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Opinião 4d6u6w

A terceira idade das crises 434e3

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A apreensão pelo Ibama* de um papagaio sem registro de posse, em poder de um aposentado, foi notícia de página inteira de um jornal de Brasília. Como os escravos, que morriam de saudade da Mãe África, o jornal sugeriu que o homem, com problemas no coração, poderia seguir o mesmo destino.

Desde então os computadores do jornal foram entupidos por mensagens de protesto e as telefonistas aram a olhar para os telefones com um misto de ódio e ressentimento.

A pressão pública foi tanta que o governo devolveu ao homem a guarda da ave.

Com o fim da novela, a dupla retomou a rotina. Em nova reportagem, o repórter contou que todo dia, perto do almoço, o ancião voltou a se animar com uma velha pergunta do louro:

“Já papou, papai?”

Dono de um estilo folhetinesco, o repórter fez um relato piegas, ignorando aspectos importantes do caso. Por ex., o fato, evidente, de que o penoso sofre da Síndrome de Estocolmo, fenômeno comum em reféns de sequestro. Trata bem o ‘seqüestrador’ por necessidade, uma vez que, privado do seu habitat natural, tornou-se incapaz de sobreviver por conta e risco na copa das árvores, entre os de sua espécie.

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Enquanto isso, leio na internet: três avôs de 74, 73 e 64 anos foram condenados por uma corte de Hagen, Alemanha, a 31 anos de prisão, por assaltarem 14 bancos a mão armada.

Eles roubaram mais de um milhão de Euros, conservando a maior parte do dinheiro para financiar a aposentadoria.

Envelhecer não costuma mesmo ser coisa para amadores.

Pouco a pouco, vamos ficando invisíveis aos olhos alheios, muitas vezes sem os carinhos dos parceiros de uma vida, o que em parte explica o apego de idosos a animais domésticos e o fato de submeterem os louros a prosaicas aulas de fonoaudiologia.

Por trás de casos assim, há quase sempre uma história de solidão e de afirmação pela posse, o cativeiro do afeto.

O caso dos vovôs alemães foge ao script.

Os eventos noticiados levam a pensar que talvez não fosse o dinheiro o objetivo central de suas ações armadas.

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Afinal, em vez de prosseguir com os assaltos, eles bem poderiam ter parado a tempo de gastar parte dos Euros em algum balneário do Caribe. Tomaram gosto pelo crime? Não acredito.

Com seus atos, os bravos vovôs deixam um registro histórico de resistência ao esquecimento.

Não se conformaram com a indiferença reservada aos idosos pelos que se sentem ‘alguém’ apenas porque fazem parte do mundo produtivo. Não os comoveram essas migalhas com que a sociedade tenta amenizar seu sentimento de culpa, es livres nos cinemas e no transporte coletivo, precedências em filas de banco.

Sua persistência nos assaltos, que abobalharam uma polícia de nazi-memória, leva a crer que, para eles, mais importante que os Euros roubados, eram o prazer de sentir o sangue correr nas veias, a emoção a flor da pele, a redescoberta da vida ativa quando todos em volta já os viam com o pé na cova de sete palmos.

Ao invés dos bancos de praça, dos bailes da saudade e dos sorrisos sem esperança para a tevê, escolheram a cadeia. No lugar de um papagaio, de um cão ou de um gato, preferiram o convívio dos condenados e carcereiros.

Se observarmos em volta, veremos algumas variações de idosos. Há os que desfrutam da graça de viver seu outono com dignidade, cercados de conforto e do afeto da família.

Há os que se conformam às humilhações, fingindo de mortos ou vítimas por dependência, como o aposentado de Brasília.

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Existem ainda os que padecem de senilidade, doença do esquecimento, pela qual concluem por si próprios o processo de invisibilidade a eles imposto na rotina dos anos. Suas ‘ausências’ permanecem um inquietante protesto, provando o quanto somos precários na ideia de que temos uma identidade e somos alguém.

Por fim, há aqueles que repetem os elefantes, afastando-se da manada para morrer, depois de pregar uns sustos na tigrada, para que tenhamos uma viva recordação de sua agem, como foi o caso dos vovôs alemães.

Que curtam em paz a cadeia. Nós nos lembraremos.

* Crônica escrita em dias melhores.

Jornalista e escritor. Editor do Amigos de Pelotas. Ex Senado, MEC e Correio Braziliense. Foi editor-executivo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Atuou como consultor da Unesco e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Uma vez ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo, é autor dos livros Onde tudo isso vai parar e O fator animal, publicados pela Editora Lumina, de Porto Alegre. Em São Paulo, foi editor free-lancer na Editora Abril.

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Brasil e mundo 3m3y11

Antes de Gaga, Madonna já havia aprontado no Rio b4o68

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Em seu show no Rio, em maio de 2024, Madonna exibiu numa tela ao fundo do palco imagens de ícones culturais, entre eles Che Guevara e Frida Kahlo. Foi surpreendente que o tenha feito, afinal, ela se apresenta como defensora dos direitos das minorias, inclusive da Queer, como faz Gaga, minoria que se fez maioria em ambos os shows.

Na ocasião, Madonna soou mais inconsequente que Gaga com seu “Manifesto do Caos”.

