de ampla liberdade uma ameaça à velha cadeia de produção acostumada a filtrar o que valia ser dito, e o que não valia, em seu óbvio interesse, hoje nu, como o rei da história.

Além de tudo, há essa coisa interessante: a percepção. Para alguns pensadores do novo mundo, o que chamamos de realidade é uma simulação, no que concordo. Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros, paladares etc. não existem no mundo concreto (são imateriais), sendo portanto simulações percebidas pelos sentidos (pessoas veem cores em diferentes matizes, quando não divergentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado exclusivo dos nossos sentidos. Assim, a única coisa real seria a razão. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. “Penso, logo existo”.

Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos com que amos o mundo concreto, estando entrelaçados, não haveria diferença entre eles. Logo, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor. Eu acredito que é assim.

Uma vez provadas as inovações, não é possível retroagir. Podemos, isso sim, é refinar, em decorrência delas, o nosso comportamento.

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Vivendo em mundos paralelos

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Algo mudou na relação entre o jornalismo e os pelotenses. Até por volta de 2015, havia um marcado interesse nos assuntos da cidade. Um mero buraco, e nem precisava ser o negro, despertava vívida atenção. Agora já ninguém dá a mínima. Nem mesmo se o buraco for um rombo fruto de corrupção numa área de vida e morte, como a de saúde. O valor da notícia sofreu uma erosão nas percepções. Não é uma situação local, mas, arrisco dizer, do mundo.

Vem ocorrendo uma cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem. Um corte entre elas e a vida social. O espaço, que no ado era público, já hoje parece ser de ninguém.

A responsabilidade parcial disso parece, curiosamente, ser das novas tecnologias de comunicação. Se por um lado elas deram voz à sociedade como um todo, por outro, ao igualmente darem amplo o ao mundo virtual, elas nos têm distraído da concretude do mundo, de interação sempre mais hostil — distraído, enfim, da realidade mesma, propiciando que vivamos em mundos paralelos.

Outra razão é que, no essencial, nada muda em nossa realidade. Isso ficou mais evidente porque as redes sociais deram vazão, sem os filtros editoriais da imprensa, a um volume de problemas reais maior do que o que era noticiado. Se antes já havia demora nas soluções, essa percepção foi multiplicada pelo crescente número de denúncias feitas nas redes pelos próprios cidadãos. Os problemas que dizem respeito à coletividade se avolumam sem solução a contento, desconsolando e fatigando a vida.

Como a dinâmica da cidade (e da realidade) não responde como deveria, eis o ponto, estamos buscando reparações no ambiente virtual, sensitivamente mais recompensador, além de disponível na palma da mão.

No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades. Estamos habitando no mundo virtual, onde não há frustrações, mas sim gratificação instantânea. Andamos absortos demais em nossa vida. Abduzidos por temas de exclusivo interesse pessoal, retroalimentados minuto a minuto pelo algoritmo.

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Antes vivíamos num mundo de trocas diretas entre as pessoas. Hoje habitamos numa nuvem, no cyber-espaço. Andamos parecendo cada dia mais com Thomas Anderson, protagonista do filme Matrix. Conectado por cabos a um imenso sistema de computadores do futuro, ele vive literalmente em uma realidade paralela. Isso dá

Para complicar tudo, há pensadores para quem a realidade é uma simulação.

Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros etc. não existem no mundo concreto, mas são simulações percebidas pelo nosso corpo (pessoas veem as cores em diferentes tons, quando não em diferentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado dos nossos sentidos.

Assim, a única coisa real seria a razão, quer dizer, o modo como processamos aquelas percepções dos sentidos. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos que amos o concreto, não haveria diferença entre eles.

Segundo aqueles pensadores, como o mundo virtual está entrelaçado com o mundo concreto, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor.

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