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É sobre fomes g355g

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Pablo Rodrigues*

O futebol ensina. Por trás de cada e despretensioso para o lado, há um punhado de histórias cheias de derrotas, de fracassos gritantes, mas também de vitórias inexplicáveis, de alegrias abertas à esperança de uma nova vida que nunca nascem sozinhas. Histórias de batalhas vencidas por uma espécie de armada invisível, disposta aos maiores sacrifícios.

Taison ou fome. E o texto poderia terminar aqui – o principal estaria dito: a vida é senhora de ausências e milagres. Não fosse a macarronada feita por um dirigente do Progresso e talvez a jovem e magricela promessa não tivesse marcado três gols naquele dia contra o Inter. Porque não havia almoçado. E não havia almoçado porque são assim os dias nos bairros mais pobres de Pelotas: dias feitos de pão contra dias de não.

Talvez não tivesse despertado os olhares do time da capital. Talvez jamais tivesse deixado o Navegantes para onde hoje, coração nos lábios, sempre volta. Santa e milagrosa macarronada. Santo pão feito de trigo, farinha e trabalho humano. Santos pés e pernas e dribles. Santas ruas de chão batido. Santas pracinhas públicas em que a meninada pode escapar dos buracos e transformar pares de chinelo em traves. Santo segundo antes do gol – a suspensão do mundo, o cabeceio no alto, o ar parado. Dadá nos acuda!

O futebol ensina. E salva. Contra toda desesperança, salva. Resgata. Não poucas vezes. Faz o que poder público deveria fazer: olha para quem pouco ou quase nada tem. O maior nome do futebol pelotense em atividade ou fome nesta mesma Pelotas que cresce assustadoramente, tem uma legião de miseráveis, permanece sem justiça social e começa, contraditoriamente, a ensaiar um discurso meritocrático. Sem oportunidades iguais, o discurso do mérito sempre será falacioso.

Quantos, como Taison, talentosos como ele, hoje estão em Pelotas, como ele esteve, cuidando carros nas esquinas? Quanto valor desperdiçado em cada pessoa esmagada pela falta de condições mínimas? Esmagada pela ânsia de suprir a mais básica e primitiva das necessidades: a de comer. Nascido no Sul do Sul, Taison é, antes de tudo, um forte. E, neste ano de eleições, talvez não haja político digno sequer de amarrar os cadarços de suas chuteiras.

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O futebol ensina. Porque, invariavelmente, recorda a importância de um pai e de uma mãe. A de Taison teve 11 filhos. E criou todos. Não sem dor. Não sem angústia. Não também sem uma força interior capaz de fazer inveja à mais disciplinada das pessoas.

Para alimentar os seus pequenos, dona Rosângela trabalhou como doméstica e várias vezes recorreu ao sopão distribuído pelas igrejas. O excelente perfil feito pelo Tino Marcos e produzido pelo Marcelo Prata, jornalista formado pela Universidade Católica de Pelotas, mostrou ao país com delicadeza e responsabilidade o essencial na vida de Taison: uma mãe sorridente e orgulhosa, que se tornou, de certo modo, um pouco a mãe de todo mundo, a mãe da gente também.

O futebol ensina. Porque é sempre sobre mais do que apenas 22 pessoas correndo atrás de uma bola. É sobre tudo o que se precisou driblar para chegar até aqueles 90 minutos de uma partida, seja de Copa do Mundo ou de várzea. Porque também a várzea tem seus encantos e gols espetaculares. Tem suas risadas e discussões, pernas para cima, pós-jogo, em outro tipo de copa, feita de largos balcões e de mesas e cadeiras enferrujadas. É eternamente febril o estado dos que amam o futebol. Se não fosse, como Taison resistiria a tantas contrariedades? Como aria um não ao sonho de jogar em time grande por ser franzino? Como não ser franzino quando se tem fome? Nunca é somente futebol, meus amigos e minhas amigas. Nunca será. É sobre fomes. De bola e de macarrão.

Sartori apareceu em primeiro na preferência dos gaúchos para o governo do Estado. Ao menos é o que diz pesquisa publicada ontem no Jornal do Comércio. E juram de pés juntos que ela não foi feita somente em Caxias. O que Sartori não diz é por que pouco fez por quem pouco tem. Em seu encalço, vem Eduardo Leite. E fala, por cifras, em mais austeridade. Austero é o prato vazio. Rosseto, Jairo Jorge…

Todos olham as contas do Estado, multiplicam números. Falam pouco em gente, na gente que constrói este Rio Grande do Sul de regiões tão díspares. Às vezes, se parecem com um dos homens que o Pequeno Príncipe conheceu em certo planeta: “Conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão contas. E o dia todo repete, como tu: ‘Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!’ E isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem; é um cogumelo.”

