Amigos de Pelotas

Um carnaval pelotense que se foi 5v1p10

2e5h4t

Há muitos anos o Carnaval pelotense dá sinais de fadiga.

Num recente, vi um idoso puxando um bloco de sujos. Vestia roupas de mulher, uma longa peruca e avançava naquele inho miúdo de folião. Vinha um pouco isolado e me lembrou uma cena de Fellini, em que um velho se perde na cerração e começa a ter dúvidas se está vivo ou morto.

Não digo assim por demérito. Apenas procuro observar o que faz com as coisas o tempo, que costuma moer certezas além de renovar as ilusões.

O Carnaval pelotense foi Grande um dia. Falava-se que era o “Terceiro do Brasil”. A festa era mesmo muito animada, tanto que um prefeito cedeu ao clamor popular e aumentou a duração do evento de quatro dias para uma semana.

Pouco a pouco, porém, a folia foi minguando.

A espontaneidade das pessoas, gente de todas as idades que (sem hora marcada) saía espontaneamente à rua para brincar, foi desaparecendo juntamente com o apelo turístico.

O Carnaval pelotense era atraente (eis o ponto) porque ocorria à margem da oficialidade, emanava espontaneamente da alma do povo.

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Os turistas, que lotavam os hotéis, não vinham ver “desfiles oficiais”, que, aliás, não tinham “o caráter oficial de hoje”. Até podiam vê-los, mas o objetivo era se misturar aos foliões na rua, dançar com eles e namorar nos bailes dos clubes e teatros, inclusive nos bailes gays, que atraíam rapazes alegres da Argentina e do Uruguai, onde a homofobia era maior.

Naquela época (insisto) era o povo, naturalmente, quem comandava a festa. Ele a fazia por sua conta, com os farrapos e os instrumentos que tivesse à mão, uma caixa de fósforos que fosse; o poder público vinha a reboque lá atrás, quando vinha.

Com a morte daquela espontaneidade, restou o atual modelo oficial da festa, que copia os “grandes centros”, com desfile de agremiações que ganham verbas da prefeitura para ar em arela fechada de o pago, além de algumas apresentações abertas de bandinhas em alguns pontos, igualmente subvencionadas pela municipalidade.

As agremiações fazem o possível com a verba oficial, em cortejos que pouco se diferenciam, parecendo repetições de anos anteriores, desprovidos daquele espírito criativo que aflorava por conta própria, quando de nada mais se precisava além do desejo do folião de fazer dele próprio a festa, sem cordões de isolamento, sem a prefeitura para se meter.

Sinto saudade de quando a espontaneidade ditava as regras de uma folia multifacetada, em que até as arelas dos desfiles eram a rua aberta (Quinze, Andrade Neves etc.), não apartada à custa de ingressos pagos como hj. Todo mundo se exprimia naquele caldeirão de raças que se formava nas ruas centrais e que mesclava pobres, classe média e ricos no mesmo espaço, até um padre, popular além da paróquia.

Hoje restaram os ‘carnavalescos’, sua associação (com alguns cargos de confiança na prefeitura) e a política, nada mais.

Às vezes, zapeando o controle, vejo trechos de desfiles na TV Comunitária. Não me entenda mal. Eu iro os que resistem, e é bonito ver que ainda exista quem se dedique com o coração à tarefa. Mas a alegria que vejo, organizada, me parece triste.

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