Os livros contam que o governo cubano, do qual Che fez parte, perseguia homossexuais, chegando a fuzilá-los por isso. Por quê? Porque os considerava hedonistas — indivíduos de natureza subversiva ao regime de exceção. Por serem, para eles, incapazes de controlar seus ardores sensuais e, por conseguinte, de se enquadrar em um regime em que a liberdade não tinha lugar, muito menos de fala.

Já Frida foi amante de Trotsky. E, depois deste ser assassinado no exílio a mando de Stálin, a artista ainda teve a pachorra de pintar um quadro com o rosto de Stálin, exposto até hoje em sua casa-museu, para iração de boquiabertos turistas bem informados sobre os fatos.

Madonna levou R$ 17 milhões do sistema capitalista por um show de um par de horas em que, literalmente, performou. Sem esforço, fingiu que cantava. Playback.

Dizem que artistas, por natureza, são “ingovernáveis”. A visão que eles teriam de vida seria mais importante do que a vida, do que a matéria. Pois há artistas e artistas.

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Madonna é dessas sumidades que a gente não sabe, de fato, o que pensa. Apenas intui, por projeção. Tente lembrar de alguma fala substancial dela. Não lembramos, porque vive da imagem que criou. Vende uma imagem que, no fundo, talvez nem corresponda ao que ela é de verdade.

No fim da trajetória, depois de ganhar a vida, artistas costumam surpreender o público, mostrando sua verdadeira face em biografias. Pelo desconforto de partir com uma máscara mortuária falsa.

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Cultura e entretenimento 1f3218

O perigo das Gagas da vida 1n4w28

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Ajoelhado na calçada, à moda dos muçulmanos voltados para Meca, porém usando minissaia e rumorosos saltos vermelhos, um homem vestido de mulher berrava com desespero, na tarde de sexta 2, para uma janela vazia do Copacabana Palace, no Rio. Esgarçando-se na reiteração, expelia em golfos: “Aparece, Gagaaa. Gaaaagaaaaa”. Projetava-se à frente ao gritar, recuava em busca de fôlego e voltava a projetar-se.

Como a cantora não deu os ares à janela do hotel, o rapaz, tal qual uma atriz de novela mexicana, a sombra e o rímel escorrendo pelas bochechas, chorou o que pode. Estava cercado por uma multidão que, assim como ele, queria porque queria fincar os olhos na mutante Lady Gaga, uma mistura de mil faces a partir da fusão de Madonna com Maria Alcina, antes de seu show. No país que ama debochar, a cena viralizou.

Multidão muito maior ironizou o drama. Memes correram por todo lado para denunciar o grande número de desempregados no Brasil. Gente com tempo de sobra para chorar, porém pelas razões erradas.

Ocorre que muitos dos presentes à manifestação, como o atormentado rapaz, veem em Gaga um ícone Queer. Uma rainha da comunidade LGBTQIA+, representante global das causas do amor sem distinção, como a pop estimula em seu “Manifesto do Caos”, lido por ela no show. Nele, Gaga prega a “importância da expressão inabalável da própria identidade, mesmo que isso signifique viver em estado de caos interno”. Um manifesto assim, mais do que inconsequente, é temerário.

Como assim caos interior?

Tomado ao pé da letra por destinatários confusos, um manifesto desses pode ser mortificante. Afinal, viver a própria identidade não significa viver sem freios, mas sim encontrar um meio termo entre o desejo e a realidade. Justamente para evitar o caos. Logo, o manifesto é, isso sim, assustador — por haver (sempre há) tantas pessoas suscetíveis de embarcar nessas canoas de alto risco, cheias de remendos destinados a cobrir furos da embarcação. Pobres dos ageiros que, cegos por influência de ídolos de ocasião, avançam pelo lago em condições tão incertas.

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A idolatria… ela é mais antiga do que fazer pipi pra frente e, ao menos no caso dos homens, ainda de pé. Ultimamente as coisas andam um tanto confusas nesse quesito, mas ao menos a adoração se mantém intacta, assim como a veneta dos gozadores, para quem o humor repõe as coisas em proporção, ou seja, em seu devido lugar.

Todos temos cotas de iração por artistas, mas à veneração, eis a questão, se entregam os vulneráveis. O que esses buscam, mais do que a própria vida, é um reflexo (uma sombra?) de suas identidades. Uma projeção material da pessoa que gostariam de ser, não fossem o que são. É aí que mora, num duplex de cobertura, o perigo. O rapaz pensa que Gaga é como ele, só que não.

Não lembro quem disse que aqui é um vale de lágrimas. Mas o é de fato, bem como é um fato que artistas, como políticos, são depositários das nossas esperanças, mesmo que atuem na mais antiga das profissões, anterior à prostituição — a representação —, o primeiro requisito para sobreviver em sociedade, quando não ficar rico, e sem necessariamente excluir, ainda que camuflada, a segunda profissão.

É de se imaginar o rapaz voltando para casa frustrado. É de presumi-lo no sofá, fazendo um minuto de silêncio.

Mas depois se reerguendo.

Não há de ser nada. Amanhã Gaga vai arrasaaar.

Gagaaaaaa.

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