Tão comuns estes homens “cogumelares”. Tão sérios todos…

A Copa do Mundo começa amanhã. Taison já está na Rússia. Com ele, Pelotas inteira, mas, principalmente, o povo da periferia. Porque a vitória de Taison é vitória de quem não nasceu em berço de ouro. É a vitória de quem precisou descobrir, a cada dia, como sobreviver. É a vitória de quem ou fome e sentiu na pele o desamparo.

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O futebol só é alienação para quem não enxerga para além da casca. A história do Taison e da família dele está aí para dar testemunho. Vale muito mais do que qualquer discurso que será dito até outubro. Porque é vida sofrida. Vida transformada. Vida em movimento.

Fica combinado, então: ninguém vai reclamar da Copa e dizer, com ares de intelectual, que é uma vergonha “tudo parar por causa de um jogo.” Os jogadores de futebol não são culpados pelos problemas sociais. Muito menos culpado é o próprio futebol. Em um país de mil e tantas misérias como o Brasil, o futebol é sinal de esperança. É a certeza de que existe ao menos a mínima possibilidade de alguém em completa desvantagem social virar o jogo.

Ao futebol, portanto. E, logo, aos deveres do voto!

O excelente texto de Pablo foi publicado originalmente no jornal Diário Popular, onde assina uma coluna. E reproduzido aqui com a gentil cortesia do autor.

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Brasil e mundo 3m3y11

A liberdade sagrada das redes 3f2n1p

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Noutro dia escrevi um texto sobre a cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem, responsabilizando parcialmente as novas tecnologias de comunicação. Disse: “Se por um lado as tecnologias deram voz à sociedade, por outro, nos têm distraído da concretude do mundo, de interação mais hostil, levando-nos a viver em mundos paralelos”. E: “No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades, mas sim no mundo virtual, um refúgio, retroalimentado pelo algoritmo, onde não há frustrações, mas sim gratificações instantâneas”. Bem, esse é um lado da questão. E não é novo.

Desde Freud se sabe que, diante do trauma, a criança dissocia-se para á-lo, refugiando-se na neurose, uma estratégia de defesa. Pois, assim como a criança abalada pelo trauma, as pessoas, diante das escalabrosidades do mundo concreto, fazem igual: elas podem se retirar para o mundo virtual, guardando, daquele, uma distância.

O outro lado da questão, o reverso da moeda, é que, sem as novas tecnologias de comunicação, a voz traumatizada da sociedade permaneceria atravessada na garganta, sem chance de extravasar-se.

A possibilidade de expressão liberou uma carga de justos ressentimentos contra os limites da política, as injustiças, o teatro social. De súbito, tivemos uma ideia do tamanho da insatisfação com os sistemas de vida, ando publicamente a protestar, em alguns casos chegando à revolução, como ocorreu na Primavera Árabe, onde as redes sociais cumpriram um papel fundamental.

Pois não é por outra razão que os donos do antigo mundo estão incomodados e querem controlar a liberdade de expressão, especialmente a velha imprensa, os monopólios empresariais, os sistemas políticos totalitários. Enfim, todos aqueles para quem a internet e as redes sociais ameaçam seu poder, ao por de pernas pro ar as certezas convenientes sobre as quais se assentaram.

Fato. As inovações desarranjam os mercados e os modos de vida. Toda inovação faz isso. É o preço do progresso. Mas, assim como é impossível voltar ao tempo do telégrafo (imagine o desespero nas Bolsas de Valores), é impensável retroagir ao mundo exclusivo da prensa de Gutenberg. Porque as descobertas, afinal, permitem avançar nos arranjos produtivos: propiciam economia de tempo, dinheiro e, no caso da comunicação, ampliam a liberdade, seu bem mais precioso. Pode-se dizer que não estávamos preparados para tanta liberdade súbita, e que venhamos, neste momento, usando-a “mal”. Contudo, parece razoável dizer que, à medida que o tempo e, estaremos mais e mais preparados para lidar com a liberdade e seus efeitos.

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Com todos os defeitos que a vida tem, é preferível mil vezes, ao controle da palavra, a liberdade de dizê-la. Quem pode afirmar (ou julgar) o que é verdadeiro e o que é falso, senão as pessoas mesmas, em última análise, de acordo com suas percepções e as pedras em seus sapatos? Pois hoje, depois de provarmos a liberdade trazida pelas novas tecnologias, mais do que nunca sabemos que a imprensa, em sua mediação da realidade, é falha, e como o é!

