2e5h4t
Para muitos pais, o primeiro filho se pode transformar numa gestação de inquietude. Quando falo ‘pais’, refiro-me aos primatas mais peludos, suas clavas – nós, homens. Pois uma coisa a vida me ensinou: em mulher, Deus esculpiu nariz para que fossem donas deles.
De repente, arredondando o casulo, o garanhão se apequena: “Como ser pai se não se resolveu como filho?” Outro sismo: a sensação de Prometeu, acorrentado à eternidade daqueles dois que no futuro poderão continuar a ser um => talvez contra ele.
Quanto de fígado será capaz de renovar para manter o leite da criança? Que terá de fazer para conservar por si, em sua parceira, o amor, ou seja, a iração? Derradeira pergunta: era mesmo dela que queria filho?
Aí será tarde para evitar o novo papel de sua vida, aquele que o fará um homem de verdade: refém. É hora de se esquecer de quem foi, mesmo porque, angústia em homem, mulher detesta. Mulheres gostam de machos que prescindam delas.
Então o rebento rebenta tudo e o pai chora, colado ao vidro do berçário. Na noite desse dia, ele talvez duvide se é por orgulho darwiniano que enche a cara no bar, baforando o tal charuto. Algo o perturba enquanto pensa em sua mulher, na maternidade, oferecendo seios àquela doçura que ainda balbuciará “papá” para a dúvida paterna em relação ao significado da palavra.
Pouco a pouco, o pai assiste ao herdeiro [de que?] mudar de voz e agigantar-se no sofá, no abismo do bolso, no coração da mulher, roubando-a de seus braços. Que fazer? Foi a sério quando o pivete, depois de soprar três velinhas, disse:
– Pai, quero virar o Hércules para casar com a mãe.
Descobrirá também que filho é um relógio. Enquanto cresce, o pai vê que o seu próprio tempo – e o tempo de suas possibilidades – começam a se esvair.
Só então se perguntará, diante do espelho, aonde foi parar aquela sua famosa silhueta de remador? Quando vai realizar aquele antigo projeto?
Um dia, no torno da meia idade, notará pelos brancos escapando-lhe pelo nariz e entenderá por quê, no berçário da maternidade, ao ver a agitação daqueles bracinhos para o nada, chorou como se ao próprio pai estivesse enterrando.
Então o casal decide se separar.
Enquanto o pai se pergunta “para onde foi o amor?”, o juiz concede a guarda do filho à mãe. À saída do fórum, novos sismos: será ele capaz de felicitar a ex-mulher, o namorado dela e seu próprio filho, compartilhando mais que o prato num restaurante? Ou, pouco depois, na tormenta de uma raiway, ansiará pela autodestruição?
No íntimo o pai sonhava família para sempre, pois assim seus pais lhe proporcionaram, ou então para vingar o fracasso deles.
Na constância das noites, poder apresentar o filho à Stevenson e aos segredos da Ilha do Tesouro, como seu próprio pai-agora-avô fez no sarampo dos seus nove anos. Proteger na dobra do cobertor os pezinhos do infante e, apesar de ateu, ministrar ao guri, todas as noites, a benção de dormir.
Tarde demais, sempre é assim, talvez seja dado ao pai conhecer o supremo do amor: que os humanos só merecem aqueles e aquilo a que são capazes de renunciar.
Então, ao invés de macular com rancor o mistério da alma de um filho, decidirá por regá-la, na esperança de vê-lo erguer-se um carvalho. Não há mesmo controle sobre a vida; isto o pai há também de aprender, e aceitar.
Como o crime, que às vezes compensa, no fim de tudo, ou seja, de todas as perdas, a natureza o confortará.
Mesmo que o filho se esqueça de telefonar no seu aniversário, o pai o perdoará. Ele o fará, porque lá no fundo, naquele lugar onde a razão já não faz mais qualquer sentido, o pai acabará se convencendo que aquele pilantra, em cujos olhos um dia não mais verá a iração pelo herói que para ele ainda julgava ser, que aquele verdadeiro estranho a partilhar sem pudor de suas intimidades, terá sido o único triunfo de sua existência.
Seu sangue purificado em definitiva hemodiálise. Sua remota esperança de que aquele pedaço de si compreenda melhor do que ele (pai) foi capaz os humanos e a vida. Nascimento, morte. Olá e adeus…