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Pelotas e RS

Por razões sentimentais, conto

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Faz muito tempo, mas até hoje ainda penso na noite em que minha mãe e eu decidimos penhorar o boizinho de ouro do meu pai. O boizinho esse era um troféu que o velho ganhou na aposentadoria.

A ideia de penhorar foi minha. Por isso ainda me culpo por não ter conseguido recuperar a peça do banco. Minha mãe nunca me disse nada nesses anos todos. Mas sempre achei que nunca me perdoou, mesmo que meu pai já tivesse morrido quando propus a ela o negócio.

Nos últimos dias, essa história tem me incomodado…

Para teres uma ideia de como ando, sábado ado, Natália, a colega da Medicina de quem te falei na sessão anterior, me convidou para almoçar na casa da família dela. São muito ricos, como te disse.

Moram numa mansão – aqui perto, nos arredores de Porto Alegre. Eu não queria ir, não gosto muito de reuniões familiares, como sabes. Mas namoramos há algum tempo, os pais dela queriam me conhecer, não tive como recusar.

No começo, foi ótimo. Os pais dela me levaram para a varanda, onde me apresentaram os outros filhos e parentes. Estava um dia de sol.

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Na hora do almoço, aconteceu uma coisa. Como não estou acostumado com festas nem com ambientes de gente rica, me atrapalhei com a quantidade de talheres. Não sabia quais deveria usar. Enquanto eu tentava descobrir as peças certas, notei que dois irmãos de Natália se cutucaram e riram.

Aquilo ficou atravessado na minha garganta, tanto que perdi a fome, embora tenha continuado a comer.

Então, no meio do almoço, houve um momento em que me senti hipnotizado pelos talheres de ouro reluzindo nos raios filtrados pelo parreiral acima de nós. Vi pedaços do meu rosto, um olho, refletidos nos garfos e nas facas.

Levantei a cabeça, olhei em volta da mesa. Encarei aqueles felizes, o revoar das cortinas da mansão, e tive a sensação de que eu não me encaixava no cenário.

Devo ter ficado meio fora do ar, pois Natália me tocou no braço e perguntou se eu estava bem.

Depois do almoço, dei uma desculpa qualquer, voltei para casa e me fechei no apartamento. Debruçado na janela, fiquei observando os prédios, as pessoas ando lá embaixo. Olhando o movimento do Rio Guaíba, voei no tempo.

De repente, meus olhos não viam mais as águas do rio. Viam agora o canal dos fundos da nossa antiga casa, a casa da minha infância. Revi o boizinho reluzindo nas mãos do pai. Lembrei de quando, da minha cama de armar, eu observava ele e minha mãe tomando café antes que o galo cantasse.

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Eu ficava com os olhos semicerrados, por isso eles achavam que eu dormia.

O pai então se aproximava de mim no escuro e dizia baixinho: “Ainda serás um grande homem”.

Depois, me tapava melhor com o cobertor, prendia a ponta das cobertas debaixo dos meus pés, e saia na bicicleta para o matadouro.

O que vou te dizer agora, nunca contei para ninguém. Nunca, em 20 anos.

Eu devia ter uns nove anos de idade, mas ainda não sabia o que o pai fazia no abatedouro. Um dia, sem a mãe saber, fui lá no trabalho dele.

Fui descalço, me divertindo com a lama quente se infiltrando entre os dedos dos meus pés.

Contornei os aramados do lugar. Rastejei, feito um lagarto, pela grama.

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De repente, vi meu pai. Ele gritava com os homens e com os bois. Os animais mugiam em fila, num corredor de madeira.

Vi que meu pai ergueu lá no alto uma marreta e congelou, feito uma estátua.

Fiquei orgulhoso de ver que ele comandava a cena.

Então, com um golpe seco, ele marretou com toda força dos músculos a cabeça grande do boi, que tombou desnorteado, depois em urros sob o facão.

E depois marretou outro e mais outro e ainda outro.

Descobri que meu pai era uma espécie de carrasco…

Voltei para casa, agora com raiva da lama entre meus dedos. Minha mãe pensou que eu estava doente. Por isso, antes de estender roupas no varal, me acomodou na cama deles.

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Quando o pai chegou do trabalho, era de noite. Já faz tempo, mas ainda posso ouvir os os dele estalando a madeira do assoalho. Ele entrou no quarto devagar, sentou na beirada da cama e ficou olhando para mim por um bom tempo. Devia estar me dizendo coisas com o pensamento. Ele ergueu a mão, mexeu nos meus cabelos e perguntou: “O que tens filho?”

Eu queria responder, mas as palavras estavam presas na minha garganta; de lá, desceram para o estômago. Então o pai fez uma coisa que nunca tinha feito. Ele me abraçou. Me apertou forte contra o peito, impregnado pelo cheiro da morte. Nessa hora botei para fora todo o meu desespero. Não pela boca, pois as palavras ficaram presas em algum lugar dentro de mim.

