Do Portal R7 (Record) – Dona Nair Ribeiro Alvaides, de 57 anos, não consegue se conformar com a morte da filha. “Fiquei revoltadíssima”, diz a mãe que viu a filha sucumbir ao câncer de colo de útero. De acordo com a mãe, Greice Ribeiro Alvaides Dóro, de 33 anos, fez o exame preventivo de câncer, o Papanicolau, na rede pública de saúde de Pelotas, no Rio Grande do Sul.
“Menos de dois meses depois ela começou a sangrar. Procuramos um médico particular e descobrimos que ela já estava tomada pelo câncer, que não tinha mais como fazer cirurgia”, lamenta a mãe.
O câncer que começou no útero se espalhou, foi para a bexiga e para a parte interna da vagina. Greice lutou por mais de um ano, mas não conseguiu resistir e morreu no dia 22 de janeiro de 2018.
Dona Nair tem certeza que a filha é uma vítima da suposta fraude dos exames preventivos de câncer de colo de útero do SUS (Sistema Único de Saúde) de Pelotas. Ela conta que pretende denunciar e contar a história da filha para que o sofrimento não se repita.
“Sei que minha filha não volta mais, mas se através dela outras mães puderem evitar essa dor que sinto, farei de tudo para que ninguém e por isso”, diz dona Nair.
As acusações vieram à tona na semana ada. O laboratório SEG – Serviço Especializado em Ginecologia, que tem contrato com a prefeitura de Pelotas, está sendo acusado de fraudar os exames que deveriam apontar possíveis lesões de colo de útero nas mulheres atendidas na rede municipal de saúde.
A denúncia foi feita por médicos e enfermeiros da UBS Bom Jesus, que fica em um dos maiores bairros da cidade. A equipe percebeu uma redução muito grande no número de casos da doença. Entre janeiro de 2014 e junho de 2017, nenhuma mulher que fez o exame teve alteração descrita no resultado.
Uma tabela de exames da mesma unidade de saúde mostrou que antes deste período, 44 resultados emitidos pelo mesmo laboratório apontaram lesões cancerígenas.
A suspeita é que as amostras coletadas nas unidades de saúde e enviadas para o SEG foram analisadas por amostragem: a cada 100, apenas uma era, de fato, examinada. De acordo com as médicas que fizeram a denúncia, mesmo pacientes com lesões aparentes recebiam resultado “normal”.
Quase 7 mil exames por ano 6nw3t
De acordo com o Portal Transparência, em 2017 o laboratório recebeu um total de 6.923 amostras para preventivo de câncer de colo de útero. Segundo a ata de licitação, para cada amostra, o SEG recebeu R$ 7,45. Isso significa que, em 2017, o laboratório recebeu R$ 51.578,35.
Na tabela base do SUS, o exame Papanicolau sem biópsia custa R$ 6,97.
O R7 entrou em contato com a advogada que representa o laboratório, Christiane Ualt Fonseca. Ela disse que a proprietária do laboratório SEG não irá dar entrevista. A manifestação sobre caso ocorrerá somente “através de nota de esclarecimento à população na segunda-feira”.
A prefeitura publicou em seu site oficial uma nota de esclarecimento. De acordo com o texto, a prefeitura recebeu a primeira denúncia, um “memorando em que profissionais da UBS Bom Jesus manifestaram dúvida quanto aos resultados dos exames”, em julho de 2017.
Segundo a nota, depois disto uma equipe da Vigilância Sanitária foi até o laboratório para uma fiscalização e solicitou os relatórios de monitoramento interno de qualidade. O material foi entregue e o SEG teve o alvará sanitário renovado até o dia 23 de novembro deste ano.
Ainda de acordo com a nota, depois da denúncia feita pela imprensa, a prefeitura voltou a solicitar os relatórios de qualidade do laboratório – que se comprometeu a entregar até esta segunda-feira (16).
O comunicado encerra dizendo que a secretaria municipal de saúde “voltará a se manifestar formalmente sobre o assunto após receber e analisar os relatórios do SEG”.
Ministério Público e I u5t1v
O MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul) vai investigar o caso. Um inquérito civil público foi aberto e está sob responsabilidade da promotora Ângela Rotundo.
A câmara de vereadores de Pelotas informou que também pretende levar a denúncia para o Ministério Público Federal “pois trata-se de verba do Sistema Único de Saúde”.
De acordo com o vereador Marcos Ferreira (PT), presidente da Comissão de Saúde da câmara, a intenção é levar a denúncia também para a Assembleia Legislativa, Câmara de Deputados e Senados, pois “trata-se de recursos das três esferas”. Além disso, na terça-feira (17) devem iniciar os trabalhos da I da Saúde, que também vai analisar o caso.
“Este pode ser o maior crime já cometido na saúde em Pelotas, visto que o câncer não tem cura, um dia sem tratamento é um dia a menos de vida”.