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No filme Cinema Paradiso, o personagem Alfredo, velho projecionista de filmes na pequenina cidade de Giancaldo, na Itália, diz ao garoto órfão Totó, seu ajudante na sala de projeção, que “a vida não é como no cinema, a vida é mais difícil”.
Todos sabemos disso, por isso gostamos tanto do cinema. A ficção preenche as insuficiências da vida.
O jornalista nunca preenche as insuficiências, ele se alimenta delas, essa que é a verdade.
Hoje em dia eu tenho procurado me relacionar com a realidade como fazia o Fred Astaire com as pernas, todo o seu corpo, muito leve, quase flutuante. Procuro…
Com o ar dos anos, fui sentindo que a vida, infelizmente, não podia ser como no cinema, como eu vira em filmes que me influenciaram na profissão, como Todos os Homens do Presidente, O Ano Em Que Vivemos em Perigo, e, mais recentemente, Spotlight, este sobre a cobertura do Boston Globe sobre a pedofilia na igreja Católica.
Há muita injustiça no mundo – sempre haverá – não se pode fazer muito para corrigi-las. Pode-se fazer alguma coisa.
Continuo achando a vida real aquém das potencialidades humanas, mas quem se importa com o que eu acho?
Outro dia visitei um casal de trabalhadores, uma merendeira e um pintor de automóveis, que me receberam com cortesia em sua casa no Obelisco, no Areal.
Descobri pelo facebook que eles sofrem com a falta de água há 12 anos e, mais uma vez, encontrei a velha e comovente resignação pacífica e bem-humorada do povo brasileiro.
Eles riram da própria situação, ter de acordar às 5h com os galos e encher a caixa de água para garantir o consumo diário, já que a água deixa de correr em sua casa a partir das 9h.
Se há heróis no jornalismo, estes são as pessoas que consideramos “comuns”, como a merendeira Patrícia e o pintor Paulo.
“O tempo está ando, estou ficando careca”, disse Paulo, aos 57 anos, apontando para uma fotografia dele emoldurada na parede, em que exibe uma cabeleira dos anos 80, à xororó, emendando o comentário com aquele sorriso tímido típico dos garotos.
Hoje em dia eu fico envergonhado quando testemunho a humildade de quem ainda mantém a esperança de que um dia a justiça bata palmas à sua porta com uma boa notícia.
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© Rubens Spanier Amador é jornalista.
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