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Marcelo Dutra da Silva | Ecólogo e professor |
O acúmulo da água da chuva nas ruas de Pelotas e as cenas de alagamentos em diversos pontos da cidade, reflete, mais do que qualquer outra coisa, a lógica distorcida do nosso modelo de crescimento urbano, de impermeabilização desenfreada do solo, combinado a práticas nocivas de construção, que avançam de forma acelerada e sem controle sobre áreas naturais nobres, sobretudo úmidas e de preservação permanente.
Alguns podem alegar falta de limpeza dos bueiros, outros podem exigir o funcionamento perfeito das bombas, mas na prática, o que realmente nos falta, é planejamento ambiental na perspectiva do ambiente urbano e uma boa dose de educação.
É inconcebível que a população descarte qualquer tipo de lixo nas ruas, que varia de sacolas plásticas a colchões, sofás e todo tipo de eletrodoméstico.
Pelotas é uma cidade plana, é verdade, mas não é isto que determina os nossos alagamentos, não tanto quanto ter sido edificada sobre banhados e continuar crescendo em ritmo acelerado, sem atenção aos remanescentes naturais do entorno e a perda dos serviços ambientais prestados, incluindo a capacidade natural de absorver grandes volumes de água e reduzir a ocorrência enchentes.
Na verdade, o nosso sistema de drenagem é antigo e precário, com baixa capacidade de conter e transferir a água que acumula na superfície, nos dias de alta precipitação.
De outra parte, é uma questão de difícil solução, que depende de um corpo técnico adequado, dinheiro e muita vontade política. Sistemas de controle de cheias são caros e exigem tecnologia avançada, mas não são raros e podem ser encontrados em diferentes cidades do mundo.
Aliás, nem sempre um sistema é concebido para conter o volume precipitado, às vezes o propósito é barrar ou absorver a invasão das águas do entorno. Na região metropolitana de Tóquio, no Japão, uma das mais populosa do mundo, mesmo com a sua intensa impermeabilização do solo, em uma superfície plana e exposta aos eventos extremos da costa, o efeito destrutivo da água é controlado e não chega a sofrer os efeitos das grandes precipitações.
Os japoneses investiram em diversas soluções de diferentes níveis tecnológicos e de complexidade. Para conter o problema de enchentes eles criaram um gigantesco sistema de controle de cheias, com alta capacidade de contenção e drenagem das águas pluviais, com capacidade, inclusive, de ar o transbordamento dos cinco rios da periferia de Tóquio.
O G-CANS Project é o maior sistema de drenagem do mundo, composto por cinco reservatórios subterrâneos, interligados por um túnel de 10,4 km de comprimento e 10 m de diâmetro, enterrado a 50 m de profundidade. Uma obra fantástica!
Mas nem tudo é tão faraônico. Também faz parte do sistema de Tóquio, alguns piscinões, aproveitados como áreas de múltiplos usos, como quadras de esporte e pátios escolares. Pavimentos drenantes que realizam a absorção rápida e impedem alagamentos locais. E o complexo de comportas de proteção (WATERGATES), que começou a ser construído em 1924, com o objetivo de proteger as planícies de Tóquio das variações bruscas do nível do mar, tufões e chuvas intensas.
Enfim, algumas cidades avançaram no controle tecnológico de cheias, mas existem alternativas mais baratas, que podem ser empregadas com relativo sucesso, algumas conhecidas no Brasil, como o alargamento de rios, arroios e canais (p.ex. Tietê e Pinheiros, em São Paulo/SP).
É possível estimular projetos de construções inteligentes, com adaptações preventivas ao alagamento, sistemas de monitoramento de cheias, planos de emergência e programas de manutenção periódicos.
O fato é que poucas cidades estão preparadas para 82 mm de chuva, num curto espaço de tempo (2h). Mas esta realidade pode mudar se encararmos o problema com a seriedade que merece. Alagamentos e drenagem urbana fazem parte do saneamento básico, o difícil é serem vistos como prioridade.