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Opinião

Carnaval pelotense era bom quando não era pago

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Republicado por razões óbvias |

Há muitos anos o Carnaval pelotense dá sinais de fadiga.

Num recente, vi um idoso puxando um bloco de sujos. Vestia roupas de mulher, uma longa peruca e avançava naquele inho miúdo de folião. Vinha um pouco isolado e me lembrou uma cena de Fellini, em que um velho se perde na cerração e começa a ter dúvidas se está vivo ou morto.

Não digo assim por demérito. Apenas procuro observar o que faz com as coisas o tempo, que costuma moer certezas além de renovar as ilusões.

O Carnaval pelotense foi Grande um dia. Falava-se que era o “Terceiro do Brasil”. A festa era mesmo muito animada, tanto que um prefeito cedeu ao clamor popular e aumentou a duração do evento de quatro dias para uma semana.

Pouco a pouco, porém, a folia foi minguando.

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A espontaneidade das pessoas, gente de todas as idades que (sem hora marcada) saía espontaneamente à rua para brincar, foi desaparecendo juntamente com o apelo turístico.

Carnaval de Pelotas era bom quando não era pago, era espontâneo

O Carnaval pelotense era atraente (eis o ponto) porque ocorria à margem da oficialidade, emanava espontaneamente da alma do povo.
Os turistas, que lotavam os hotéis, não vinham ver “desfiles oficiais”, que, aliás, não tinham “o caráter oficial de hoje”. Até podiam vê-los, mas o objetivo era se misturar aos foliões na rua, dançar com eles e namorar nos bailes dos clubes e teatros, inclusive nos bailes gays, que atraíam rapazes alegres da Argentina e do Uruguai, onde a homofobia era maior.

Naquela época (insisto) era o povo, naturalmente, quem comandava a festa. Ele a fazia por sua conta, com os farrapos e os instrumentos que tivesse à mão, uma caixa de fósforos que fosse; o poder público vinha a reboque lá atrás, quando vinha.

Carnaval de arela de Pelotas é pobre, mas a questão não é essa

Com a morte daquela espontaneidade, restou o atual modelo oficial da festa, que copia os “grandes centros”, com desfile de agremiações que ganham verbas da prefeitura para ar em arela fechada de o pago, além de algumas apresentações abertas de bandinhas em alguns pontos, igualmente subvencionadas pela municipalidade.

As agremiações fazem o possível com a verba oficial, em cortejos que pouco se diferenciam, parecendo repetições de anos anteriores, desprovidos daquele espírito criativo que aflorava por conta própria, quando de nada mais se precisava além do desejo do folião de fazer dele próprio a festa, sem cordões de isolamento, sem a prefeitura para se meter.

CARNAVAL PELOTENSE: POVO PAGA POR ALGO QUE ELE MESMO OFERECE

Sinto saudade de quando a espontaneidade ditava as regras de uma folia multifacetada, em que até as arelas dos desfiles eram a rua aberta (Quinze, Andrade Neves etc.), não apartada à custa de ingressos pagos como hj. Todo mundo se exprimia naquele caldeirão de raças que se formava nas ruas centrais e que mesclava pobres, classe média e ricos no mesmo espaço, até um padre, popular além da paróquia.
Hoje restaram os ‘carnavalescos’, sua associação (com alguns cargos de confiança na prefeitura) e a política, nada mais.

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Às vezes, zapeando o controle, vejo trechos de desfiles na TV Comunitária. Não me entenda mal. Eu iro os que resistem, e é bonito ver que ainda exista quem se dedique com o coração à tarefa. Mas a alegria que vejo, organizada, me parece triste.

© Rubens Spanier Amador é jornalista.

Facebook do autor | E-mail: [email protected]

Jornalista e escritor. Editor do Amigos de Pelotas. Ex Senado, MEC e Correio Braziliense. Foi editor-executivo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Atuou como consultor da Unesco e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Uma vez ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo, é autor dos livros Onde tudo isso vai parar e O fator animal, publicados pela Editora Lumina, de Porto Alegre. Em São Paulo, foi editor free-lancer na Editora Abril.

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Brasil e mundo

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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Cultura e entretenimento

O perigo das Gagas da vida

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Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

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A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

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