Chorei até adormecer nos braços do meu pai… aquelas mãos que, anos depois, durante uma homenagem, seus patrões chamaram de certeiras e infalíveis antes de entregarem a ele o troféu.

Jornalista e escritor. Editor do Amigos de Pelotas. Ex Senado, MEC e Correio Braziliense. Foi editor-executivo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Atuou como consultor da Unesco e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Uma vez ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo, é autor dos livros Onde tudo isso vai parar e O fator animal, publicados pela Editora Lumina, de Porto Alegre. Em São Paulo, foi editor free-lancer na Editora Abril.

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1 Comment

1 Comments

  1. Kafka

    10/06/18 at 16:43

    Hoje sou um homem cultural/financeira/econômica/familiar bem resolvido. Sou filho de um casal pobre, mas bem resolvido. Sempre tive o mínimo necessário às minhas necessidades. Mas tenho um demônio que me persegue. Ele me cobra por, quando já bem resolvido financeiramente, não ter proporcionado um fim de vida mais confortável à minha inesquecível mãe. Por falta de tempo, de sensibilidade ou que desculpa esfarrapada me possa dar, não me isento por essa falha imperdoável de minha vida…

Brasil e mundo

Edital do Enem 2025 é publicado; veja datas e regras do exame

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O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) publicou em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) desta sexta-feira (23), o edital do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2025.

O período de inscrições será de 26 de maio a 6 de junho. Os interessados deverão se inscrever na Página do Participante do exame, no site do Inep.

Conforme adiantado pelo ministro da Educação, Camilo Santana, participantes do Enem com mais de 18 anos, que ainda não concluíram a educação básica, voltarão a obter a certificação no ensino médio para quem conquistar pelo menos 450 pontos em cada uma das áreas de conhecimento das provas e nota acima de 500 pontos na redação.

Provas

O Enem 2025 será aplicado nos dias 9 e 16 de novembro, em todo o Brasil.

São quatro provas objetivas e uma redação em língua portuguesa. Cada prova objetiva terá 45 questões de múltipla escolha.

No primeiro dia do exame, serão aplicadas as provas de redação e as objetivas de língua portuguesa, língua estrangeira (inglês ou espanhol), história, geografia, filosofia e sociologia. A aplicação terá 5 horas e 30 minutos de duração.

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No segundo dia do Exame, serão aplicadas as provas de matemática, Química, Física e Biologia. Nesta data, a aplicação terá 5 horas de duração.

Os portões de o aos locais de provas serão abertos às 12h e fechados às 13h (horário de Brasília). O início será às 13h30.

No primeiro dia, as provas irão terminar às 19h. No segundo dia, o término é às 18h30

“Excepcionalmente, considerando a realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP 30, que será realizada em Belém-PA, a aplicação do Enem 2025 para o participante que indicar os municípios de Belém-PA, Ananindeua-PA ou Marituba-PA como município de aplicação no ato da inscrição será realizada em 30 de novembro de 2025 e 7 de dezembro de 2025”, diz o edital.

No ato de inscrição, os candidatos podem requerer o tratamento pelo nome social, que é destinado à pessoa que se identifica e quer ser reconhecida socialmente, conforme sua identidade de gênero. 

Serão usados dados da Receita Federal, por isso o participante deverá cadastrar o nome social na Receita FederalTravestis, transexuais ou transgêneros receberão esse tratamento automaticamente, de acordo com os dados cadastrados na Receita.

O candidato não precisa enviar documentos comprobatórios.

ibilidade

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O participante que necessitar de atendimento especializado deverá, no ato da inscrição, solicitá-lo.

O candidato deve informar as condições que motivaram a solicitação, como baixa visão, cegueira, visão monocular, deficiência física, auditiva, intelectual e surdez, surdocegueira, dislexia, discalculia, déficit de atenção, Transtorno do Espectro Autista (TEA), gestantes, lactantes, diabéticos, idosos e estudantes em classe hospitalar ou com outra condição específica. 

Os recursos de ibilidade disponibilizados aos candidatos estão descritos no edital.

Taxa de inscrição

taxa de inscrição do Enem é no valor de R$ 85 e pode ser paga por boleto (gerado na Página do Participante), pix, cartão de crédito, débito em conta corrente ou poupança (a depender do banco). O prazo para fazer o pagamento vai até 11 de junho. Não haverá prorrogação do prazo para pagamento da taxa.

Para pagar por Pix, basta ar o QR code que constará no boleto.

De acordo com o edital, não serão gerados boletos para participante que informar na inscrição que usará os resultados do Enem 2025 para pleitear o certificado de conclusão do ensino médio ou declaração parcial de proficiência e que esteja inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) concluinte do ensino médio (no ano de 2025), mesmo que ainda não tenha solicitado isenção da taxa

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Reaplicação

De acordo com o edital, as provas serão reaplicadas nos dias 16 e 17 de dezembro para os participantes que faltaram por problemas logísticos ou doenças infectocontagiosas.

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