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Há um problema central com as denúncias envolvendo o poder público pelotense. Por tradição, o destino da esmagadora maioria, mesmo as graves, como os supostos exames fraudados de Papanicolau, tem sido o mesmo das estrelas cadentes: clarão intenso, mas breve. Esse efeito ocorre mesmo com aquelas denúncias que possuem maiores indicativos de consistência.
Diante da falta prática de resultados para a solução dos problemas, as denúncias parecem surgir em cena apenas como benefício de uma “Cadeia de Produção de Boas Intenções”.
Vários atores ganham – não por mal – com a exposição de um problema. É normal. Vereadores ganham um justo palanque. Jornalistas ganham uma importante notícia. Pessoas carentes ganham recompensadores minutos de fama emitindo opinião ao microfone de audiências com vereadores transmitidas pela TV Câmara. Também os maluquinhos “do discurso” ocupam o microfone dos carentes para performances que lembram líderes populistas do ado, caprichando no gestual e nos adjetivos.
Em geral os atores mais sem graça desse cenário são as autoridades, é claro, já que a elas é reservado o incômodo papel de “ter que dar explicações”. “Onde já se viu isso?”, algumas provavelmente pensem, embora “isso” se veja em muitos lugares civilizados. Nos países escandinavos, por exemplo, uma autoridade é tratada como igual pelo cidadão, coisa muito diferente do que ocorre no Brasil, onde sabemos muito bem como costuma ser.
Nesta semana, a secretaria de Saúde Ana Costa foi inquirida por vereadores sobre o suposto desvio de combustível e adulteração da quilometragem de ambulâncias do Samu. Deu explicações convencionais, prometeu providências, mas não desmentiu as acusações, como se esperaria de um governo no controle de sua gestão.
A mais recente denúncia, desta semana, dá conta que o laboratório contratado do Município para fazer exames de Papanicolau estaria examinando por amostragem e não na totalidade, como deveria.
Pela denúncia, supostamente de uma enfermeira identificada em matérias por “J.”, milhares de mulheres que solicitaram preventivos de câncer através da prefeitura estariam recebendo resultados de “negativo”, sem que o exame tenha sido feito de fato.
Ana ainda não foi ouvida em audiência pública sobre esse tema. Mas, igualmente, nas declarações que deu sobre o caso, não foi capaz de refutar a acusação. Limitou-se a dizer que o caso será apurado, e a primeira coisa que anunciou foi um pedido ao laboratório das planilhas dos exames, como se isso fosse suficiente.
É certo que os pelotenses atentos se deram conta da gravidade da denúncia feita pela enfermeira “J.” Disse ela a um jornal: “Desconfiamos dos resultados dos exames, pois os laudos vinham sempre do laboratório com o mesmo resultado: normal. Isso não é possível, já que algumas pacientes apresentavam lesões aparentes, ao ponto de justificar o pedido de exame”.
Com talentos de investigadora, J. diz que fez uma “marca” nas requisições de exame para pacientes visivelmente com lesões no útero, antes de enviá-las ao laboratório. “As requisições voltaram sempre com o resultado normal’” para câncer, enquanto várias das pacientes estejam chegando ao Hospital da UFPel em estágio avançado de metástase”, disse “J”.
Outra “enfermeira anônima” relata que as repetições de normal vêm ocorrendo nos últimos seis anos. “Até então as mulheres de Pelotas apresentavam índices de câncer semelhantes ao resto do Brasil, mas nos últimos anos eles caíram para quase zero, isso não é real”.
É uma denúncia grave que deveria provocar reações imediatas do prefeito da vez, na mesma urgência aplicada, por exemplo, pelo então prefeito Eduardo Leite após a tragédia da Boate Kiss. Para que as mortes não se repetissem aqui, ele convocou uma força-tarefa com bombeiros etc. para rear os planos de prevenção a incêndio. Com o tempo, a boa intenção se perdeu na burocracia, mas a lembrança que ficou foi de um governante – naquele momento – atento e responsável com a coisa pública, algo que não se tem repetido no governo de sua sucessora.
Uma denúncia como esta deveria exigir uma reação firme do governo.
Como não desmentiu a denúncia, porém, a impressão é de que a fiscalização oficial não tem controle sobre os exames. O fato de não ter preocupação sequer com este ponto explica, provavelmente, porque a prefeitura não cria uma controladoria para combater a corrupção. Promotores de justiça tb não parecem rigorosos na detecção e na apuração dos casos.
PS: Depois de publicado este artigo, o leitor Antônio Mayer comentou, me corrigindo: “A prefeitura tem sim uma controladoria para combater a corrupção e os desvios de conduta dos servidores. Se chama “Unidade Central de Controle Interno – UCCI” e está vinculada ao Gabinete da Prefeita. A UCCI tem por obrigação elaborar pareceres sobre denuncias encaminhadas ao setor e torná-las públicas. O problema é que esta informação não é disponibilizada. É para consumo interno, ou seja, não tem transparência”.