É interessante (e triste) ver como, após a criação da internet e das redes, grande parte da imprensa, ao perder o monopólio da verdade, se vêm tornando excessivamente opinativa e crítica das novas tecnologias. Deveria, sim, era aprimorar-se no trabalho para prestá-lo melhor. Acontece que — eis o ponto — como a velha imprensa não é livre de fato, como depende do financiador, muitas vezes de governos, ela vê nas novas tecnologias de ampla liberdade uma ameaça à velha cadeia de produção acostumada a filtrar o que valia ser dito, e o que não valia, em seu óbvio interesse, hoje nu, como o rei da história.

Além de tudo, há essa coisa interessante: a percepção. Para alguns pensadores do novo mundo, o que chamamos de realidade é uma simulação, no que concordo. Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros, paladares etc. não existem no mundo concreto (são imateriais), sendo portanto simulações percebidas pelos sentidos (pessoas veem cores em diferentes matizes, quando não divergentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado exclusivo dos nossos sentidos. Assim, a única coisa real seria a razão. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. “Penso, logo existo”.

Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos com que amos o mundo concreto, estando entrelaçados, não haveria diferença entre eles. Logo, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor. Eu acredito que é assim.

Uma vez provadas as inovações, não é possível retroagir. Podemos, isso sim, é refinar, em decorrência delas, o nosso comportamento.

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Brasil e mundo 3m3y11

Vivendo em mundos paralelos 5z181m

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Algo mudou na relação entre o jornalismo e os pelotenses. Até por volta de 2015, havia um marcado interesse nos assuntos da cidade. Um mero buraco, e nem precisava ser o negro, despertava vívida atenção. Agora já ninguém dá a mínima. Nem mesmo se o buraco for um rombo fruto de corrupção numa área de vida e morte, como a de saúde. O valor da notícia sofreu uma erosão nas percepções. Não é uma situação local, mas, arrisco dizer, do mundo.

Vem ocorrendo uma cisão no vínculo entre as pessoas e o meio em que vivem. Um corte entre elas e a vida social. O espaço, que no ado era público, já hoje parece ser de ninguém.

A responsabilidade parcial disso parece, curiosamente, ser das novas tecnologias de comunicação. Se por um lado elas deram voz à sociedade como um todo, por outro, ao igualmente darem amplo o ao mundo virtual, elas nos têm distraído da concretude do mundo, de interação sempre mais hostil — distraído, enfim, da realidade mesma, propiciando que vivamos em mundos paralelos.

Outra razão é que, no essencial, nada muda em nossa realidade. Isso ficou mais evidente porque as redes sociais deram vazão, sem os filtros editoriais da imprensa, a um volume de problemas reais maior do que o que era noticiado. Se antes já havia demora nas soluções, essa percepção foi multiplicada pelo crescente número de denúncias feitas nas redes pelos próprios cidadãos. Os problemas que dizem respeito à coletividade se avolumam sem solução a contento, desconsolando e fatigando a vida.

Como a dinâmica da cidade (e da realidade) não responde como deveria, eis o ponto, estamos buscando reparações no ambiente virtual, sensitivamente mais recompensador, além de disponível na palma da mão.

No mundo moderno, não habitamos mais exatamente nas cidades. Estamos habitando no mundo virtual, onde não há frustrações, mas sim gratificação instantânea. Andamos absortos demais em nossa vida. Abduzidos por temas de exclusivo interesse pessoal, retroalimentados minuto a minuto pelo algoritmo.

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Antes vivíamos num mundo de trocas diretas entre as pessoas. Hoje habitamos numa nuvem, no cyber-espaço. Andamos parecendo cada dia mais com Thomas Anderson, protagonista do filme Matrix. Conectado por cabos a um imenso sistema de computadores do futuro, ele vive literalmente em uma realidade paralela. Isso dá

Para complicar tudo, há pensadores para quem a realidade é uma simulação.

Segundo eles, cada um de nós só tem o às coisas através dos sentidos (olfato, visão, tato, audição, paladar). Porém, como cores, cheiros etc. não existem no mundo concreto, mas são simulações percebidas pelo nosso corpo (pessoas veem as cores em diferentes tons, quando não em diferentes, como os daltônicos), aqueles pensadores sustentam que o mundo como o percebemos seria resultado dos nossos sentidos.

Assim, a única coisa real seria a razão, quer dizer, o modo como processamos aquelas percepções dos sentidos. É o que diz Descartes, para quem a razão é a única prova da existência. Como amos o mundo virtual pelos mesmos sentidos que amos o concreto, não haveria diferença entre eles.

Segundo aqueles pensadores, como o mundo virtual está entrelaçado com o mundo concreto, não deveríamos condenar o mundo virtual, mas sim o explorarmos melhor.

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