Lá vou eu de novo falar do Chaplin. Mas é que estou lendo a biografia definitiva sobre o baixinho, assinada por David Robinson (Novo Século Editora, 2012).
Deparei com o trecho abaixo ontem. Achei sensível, profundo no sentido da verdade e da essência das coisas.
Divido com os amigos.
Trecho 1ql4p
Ninguém antes dele (Chaplin), ou até então, tivera tamanha carga de idolatria sobre si; não era ele ou seus críticos, mas as multidões que se amontoavam em todos os cantos em sua turnê mundial que o tinham lançado ao papel de símbolo de todos os pobretões do mundo.
Sobreviver a isso, continuando são e humano, era como um milagre. Chaplin sentia profundamente o peso e a responsabilidade.
Em um o repentino, em 1931, Chaplin disse a Thomas Burke:
“Mas Tommy, não é patético, não é horrível que essas pessoas se reúnam em torno de mim e gritem ‘Deus o abençoe, Charlie!’ e queiram tocar meu casaco, e riam, e até mesmo derrubem lágrimas? Eu os vi fazer isso — se eles conseguem tocar minha mão. E por quê? Por quê?
Simplesmente, porque eu os alegrei.
Meu Deus, Tommy, que tipo de mundo horrendo é este — que faz as pessoas viverem vidas tão miseráveis que, se alguém as faz rir, elas querem se ajoelhar e tocar seu casaco, como se ele fosse Jesus Cristo trazendo-os de volta do mundo dos mortos?
Dizem uma coisa da vida: dizem que há um belo mundo para se viver. Quando essas multidões se reúnem à minha volta desse jeito — mesmo sendo para mim, pessoalmente, como é — fico mal espiritualmente, pois eu sei o que está por trás disso.
Tanta sordidez, tanta feiura, tamanha miséria, que, simplesmente, porque alguém os ‘fez rir e esquecer’, eles pedem que Deus o abençoe”.
Burke percebeu que Chaplin não tinha compreendido.
“Não era o mundo que estava errado: Era o próprio Charlie. Ele pedia demais. Se ele apenas pudesse ser tão tolerante quanto o ‘Carlitos’, seria mais feliz.
Um pequeno degelo de seu desapego gélido; alguma coisa pequena que o ajudasse a ver o mundo claramente como um mundo, em vez de vê-lo através de seu temperamento; uma visão do mundo como um lugar não inteiramente dedicado à ruptura do nobre e do belo, e ele chegaria à compreensão pela qual homens tão agudamente sensíveis, como ele mesmo, conseguem viver felizes neste chiqueiro.
Muitos dos problemas de sua vida privada — e ele teve muitos — nasceram de sua própria falta de paciência com a natureza humana.
Com uma vasta experiência de vida, ele parece, no entanto, não ter se beneficiado dela.
Ele conhece as pessoas e é um juiz rápido de caráter, mas não consegue ajustar seus ideais a fim de conseguir vivê-los. Ele tem percepção intelectual, mas não foi aquecido pelos raios da tolerância, e é, portanto, estéril.
Mas o que quer que seja — generoso, frio, caprichoso —, ele evoca minha afeição como homem, e toda a minha iração como artista”.
Não é interessante?